ENIAC

Programadoras operam o primeiro computador eletrônico da história, o ENIAC • Foto: ARL Technical Library / U.S. Army

Por Roney Lemes de Moura Filho

Donald Brown é um eminente antropólogo da Universidade da Califórnia, conhecido pela sua enorme contribuição na área, mas em particular pelo seu trabalho relacionado ao que chamou de universalidade da natureza humana. Segundo Brown, existem objetos e conceitos que se encontram presentes em todas as culturas humanas, apesar de diferenças de interpretação que cada cultura pode dar para tais instrumentos.

É uma lista razoavelmente longa, podendo alcançar três páginas a depender da edição em questão. Porém, o ponto importante para este pequeno estudo diz respeito a três conceitos que se destacam nessa lista: violência, armas e guerra.

Infelizmente, por mais que alguns não gostem que seja o caso, ou que até mesmo se recusem a aceitar que seja o caso, da mesma forma que há esperançosos que acreditam que, em um futuro possivelmente próximo, não será mais o caso, a guerra se faz presente nas relações sociais desde o início dos tempos, deixando sua marca em todos os lugares pelos quais os humanos passam, e não há qualquer indício de que isso vá mudar tão cedo.

Desse modo, uma reflexão a respeito dos impactos que a guerra tem nos desenvolvimentos tecnológicos e institucionais se faz necessária, e essa é justamente o intuito desta série de artigos.

Devido a ameaça existencial representada pela guerra, ou quase guerra, e a necessidade de sobrevivência por parte do Estado perante tal ameaça, incentivos para que inovações sejam feitas a um ritmo muito mais acelerado se fazem presentes.

Portanto, não é de se espantar que tanto inovações tecnológicas quanto institucionais venham a ocorrer de forma muito mais acentuada durante períodos de conflito armado, ou então na preparação para tal conflito.

Da mesma forma que o oposto também se mostra verdadeiro, visto que Estados que não enfrentaram ameaças externas, ou que não tiveram de lidar com a perspectiva prolongada de tal ameaça, tendem a mostrar um desenvolvimento institucional particularmente fraco.

Tal desenvolvimento incentivado pela situação de guerra ou quase guerra se mostra particularmente verdadeiro quando se trata do campo tecnológico, ainda mais durante o século XX, onde desenvolvimentos técnicos ocorridos em meio aos conflitos desse século permitiram mudanças que impactaram de maneira definitiva as relações sociais, políticas e econômicas.

Durante a Segunda Guerra Mundial, o conflito mais devastador da história humana, os incentivos para o desenvolvimento tecnológico para aplicações bélicas eram enormes e óbvios, assim, devido ao nível da potência das armas, ocorreram esforços para o desenvolvimento de mecanismos para cálculos balísticos e de criptografia.

Tais esforços levaram à criação de máquinas como Mark I, ENIAC e o Colossus, com as duas primeiras sendo destinadas a cálculos balísticos e a terceira destinada à decifração dos códigos alemães gerados pela máquina Enigma.

Outro avanço gerado pelo contexto de guerra total foi o desenvolvimento de turbinas a jato, algo que revolucionou a aviação que, de início, tinha uma aplicação essencialmente bélica, porém não demorou para influenciar na vida civil.

A internet, ferramenta tão útil que revolucionou a sociabilidade humana em todos os aspectos possíveis, teve como percursora a Arpanet, um programa militar norte-americano que tinha como função proteger informações estratégicas no caso de um ataque nuclear soviético. Assim, a ameaça de uma guerra, ou de um apocalipse nuclear neste caso, pode levar a inovações tecnológicas tão significativas quanto a própria internet.

Outro setor onde desenvolvimentos podem vir a ocorrer por conta de uma situação de guerra ou de quase guerra é aquele voltado às instituições, pois, para se poder lutar em uma guerra de maneira efetiva e eventualmente vencer tal guerra, se faz necessário ter uma boa capacidade de arrecadação de impostos para poder pagar pelas despesas relacionadas ao conflito.

Da mesma forma que se faz importante ter uma capacidade burocrática e administrativa eficiente e impessoal, onde seus quadros sejam selecionados por questões meritocráticas, ignorando assim influências familiares, o suprassumo do patrimonialismo.

Tal desenvolvimento institucional veio a ocorrer na Prússia do século XVII e na China antiga durante o período da dinastia Zhou Oriental. E isso em partes explica o porquê da América Latina ser repleta de Estados consideravelmente fracos e ineficientes, pois tais Estados não tiveram grandes incentivos para desenvolverem suas instituições, pois nunca enfrentaram ameaças consideráveis contra suas existências ou integridades territoriais de forma prolongada.

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JuggerBR
JuggerBR
6 horas atrás

E isso em partes explica o porquê da América Latina ser repleta de Estados consideravelmente fracos e ineficientes, pois tais Estados não tiveram grandes incentivos para desenvolverem suas instituições, pois nunca enfrentaram ameaças consideráveis contra suas existências ou integridades territoriais de forma prolongada.”

Por linhas tortas ele fala o que eu sempre achei, só seremos uma nação séria quando tivermos uma guerra que nos faça tomar decisões difíceis.