Por Roberto Gazzi e Roberto Bascchera

O jornalista Roberto Godoy, considerado o maior repórter de segurança, armas e guerras do Brasil, contrastava com o tema que se especializou: era uma pessoa de paz e de uma imensa candura. Na redação do Estadão, circulava com a mesma desenvoltura e simpatia pelas salas dos diretores ou pelas mesas dos “focas”, os jornalistas em início de carreira que passam pelo curso de treinamento do jornal.

Por anos, no trajeto diário para o trabalho, ao volante, entre Campinas, onde morava, e São Paulo (e vice-versa), dispensava a tag de cobrança automática do pedágio pelo simples prazer de parar na cabine e bater papo com o solitário cobrador em serviço. Sabia o nome de vários deles e contava suas histórias.

O maior especialista em assuntos de Defesa da imprensa brasileira morreu nesta sexta-feira, 29 de março, aos 75 anos, em Campinas. Godoy tratava um câncer e, nos últimos meses, lutou contra a doença com apoio da família e sem perder a coragem, a lucidez, o bom humor e o otimismo. Marcas que sempre o acompanharam.

Godoy foi um dos mais premiados jornalistas de sua geração. Nasceu em Campinas em 18 de janeiro de 1949 e começou a trabalhar cedo no Correio Popular, jornal da família na cidade, do qual seus pais eram sócios minoritários. Começou a acumular prêmios desde muito jovem. Ganhou em sequência três prêmios jornalísticos do Centro das Indústrias (Ciesp Campinas). No final desse mesmo ano vence o principal prêmio do jornalismo brasileiro, o Esso, com a reportagem “Nasce o primeiro computador da América Latina”, publicada no Correio e no Estadão. Era o tempo da censura de imprensa decretada pelo AI-5 anos antes e na entrega do prêmio afirmaria: “A liberdade de imprensa é, ainda, o maior dos prêmios que o jornalista pode ganhar”.

Foi contratado pelo Estadão como chefe da Sucursal de Campinas. Numa época em que assinatura do autor de um texto era rara, o nome Roberto Godoy aparecia com frequência em várias páginas do jornal, com reportagens de destaque. Muitas tratavam de avanços tecnológicos em diversas áreas: medicina, agricultura, energia, comunicação. “Esalq vai usar energia nuclear no agro”; “Laser, revolução na comunicação”; “ITA faz coração artificial”; “Unicamp terá centro de engenharia genética”; “Geisel vê o Xingu da Embraer”; “Vai nascer o primeiro brasileiro de proveta”, que lhe daria importante prêmio. Pelas manchetes é possível perceber o faro de Godoy para encontrar notícias verdadeiramente importantes. Mas não descuidava de contar histórias de sua região, que começava a crescer alucinadamente na década de 70. Muitas reportagens tratavam desta expansão, mas outras contavam histórias do interior ainda rural, como na premiada série intitulada “A Região Bragantina Estagnada”. Seu texto claro, bem construído e cheio de informações convidava à leitura.

Mas foi no final da década de 70 que, para além de um repórter brilhante e premiado, começaria a carreira de um dos maiores repórteres de segurança, armas e guerras do Brasil e do mundo. Numa entrevista para a Revista Imprensa de junho de 2012, Godoy contou que esta história começou graças ao então editor-chefe do jornal, Miguel Jorge (que anos mais tarde seria executivo da indústria automobilística e ministro de Lula). Seu chefe pediu para ele dar uma fuçada na indústria de segurança brasileira, escondida debaixo das burocracias e censuras militares. Descobriu que a área era cheia de notícias e um trabalho de muita competência lhe abriu as portas para chefes militares, executivos da indústria de armas e aviões. Tornou-se a referência de informação destes setores. “Não basta ser competente, tem de ter sorte”, disse à revista, lembrando a missão dada por Miguel Jorge, que lhe abriu ainda mais portas para um futuro brilhante no jornalismo. “Ao contrário do que se imagina, eu não tenho coleção de maquetes, de blindados, nada disso. Nunca tive. O assunto nunca foi meu hobby, mas é fascinante”.

“Sua importância ao tratar de nossa agenda militar nos fez, ainda mais, reconhecidos. Assim, seu papel foi fundamental nesta vertente do jornalismo, onde cada notícia veiculada era fundamental para esclarecer o real papel de nossas Forças”, disse o comandante da Aeronáutica, brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno, nesta sexta-feira, 29, ao saber da morte. “Perdemos um grande profissional e um correto cidadão. Perdi uma referência de nossa imprensa especializada”.

O comandante do Exército, general Tomás Paiva, lamentou a morte do jornalista. “Destacado conhecedor de temas militares, contribuiu sobremaneira para a divulgação do trabalho do Exército Brasileiro, assim como com a Defesa de nosso País, em debates, matérias e coberturas”, afirmou.

Na década de 80, Godoy espalhou notícias sobre a crescente indústria de armas, da Embraer, do setor de tecnologia e da Esalq/Embrapa no agro. Eram dele os maiores furos (nome que no jargão jornalístico significa a notícia em primeira mão) nestas áreas.

Na década de 90, deixa o Grupo Estado para voltar a dirigir o Correio Popular de Campinas. Torna a colaborar com o Estadão em 1999 e em 2000 estava de volta ao corpo da redação do jornal da Capital. Voltava para praticar o ofício que fez questão de espalhar, seja como repórter e chefe no Correio Popular, chefe da Sucursal de Campinas e editor na Agência Estado e, mais tarde, como um repórter especial de várias áreas do Estadão. Participou das coberturas, de modo remoto, de todas as guerras pelo mundo a partir dos anos 80: revoluções na América Central, Guerra das Malvinas, Guerra no Golfo, conflitos no Oriente Médio, na antiga União Soviética, etc. O último texto dele para o Estadão foi uma análise da ameaça do ditador Nicolás Maduro de entrar em guerra com a Guiana pelo vale do Essequibo.

Sempre procurou se atualizar sobre os assuntos que escrevia e tinha muito boas fontes. Uma delas lhe disse em meados de 2007 que em breve o barril de petróleo estaria custando US$ 100 dólares, cerca de 4 vezes mais que o preço na época. No dia seguinte, Ruy Mesquita, o diretor de Opinião do Estadão, chamou em sua sala o editor da matéria e passou-lhe uma carraspana por ter publicada a entrevista. Jamais o preço do petróleo chegaria naquele preço, argumentava, para que publicar tal informação. Em janeiro de 2008 o preço do barril do petróleo superou pela primeira vez na história os US$ 100. Mesquita chamou à sua sala Godoy e o editor. Fez um discretíssimo elogio ao repórter e um pedido de desculpas quase inaudível ao editor. Era um feito, que fez ambos comemorar assim que saíram da sala da direção do Estadão.

Quando os jornais tiveram de se adaptar à era digital, Godoy não se intimidou com a necessidade de buscar outros meios de divulgar informações. Foi um dos primeiros astros da TV Estadão. Não só levando no novo canal do tradicional jornal suas informações sobre defesa, armas e guerras, mas comandando programas de entrevistas em diversos assuntos. Também atuou em vários programas da Rádio Eldorado, do Grupo Estado. Entre eles, o “Conexão” e o “De Olho no Mundo”. Atualmente, fazia uma participação semanal, no “Estado de Alerta com Roberto Godoy”, que estreou em outubro de 2021.

A última edição do comentário na Eldorado foi um dia antes de sua morte. Em conversa com o âncora Haissen Abaki, falou sobre o interesse do ditador venezuelano Nicolás Maduro pelo Essequibo, na Guiana, e o lançamento do submarino Tonelero (S-42) feito pelos presidentes Lula e Emanuel Macron.

Ele sempre foi, e em tempo integral, repórter. Do tipo que trabalhava diariamente de camisa branca, gravata e suspensórios. E se orgulhava disso. Todos os assuntos o entusiasmavam e viravam pauta, do alviverde Guarani aos automóveis possantes, outras duas paixões. O talento era o mesmo tanto no texto para o impresso, que fluía elegante e correto, como para falar na rádio e na TV.

Roberto Godoy era um homem religioso e apaixonado pela vida e pelo trabalho. Essa brilhante história profissional e de vida teve seu capítulo final numa Sexta-Feira da Paixão, e a dois dias dos 60 anos do 31 de março de 1964. Isso, para ele, não é um acaso.

FONTE: Estadão


NOTA: O amigo Roberto Godoy era assíduo leitor da trilogia de sites Forças de Defesa e foi conselheiro editorial da nossa revista impressa.

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Bosco
Bosco
7 meses atrás

Meus pêsames à família.

Rebert
Rebert
7 meses atrás

Que trágico, infelizmente ele não viu a indústria militar nem as forças armadas fortes e nem o Brasil se tornar a potência militar que será no futuro

leonidas
leonidas
Reply to  Rebert
7 meses atrás

Ninguém vera isso colega…

Macgaren
Macgaren
Reply to  Rebert
7 meses atrás

Com todo respeito ao falecido, mas nem se alguém viver 300 anos verá o brasil assim.

Guacamole
Guacamole
7 meses atrás

Minhas condolências a familia e amigos próximos.

Rafael Oliveira
Rafael Oliveira
7 meses atrás

Recordo-me da 1ª matéria que li escrita por ele no Estadão. Em 2001 ou 2022 tratava do míssil “Tomahawk brasileiro” (o Matador da Avibrás). Com o passar do tempo li outras reportagens e vi entrevistas na TV.
Meus sentimentos à família e aos amigos.

Bosco
Bosco
Reply to  Rafael Oliveira
7 meses atrás

Eu já sou mais erado.
Fiquei conhecendo ele quando comprei o livro que ele ajudou a escrever: “Guerra Santa nas Malvinas”. A parte técnica das armas utilizadas foi ele que escreveu.
Salvo engano o livro saiu ainda em 82.

Rafael Oliveira
Rafael Oliveira
Reply to  Bosco
7 meses atrás

Uau!
1982 foi o ano que nasci.

Bosco
Bosco
Reply to  Rafael Oliveira
7 meses atrás

Temos mais ou menos a mesma idade. Parei de contar depois que fiz quarentinha.

Rafael Oliveira
Rafael Oliveira
Reply to  Bosco
7 meses atrás

Hahaha
Lembro de uma reportagem antiga sobre você. Já parecia ter quarentinha e alguma coisa.

Bosco
Bosco
Reply to  Rafael Oliveira
7 meses atrás
Sergio
Sergio
Reply to  Rafael Oliveira
7 meses atrás

Sorte sua. Eu assisti a copa de 82…

Rafael Oliveira
Rafael Oliveira
Reply to  Sergio
7 meses atrás

E ainda passou raiva.

Camargoer.
Camargoer.
Reply to  Sergio
7 meses atrás

Rapaz… foi a melhor copa que eu assisti.
Há alguns anos, reprisaram os jogos das várias copas… 82 foi show.

90 foi a pior….

2014 foi ano da selecinha.

Paulo Sollo
Paulo Sollo
7 meses atrás

Uma grande e insubstituível perda. A título de importância e inteligência, foi o Paulo Francis do jornalismo especializado em Defesa.

RDX
RDX
7 meses atrás

Pioneiro em assuntos militares.
Lembro de uma matéria antiga na qual ele comparava o exército brasileiro com o argentino, em particular de um trecho sobre o maior alcance da artilharia Argentina. 20 km contra 14,6 km do nosso M114.

carlos mendes
7 meses atrás

Tragedia Nacional. Me lembro dele dando um baile na primeira guerra do Iraque explicando com detalhes todo o material bélico brasileiro no exército de Saddam.

Moriah
Moriah
7 meses atrás

Uma perda irreparável para o jornalismo de defesa do Brasil e do mundo. Meus sentimentos à família.

leonidas
leonidas
7 meses atrás

Meus sentimentos aos familiares e amigos!

Luís Henrique
Luís Henrique
7 meses atrás

Eu sou campineiro, me interessei pelo tema com filmes como Top Gun, mas na década de 90 eu lia diariamente o jornal Correio Popular e tinha uma seção Mundo onde sempre tinha temas sobre guerras, conflitos e armas e equipamentos. Eu cheguei a colecionar, tinha uma pasta com dezenas de recortes do jornal apenas desta seção.
Não sei se o Roberto Godoy foi o responsável por estas matérias, mas ou diretamente ou indiretamente fez parte da minha vida.
Que Deus conforte toda a família.

Toro
Toro
7 meses atrás

Meus pesames a familia e aos amigos.

Carvalho2008
Carvalho2008
7 meses atrás

Meus sentimentos

Renato de Mello Machado
Renato de Mello Machado
7 meses atrás

RIP

RSmith
RSmith
7 meses atrás

Rest In Peace….

Carlos Campos
Carlos Campos
7 meses atrás

Texto lindo, uma triste notícias para todos os veículos de informação militares e para todos os amantes do militarismo.

Camargoer.
Camargoer.
7 meses atrás

Pois é. Toda perda é triste.
Dói mais quando é próximo.

Sergio
Sergio
7 meses atrás

Que vergonha descobrir que um gigante desse – provavelmente- lia meus miseráveis comentários por aqui…

Vá com Deus, Guerreiro.

Hamom
Hamom
7 meses atrás

Grande perda,um pioneiro… mesmo atualmente existem poucos jornalistas dedicados ao setor “Defesa”, e na própria geração de Roberto Godoy, eram raros como pelo em ovo.

Após sua luta contra a doença, que descanse em paz.

André Bueno
André Bueno
7 meses atrás

Meus sentimentos aos familiares. Deixa um legado.

SteelWing
SteelWing
7 meses atrás

Meus pêsames, grande perda ao jornalismo brasileiro

Last edited 7 meses atrás by Alexandre Galante
Macgaren
Macgaren
7 meses atrás

Meus sentimentoa a familia.

Conhecia pelo nome mas não conhecia a trajetória.

Rodrigo Maçolla
Rodrigo Maçolla
7 meses atrás

Partiu um grande Bugrino…. Alem das inumeras materias dele que já li, Me recordo de ler alguns comentários aqui na trilogia, Meus pesâmes a familia.

Last edited 7 meses atrás by Rodrigo Maçolla
Groosp
Groosp
7 meses atrás

Lembro que ele era detonado no fórum do Sistema de Armas. Uma vez ele fez um comentário sobre “grupelhos da internet”. Acho que estava falando da gente kkkkk.

Ele não viu o Tomahawk brasileiro se tornar operacional. Não sei se vamos ver.

De qualquer forma, meus pêsames à família e aos amigos próximos.

adriano
adriano
7 meses atrás

Meus pêsames aos familiares e amigos.

Gavião
Gavião
7 meses atrás

Até onde eu sei, foi o maior especialista em assuntos de Defesa que tivemos.