Perdido em mentiras: acompanhando as reivindicações da propaganda russa

Por Stijn Mitzer e Joost Oliemans (*)

Poucos países usaram a desinformação como arma na medida em que a Rússia o fez na última década. No entanto, apesar de todas as suas tentativas de influenciar a opinião estrangeira por meio de invenções e falsas narrativas, a Rússia geralmente se esforça surpreendentemente pouco para elaborar a maioria de suas reivindicações de propaganda. Seja negando o uso de bombas de fragmentação na Síria e, ao mesmo tempo, publicando um vídeo mostrando aeronaves RuAF baseadas na Síria transportando bombas de fragmentação ou usando imagens de um videogame como prova de que os Estados Unidos apoiam o ISIS na Síria, a maioria das narrativas falsas serve para convencer o público doméstico da Rússia ou um público estrangeiro que já está inclinado a acreditar na narrativa de Moscou em primeiro lugar. [1] [2]

A fim de justificar sua invasão da Ucrânia em 2022, a Rússia tentou criar a falsa narrativa de que foi de fato a Ucrânia que invadiu a Rússia e as regiões ocupadas pelos russos de Donetsk e Luhansk no leste da Ucrânia, com a Rússia apenas contra-atacando em um esforço para defender seus interesses. A fim de convencer pelo menos seu público doméstico das graves intenções da Ucrânia, a Rússia provavelmente fez a pior tentativa de mostrar a ameaça da Ucrânia ao encenar uma suposta infiltração do Regimento Azov na Rússia. [3] A geolocalização da filmagem (tirada do capacete de um dos soldados Azov que supostamente participou da infiltração) desmentiu a história uma hora depois de se descobrir que a suposta incursão em território russo foi de fato realizada a partir de separatistas. território ocupado. [4]

Em vez de mostrar os corpos dos cinco soldados Azov que supostamente foram mortos durante a incursão, a televisão russa mostrou um veículo blindado BTR-70M destruído que foi pintado em uma tentativa mal concebida de fazê-lo parecer um veículo ucraniano. [5] O BTR-70M é uma atualização russa do BTR-70 APC (não confundir com os programas de atualização BTR-70 domésticos da Ucrânia e do Azerbaijão, também designados como BTR-70M) que nem é operado pela Ucrânia, destacando ainda mais a impressionante falta de atenção que foi dispensada a essa operação de bandeira falsa antes da invasão russa da Ucrânia em 24 de fevereiro de 2022. [6]

Considerando que a Rússia e a Ucrânia operam as versões básicas BTR-70 e BR-80, escolher um APC que não estava em serviço com o Exército Ucraniano foi indiscutivelmente mais difícil do que escolher um que estivesse.

Desde então, a Rússia tentou estabelecer inúmeras outras narrativas falsas sobre sua guerra na Ucrânia, muitas vezes para encobrir derrotas militares durante a “operação militar especial” do país na Ucrânia. Seu fracasso em tomar Kyiv foi rotulado como uma operação distrativa para desgastar o exército ucraniano (que, a julgar pelos avanços da Ucrânia nos Oblasts de Kharkiv e Kherson, falhou miseravelmente), a lenta velocidade com que o exército russo avançou no leste da Ucrânia é considerado um esforço intencional para minimizar a quantidade de baixas civis e a embaraçosa retirada da Rússia da Ilha das Cobras foi explicada como um sinal de boa vontade para abrir caminho para as negociações de paz. [7] [8] [9]

Infelizmente para a Rússia, muitas de suas falsas narrativas são logo superadas por relatórios detalhando o curso real dos eventos. Um excelente exemplo é o de como Moscou tentou lidar com o ataque e subseqüente naufrágio do cruzador Moskva na costa da Ucrânia. Atingido por dois mísseis anti-navio ucranianos Netuno em 13 de abril, o Ministério da Defesa russo foi rápido em relatar que o cruzador não havia sido alvo da Ucrânia, mas sofreu um incêndio, que foi contido sem danos ao sistema de armas do navio. [10] Mais tarde, em 14 de abril, o MoD russo teve que admitir que Moskva afundou enquanto era rebocado durante uma tempestade, apesar da falta de condições de tempestade naquela área. [11] A equipe de controle de danos do MoD russo parecia tão ruim quanto a bordo do Moskva, como um incêndio extinto que não danificou nenhum dos navios.

A desinformação russa estendeu-se às suas alegações sobre a quantidade de equipamento ucraniano que destruiu durante a sua “operação militar especial”. Depois de alegar ter neutralizado a Força Aérea Ucraniana no início da guerra, a Rússia reivindicou a destruição de 337 aeronaves, aproximadamente três vezes o número de aeronaves realmente operadas pela Força Aérea Ucraniana. [12] O MoD russo também afirma ter desativado 90% dos aeródromos da Ucrânia, apesar das operações contínuas da Força Aérea Ucraniana de todos os aeródromos localizados no território que controla. [13]

Indiscutivelmente, a mais divertida das reivindicações da Rússia é a quantidade de HIMARS que afirma ter neutralizado. Apesar do fato de a Ucrânia ter recebido apenas 16 HIMARS até 1º de outubro de 2022, a Rússia milagrosamente reivindica a destruição de 19 HIMARS e a captura de outro até essa data. Para fornecer evidências da destruição de dois HIMARS, o MoD russo divulgou imagens de um ataque de míssil de precisão contra o segundo andar de um prédio comercial de três andares, um esconderijo pouco convincente para lançadores de foguetes baseados em caminhões. [14] [15] Curiosamente, a Rússia não relatou a destruição de nenhum M270 MLRS, apesar da presença de onze desses sistemas na Ucrânia. Isso provavelmente tem muito a ver com a falta de atenção que tem sido dada ao M270 (pelo menos em comparação com o HIMARS), dando à Rússia nenhum incentivo para relatar falsamente sua destruição.

Graças a anos exagerando o status de superpotência da Rússia, o povo russo passou a esperar capacidades que as Forças Armadas Russas não podem cumprir. Como consequência direta, o MoD russo está preso entre a cruz e a espada, com uma nação que espera que ele lide rapidamente com sistemas como o HIMARS e um exército que simplesmente não tem capacidade para localizar, rastrear e destruir esses sistemas. Para esconder suas próprias falhas, o MoD russo precisa compensar ou pelo menos aumentar significativamente as perdas ucranianas para tranquilizar seu público doméstico. Claro, este não seria um artigo da Oryx se não tentássemos listar e acompanhar pelo menos algumas dessas reivindicações.

O objetivo desta lista é rastrear as reivindicações russas sobre a destruição de M142 HIMARS, lançadores de Harpoon, obuses M777, Bayraktar TB2s e aeronaves e helicópteros ucranianos. Esta lista é atualizada à medida que estatísticas adicionais sobre perdas se tornam disponíveis.

• M142 HIMARS (20)
  Reinvindicação de 20 HIMARS destruídos ou capturados (1), segundo o Ministério da Defesa da Rússia em 1º de outubro de 2022. [16] [17] [18] [19] [20] [21] [15] Apenas 16 HIMARS foram entregues à Ucrânia a partir da apresentação dessas reivindicações. Não há evidência visual que sustente a perda de qualquer HIMARS.
• Lançadores de Harpoon (5)
  Reinvindicação de 5 lançadores Harpoon destruídos, segundo o Ministério da Defesa da Rússia em 2 de agosto de 2022. [16] Não há nenhuma evidência visual que apoie a perda de qualquer lançador Harpoon.
• Obuseiros M777 (33)
  Reinvindicação de 33 M777 destruídos, segundo o Ministério da Defesa da Rússia em 2 de agosto de 2022. [16] Evidências visuais na época apoiavam a destruição de sete M777. Um total de 18 M777s estão atualmente confirmados visualmente como destruídos: (1, destruído) (2, destruído) (3, destruído) (4, destruído) (5, destruído) (6, destruído) (7, destruído) ( 8, destruído) (9, destruído) (10, destruído) (11, destruído) (12, destruído) (13, destruído) (14, destruído) (15 e 16, destruído) (17, destruído) (18, destruído )
• Bayraktar TB2s (1000)
  Reinvindicação de 1000 TB2 destruídos, segundo a TV estatal russa em 30 de junho de 2022. [22] Baykar Tech, o produtor do TB2, nunca construiu mais de 450 TB2. A evidência visual na época apoiou a destruição de nove TB2s. Um total de quatorze TB2s estão atualmente confirmados visualmente como destruídos: (1) (2) (3) (4) (5) (6) (7) (8) (9) (10) (11) (12) (13 (14)
• Aeronave (337)
  Reinvindicação de 326 aeronaves destruídas, segundo TV estatal russa em 4 de dezembro de 2022. [12] Evidências visuais confirmam a destruição de 52 aeronaves operacionais. [23]
• Helicópteros (178)
  Reinvindicação de 178 destruídos, segundo a TV estatal russa em 4 de dezembro de 2022. [12] Evidências visuais confirmam a destruição de 20 helicópteros operacionais. [23]

(*) texto originalmente publicado em 28/10/2022

FONTE: Oryx