Nicolas-Maduro

Demétrio Magnoli

vinheta-clipping-forte1A Venezuela já não tem um governo constitucional. Desde o 10 de janeiro, data do autogolpe do chavismo, o país encontra-se sob regime de exceção. A chefia de Estado é exercida por um usurpador, Nicolás Maduro, que não representa o povo, mas apenas o desejo do caudilho enfermo, tal como interpretado pelos altos círculos “bolivarianos”. O próprio Hugo Chávez, internado em Havana, está sob os cuidados e o controle da ditadura cubana, que gerencia segundo seus critérios as informações sobre a saúde do paciente. Os venezuelanos, inclusive os eleitores do caudilho, não apenas perderam os meios para influir sobre o governo de seu país como também assistem à cassação de seu direito a saber o que se passa com o presidente reeleito. Quando usa a palavra “democracia” para fazer referência à Venezuela atual, Dilma Rousseff trai os valores que jurou preservar ao assumir a Presidência do Brasil.

Na democracia, a instituição da Presidência da República distingue-se da figura do presidente da República, que é o ocupante eventual do cargo. Nos regimes de caudilho, a distinção conceitual inexiste e, quando imposta por circunstâncias incontroláveis, torna-se fonte de crises dilacerantes. Chávez iludiu o povo ao apresentar sua candidatura à reeleição garantindo, mentirosamente, estar curado de um câncer cujas características jamais foram expostas aos eleitores. Em tese, um candidato chavista alternativo poderia disputar as eleições com chances de vitória, mas a hipótese não foi nem sequer considerada, pois a estabilidade do regime repousa sobre a figura do caudilho.

Segundo a Constituição venezuelana, na ausência do presidente eleito, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, deveria assumir provisoriamente a presidência. O governo provisório nomearia então uma junta médica para determinar se a ausência é temporária ou definitiva, caso em que seriam convocadas novas eleições. Mas, em Havana, a cúpula chavista reunida com Raúl Castro decidiu-se pela declaração da “continuidade” do governo de Chávez, violando duplamente a norma constitucional. A rejeição da instalação do governo provisório destinou-se a evitar a separação entre a instituição da presidência e a figura do caudilho. A rejeição da nomeação da junta médica destinou-se a preservar o sigilo sobre a situação médica do caudilho – ou seja, de fato, a consolidar a transferência para o regime castrista da palavra decisiva sobre a política venezuelana.

Os líderes chavistas justificaram a violação da norma invocando o respeito à “soberania popular”, isto é, ao voto do eleitorado que conferiu o novo mandato a Chávez. Efetivamente, porém, entregaram a presidência a alguém que não foi eleito por ninguém: Maduro, o vice-presidente nomeado por Chávez no mandato que se encerrou a 9 de janeiro. Na Venezuela, vices-presidentes não são eleitos, mas nomeados e demitidos pelo presidente como qualquer ministro. O usurpador instalado no palácio presidencial de Caracas não tem a legitimidade de Chávez nem a de Cabello, que representa o parlamento. Justamente por esse motivo, foi alçado ao exercício da presidência: Maduro é o reflexo espectral do caudilho, cumprindo a missão de ocupar o vazio político no lugar de um detentor de legitimidade popular – mesmo se esse personagem é um chavista histórico como Cabello.

Não se sustenta o paralelo sucessório com o Brasil do ocaso da ditadura militar. Em março de 1985, hospitalizado às pressas, o presidente eleito, Tancredo Neves, faltou à própria posse. O vice-presidente eleito, José Sarney, assumiu a Presidência por força de um acordo inconstitucional entre líderes civis e militares, que evitou a entrega da chefia de Estado ao presidente da Câmara, o oposicionista Ulysses Guimarães. Apesar de tudo, o compromisso apoiou-se nos andrajos de legitimidade de Sarney – que, na condição de companheiro de chapa de Tancredo, triunfara no Colégio Eleitoral. Na Venezuela, em contraste, o cargo de presidente é exercido por um personagem carente de legitimidade democrática: Maduro só ocupa a cadeira presidencial pois, desde que Chávez o sagrou como “sucessor”, converteu-se no “corpo substituto” do caudilho.

Regimes revolucionários não admitem os limites impostos pelas leis. Entretanto, até hoje, o chavismo moveu-se na esfera de uma legalidade relativa, sempre ampliada e continuamente reinterpretada. Agora, uma corte suprema dominada por juízes chavistas bem que tentou preservar as aparências legais, mas só conseguiu cobrir-se de ridículo. O tribunal não podia prorrogar o mandato de Chávez, algo flagrantemente arbitrário, nem proclamar que um novo mandato teve início sem a posse do presidente, pois isso implicaria a vacância da vice-presidência e dos demais cargos ministeriais. Os juízes “solucionaram” o dilema pela declaração onírica de que, sob o “princípio da continuidade administrativa”, o antigo mandato prossegue como um mandato novo. O vulgar truque circense serve para conferir um verniz legal à permanência do vice-presidente e dos outros ministros nos cargos que ocuparam no mandato presidencial encerrado.

O dirigente chavista Elías Jaua definiu o autogolpe chavista como “um marco na construção da democracia”: a comprovação de que “o povo manda por cima dos formalismos da democracia burguesa”. O Paraguai foi corretamente suspenso do Mercosul após um processo parlamentar de impeachment que respeitou a letra da Constituição, mas violou seu espírito, ao negar ao presidente o direito à ampla defesa. A Venezuela é um caso muito mais grave, pois o autogolpe viola tanto a letra quanto o espírito da Constituição. O governo brasileiro, contudo, indiferente aos imperativos básicos de coerência, abraça-se ao usurpador e sacrifica a cláusula democrática do Mercosul às taras ideológicas do PT. O nome disso é corrupção moral.

FONTE: O Globo via Resenha do Exército

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Giordani
Giordani
11 anos atrás

Acessem o site do PT com a data de hoje e vejam o quão podre são estes que nos governam! Vivemos numa Ditadura Branca!

masadi45
11 anos atrás

A demência deste capataz das organizações globo, é no mínimo , para não dizer algo mais feio , é ridícula.
Demétrio Magnoli, deveria informar que o que escreve faz parte do pensamento de extrema direita burra do instituto millenium.
É hilário o pensamento distorcido de nossas elites. Quando há época do Tancredo neves , essa organização criminosa de mídia chamada globo, juntamente com seus lacaios pagos , aceitaram que o vice (Sarney) , assumisse provisoriamente no lugar do principal (Tancredo). Agora , metem pau na mesma situação da Venezuela. Porque será ?

Marcos
Marcos
11 anos atrás

A Venezuela é o único país do Mundo que é dirigido por um fantasma.

Observador
Observador
11 anos atrás

masadi45 disse: 17 de janeiro de 2013 às 15:49 Lugar errado para falar tanta besteira. Engraçado, quando o Paraguai defenestrou o bispo tarado, seguindo a constituição daquele país, bateu a histeria nas viúvas do comunismo: conseguiram com isto suspender o Paraguai do Mercosul e, com isto enfiar a Venezuela pela porta dos fundos, já que faltava o aval do congresso paraguaio. Agora, quando os bolivarianos fazem pior, dando uma posse virtual a um presidente em coma (ou morto), permitindo ao vice governar o país, quando a constituição de lá determina a convocação de novas eleições (que os bolivarianos venceriam sem… Read more »

aldoghisolfi
aldoghisolfi
11 anos atrás

Estas coisas só acontecem nas republiquetas bananas, como nós corremos o risco de ser quando entregarmos passaportes diplomáticos para os _____, como acabaram de pedir.

EDITADO

Marcos
Marcos
11 anos atrás

Observador:

Assino em baixo.

Giordani
Giordani
11 anos atrás

Marcos disse:
17 de janeiro de 2013 às 21:01
Observador:
Assino em baixo.

Dois!

Daglian
Daglian
11 anos atrás

A Venezuela é governada ou por um morto, ou por um incapacitado, que não pode fazer decisões pelo seu país. Entretanto, o mesmo supostamente continua comandando a Venezuela. Como? Ninguém sabe. Ou sabe: não é ele que está emitindo ordens, mas o governo venezuelano diz que é. Isso indica de maneira bastante simples que a constituição daquele país foi RASGADA e que ninguém fará nada. Pior é a conivência, ou melhor, a ADMIRAÇÃO por parte do nosso governo e de governos vizinhos para com esta gente. Mas segundo alguns, é culpa da “zelite” e da extrema direita. Como muito bem… Read more »

ivanildotavares
ivanildotavares
11 anos atrás

Também assino embaixo. O comentarista Observador foi perfeito. Política externa vergonhosa esta do PT. O Paraguai deveria cobrar coerência por parte do Brasil, Argentina e Uruguai. Por que dois pesos e duas medidas?

Abs

hamadjr
hamadjr
11 anos atrás

O PT deixou de ser esquerda faz tempo, o pt de hoje na prática e na concepção é igual aos partidos tradicionais, ou seja esta no mesmo staff das demais quadrilhas que governaram o estado brasileiro.

Drcockroach
Drcockroach
11 anos atrás

Por falar em usurpadores, titulo da materia, e jah sugerindo uma materia p o excelente blog do Forte: o Brasil estah em ultimo lugar em termos de horas exigidas de trabalho para pagarem impostos no Brasil. O Estado brasileiro eh o senhor feudal atual…

http://www.pwc.com/gx/en/paying-taxes/data-tables.jhtml

Usurpadores!

[]s!

Vader
11 anos atrás

Eu quero que a Venefavela do Palhaço de Caracas se exploda, com todo o seu povo junto. Ninguém mandou eleger um cadáver. Que aguentem. Aliás, quem manda hoje de verdade na Venezuela é o homicida cubano Raúl Castro e a corja do PCC ilhéu. Uma coisa é certa: os comunistas cubanos são extremamente competentes em Guerra de Quarta Geração. Senão, como é que um país menor, infinitamente mais pobre, mais fraco, mais desarmado e isolado internacionalmente consegue conquistar tão absolutamente, sem disparar um único tiro, um país muitas vezes mais rico, mais forte e mais populoso como a Venezuela, ao… Read more »

Vader
11 anos atrás

Quanto ao governo brasileiro, esse episódio da Venefavela, quando comparado ao do Paraguai, só serve para derrubar as máscaras do governo PeTralha para aqueles pouquíssimos que, ao lado da Velhinha de Taubaté, ainda acreditava que essa corja respeita valores democráticos. Para mim, não muda nada, pois já não acreditava em nada do que eles dizem. Essa canalha que nos governa hoje não possui conjunto de valores, sendo todos relativistas axiológicos, que é a forma mais abjeta de egoísmo moral. Para eles vale o que diria, satiricamente, Groucho Marx: “Esses são os meus valores. Se você não gosta, eu tenho outros”.… Read more »

Vader
11 anos atrás

Por fim, texto quase perfeito do Magnoli, com a única ressalva que, no caso do Paraguai houve o estrito cumprimento da lei e da Constituição, o que não houve na Venezuela. Agora, comparar o caso do Chavez com o do Tancredo só poderia sair do bestunto da PeTralhada mesmo. Se eu entendi direito eles preferiam, para se manter a aparência de legalidade, entregar de volta o poder à Linha Dura do Regime Militar do que deixar o Sarney tomar posse!!! Ao ponto de culpar a Rede Globo de Televisão porque esta apoiou a posse de Sarney o que, de fato,… Read more »

Vader
11 anos atrás

Mas voltando ao tema da maior conquista de Quarta Geração já levada a cabo na história recente, não duvido nada que o câncer que está matando o Chavez tenha sido, senão engendrado, cuidadosamente “alimentado” por seus “médicos” e tratamentos cubanos.

São espertos esses comunas cubanos, isso não se há de negar. Por isso que tem que ser exterminados: se tiverem a oportunidade esses malditos conquistam o mundo.

E ai do mundo…

Requena
Requena
11 anos atrás

Um país governado por um cadáver.

Tem coisas que só acontecem na América Latina.
Nem Gabriel García Márquez seria capaz de escrever uma história dessas.

Requena
Requena
11 anos atrás

E olha que o Gabriel García Márquez é comuna e amigo do Fidel. Deve ser por isso que ficou louco…

Antonio M
Antonio M
11 anos atrás

Antes o discurso do partido que atualmente governa era “não rouba e não deixa roubar” e agora na situação mudou rapidamente para “Nossos ladrões e usurpadores são melhores que os dos outros” …..