Uruguai em 1960

Tanques M24 do Exército uruguaio durante o desfile de 1960 para a visita do presidente dos Estados Unidos, Eisenhower

Por Roney Lemes de Moura Filho

Duas das principais marcas da América Latina durante os séculos XIX e XX foram a inflação e a incapacidade de seus membros de gerarem Estados eficientes nos moldes europeus, principalmente nos quesitos de recolherem níveis significativos de impostos, e toda a estrutura envolvida nisso, de mobilizarem suas populações quando necessário, e, como se mostrou frequentemente (semelhante aos seus antigos senhores coloniais), incapazes de controlarem suas elites, que muitas vezes corrompiam o Estado em determinados seguimentos ou áreas, ou simplesmente o usurpavam.

E tal situação se torna mais curiosa tendo em mente que os países da América Latina se tornaram independentes, no geral, no primeiro quarto de século do século XIX, o que os deu tempo o suficiente para desenvolverem por si mesmos Estados que tivessem um desempenho ao menos razoável, porém, com algumas poucas exceções, isso não veio a ocorrer. Assim, o questionamento fica: qual seria o motivo disso? A relação estabelecida por Charles Tilly entre Estado e guerra explica em partes tal fenômeno.

Como já dito anteriormente, guerra ou a perspectiva de uma guerra foram importantes para o desenvolvimento institucional em lugares como a Prússia e a China antiga, e não apenas neles, com a França e Inglaterra se incluindo nessa lista, juntamente com os EUA, que, ao longo do século XX, desenvolveu setores consideráveis do Estado por questões relacionadas à segurança nacional.

Com exceção das guerras de desintegração da antiga Iugoslávia, a Europa se mostrou um lugar pacífico, especialmente desde a década de 1950, porém, obviamente, nem sempre foi assim, com boa parte da história da Europa sendo constituída por níveis altíssimos e quase constantes de violência entre Estados, com eventos massivos que levaram a mudanças consideráveis nos mapas europeus e nos estilos de vida dos povos representados nesses mapas, desde a Guerra dos Trinta anos, até Revolução Francesa com suas guerras napoleônicas, chegando no auge desse tipo de violência na Primeira e Segunda Guerra Mundial.

Obviamente, não se trata de dizer que a América Latina é um lugar essencialmente pacífico, afinal, o continente como um todo tem uma quantidade um tanto quanto alta de cartéis de drogas, facções criminosas e bandidos comuns e até mesmo alguns poucos grupos guerrilheiros de orientação leninista ou maoísta, proporcionando assim altos níveis de violência e de sofrimento para as populações locais. Porém, a violência entre Estados, a guerra propriamente dita, principalmente a de larga escala e total, se mostrou inexistente no continente, com as possíveis exceções da Guerra do Paraguai e a Guerra do Pacífico.

De todo modo, as guerras entre Estados na América Latina foram tão pouco frequentes que muitas pesquisas históricas mal as mencionam, com a possível exceção das duas guerras já citadas. Obviamente que a ausência de guerras do tipo no continente é um fato positivo, ainda mais quando se tem em mente o nível de sofrimento que tais eventos causam. Porém, é difícil não notar que justamente os setores que a guerra incentiva um Estado a desenvolver são aqueles que faltam na América Latina.

Um desses setores, sendo este um dos mais influenciados pela guerra, é o da tributação. Os diferentes Estados da China antiga, por conta da situação de guerra entre eles, se viram obrigados a fazerem reformas administrativas significativas com o intuito de poderem tributar de forma mais eficiente. Os Estados da Europa moderna, igualmente motivados pela guerra e a necessidade de financiamento, criaram ministérios de finanças, burocracias para administrarem a coleta desses impostos e hierarquias administrativas para gerenciarem a logística por trás disso tudo.

Tais Estados passaram a ser cada vez mais eficientes no quesito de tributar sua população. Isto, por sua vez, não veio a ocorrer na América Latina, com o Brasil e o México no século XIX, por exemplo, vindo a recolherem de um quarto à metade dos impostos per capita que a Grã-Bretanha veio a recolher durante o mesmo período.

Sem contar que os países da América Latina dependiam muito mais de impostos indiretos, como os recolhidos pelas alfandegas e aqueles sobre consumo, pois estes dois são mais fáceis de cobrar do que os impostos diretos que são cobrados de empresas e pessoas físicas.

Assim, os impostos indiretos comumente são os primeiros a serem usados por países com fraca capacidade administrativa. Consequentemente o governo brasileiro não conseguia coletar mais de 4% das receitas totais em impostos sobre a riqueza e a produção, mesmo quando travava guerras extremamente custosas no contexto das Questões Platinas. O Chile, às vezes referido como a ‘’Prússia da América Latina’’, tinha uma porcentagem de coleta ainda menor.

REFERÊNCIAS 

  • FUKUYAMA, Francis. Ordem e Decadência Política. Rocco. Rio de Janeiro. 2018. p. 263-264.
  • FUKUYAMA, Francis. Ordem e Decadência Política. Rocco. Rio de Janeiro. 2018. p. 268.
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Mauro Oliveira
Mauro Oliveira
2 horas atrás

“Incapacidade de seus membros de gerarem Estados eficientes nos moldes europeus”.

.

Essas são as “referências”: regimes europeus que construíram sua riqueza com escravidão, saque, roubo e colonialismo na América Latina, África e Ásia até os anos 1970 do século XX (e neocolonialismo posteriormente as “independências”).

Sem falar, é claro, da pior interferência: EUA; que promoveu (promove!) Golpes de Estado, desestabilização, guerra híbrida e sanções aliado as oligarquias colonizadas quinta colunas locais toda vez que algum Estado Latino Americano tem algum governo com o mínimo de justiça social e Soberania Nacional.

Nesses casos viram sempre governos “comunistas”, “ditaduras” e “corruptos”.

E, é claro, para muitos os problemas são China, Irã, Rússia…

Última edição 2 horas atrás por Mauro Oliveira
Angus
Angus
Responder para  Mauro Oliveira
50 minutos atrás

Atualmente existem apenas 2 países da América Latina com golpes com o objetivo de perpetuação no poder (obviamente com apoio de parcela da sociedade e de Forças Armadas), que são Venezuela e Cuba.
Desconheço que tenham apoio da Cia e EUA.
O Brasil mantem laços amistosos com esses países ou rompeu relações diplomáticas até que a democracia seja respeitada?

Maus
Maus
Responder para  Angus
33 minutos atrás

O EUA financiou movimentos de esquerda pelo mundo todo desde 1960

Ed Sanches
Ed Sanches
Responder para  Maus
5 minutos atrás

Whatttt????

Maus
Maus
Responder para  Mauro Oliveira
34 minutos atrás

América latina e África tem 99% dos recursos que os europeus levaram, onde está a riqueza dos africanos e latinos. Melhor: Taiwan não tem uma mina de minério, a riqueza deles vem da areia que eles utilizam para fazer chips de computador, como Taiwan consegue ser mais rica do que qualquer cidade do Brasil?

Edimur
Edimur
1 hora atrás

Brasil ta uma M…. e tem governo de esquerda no poder !!! De quem é a culpa agora ? Porque nunca assumem nada sempre culpam alguém, Criaram um pé de meia para aluno mas o professor que ensina este aluno apanha do mesmo aluno kkkkk muito tem que dar aula em 3 turnos para ter o mínimo de conforto, mas não é um governo pelo povo que está no poder ? País vive uma guerra civil mas a preocupação é com a Internet, os caras são tão caras de pau que o miserável que sobrevive de auxílio não conta como desempregado aí a culpa de todos os males é dos Europeus ou dos EUA é igual marido agredir a esposa por não ter feito almoço mas ele gostou o dinheiro de comida com as Primas !!!

Mauro Oliveira
Mauro Oliveira
Responder para  Edimur
47 minutos atrás

Esquerda onde?

Só na propaganda.

Na prática é um governo neoliberal de direita.

E muito menos de esquerda ainda é quando aplica no país as políticas do Partido (de direita) Democrata dos EUA (agenda woke-identitária).

Maus
Maus
Responder para  Mauro Oliveira
37 minutos atrás

Como identificar um canalha: eleja a esquerda e quando ela estiver no poder, diga que é de direita

Maromba
Maromba
Responder para  Maus
17 minutos atrás

Já somos grandes o suficiente pra saber que presidente da República (seja Lula ou Bolsonaro) é apenas um mero Chefe do Executivo e que são os parlamentares que realmente detém o poder. A maior bancada do congresso brasileiro é de pseudo-direita. Pseudo pois Direita no Brasil é defender tabelinha da OAB, taxa de serviço em bares e restaurantes, sindicatos patronais e associações de classe (MÁFIAS) etc, sendo que a base do CAPITALISMO é a CONCORRÊNCIA (liberdade para escolher).

“De acordo com a sondagem, dos 513 parlamentares escolhidos, 237 são considerados de direita (46,20%), enquanto 141 (27,48%) são de esquerda e 135, de centro (26,31%)”

Leia mais em: https://veja.abril.com.br/politica/direita-ou-esquerda-pesquisa-mostra-lado-que-saiu-vitorioso-no-congresso

Maus
Maus
Responder para  Edimur
38 minutos atrás

E depois que esse aluno se forma, onde haverá emprego para ele? Repositor de supermercado? É por isso que as universidades estão vazias: não há empresas para contratar formados

Ed Sanches
Ed Sanches
Responder para  Edimur
2 minutos atrás

Desde 1889, quantos anos de governo de esquerda teve o Brasil ? E quantos governos de esquerda assumiram o poder atraves de um golpe aqui no Brasil ?? E a culpa de toda corrupção é da esquerda. Ta çertu.

Willber Rodrigues
Willber Rodrigues
1 hora atrás

O texto, embora tenha muitas verdades, se esqueceu de um “pequeno” detalhe:

O loooongo histórico das FA’s dos países latino-americanos em darem golpes, se meterem nos governos civis, e de serem unha e carne com a mesma “elite” do país a quem eles dizem servir.
E nem vou falar das vezes em que as FA’s latino-americanas foram usadas pra combater narcotráfico, de serem subversientes a CIA e aos EUA com a desculpa de “ameaça vermelha”, e de não darem a mínima pra se modernizarem e de estarem em sintonia com o resto do mundo.

Angus
Angus
Responder para  Willber Rodrigues
51 minutos atrás

Atualmente existem apenas 2 países da América Latina com golpes com o objetivo de perpetuação no poder (obviamente com apoio de parcela da sociedade e de Forças Armadas), que são Venezuela e Cuba.
Desconheço que tenham apoio da Cia e EUA.
O Brasil mantem laços amistosos com esses países ou rompeu relações diplomáticas até que a democracia seja respeitada?

Willber Rodrigues
Willber Rodrigues
Responder para  Angus
27 minutos atrás

“Desconheço que tenham apoio da Cia e EUA.”

Ok, agora vamos falar da quantidade de golpes militares que tiveram um ou dois dedos da CIA na AL durante os últimos 50 anos…ou tú vai vir pro meu lado e dizer que estou mentindo, ou fazer igual um “outro” aqui que disse que deveríamos “ser gratos por isso”?

Mauro Oliveira
Mauro Oliveira
Responder para  Willber Rodrigues
49 minutos atrás

A maioria das FAs Latino-Americanas atuam de fato como forças neocoloniais dos EUA na região.

E continuará assim enquanto adquirirem hardware dos EUA, sobretudo via FMS (que inclui sempre um pacote de doutrinação antinacional).

Antunes 1980
Antunes 1980
1 hora atrás

Se a situação atual vencer a eleição presidencial de 2026, será necessário apresentar uma denúncia à ONU.
Diante do caos social, da inflação, das derrotas esmagadoras nas eleições municipais e dos altos índices de rejeição, a reeleição da turma do foice seria impossível.
Nesse caso, uma investigação extremamente aprofundada do sistema eleitoral seria indispensável.

Edimur
Edimur
Responder para  Antunes 1980
1 hora atrás

Perfeito

Mauro Oliveira
Mauro Oliveira
Responder para  Antunes 1980
46 minutos atrás

Agora a ONU serve?

Aliás, que ONU?

Maus
Maus
Responder para  Mauro Oliveira
44 minutos atrás

Assino em baixo

Maus
Maus
Responder para  Antunes 1980
42 minutos atrás

Não creio que isso acontecerá porque a elite econômica também perdeu dinheiro, apenas meu chute: Caiado e Gustavo Lima