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Por Roney Lemes de Moura Filho

Quando se trata do desenvolvimento e modernização de Estados, a violência, infelizmente, se mostrou fundamental para que isso venha a ocorrer. Obviamente, quando se fala das origens de organizações sociais mais complexas, quando as pessoas saíram do estado de bando ou tribo e passaram a se organizar em sociedades mais bem estruturadas, o desenvolvimento de técnicas e ferramentas melhores para o plantio se fez fundamental, pois o superávit de produção de alimentos é importante para que cargos que exijam profissionais específicos, como administradores e militares profissionais, possam surgir.

Porém, o simples desenvolvimento de tais técnicas e ferramentas pode por vezes não ser o suficiente, visto que, mesmo hoje em dia, agricultores de países em desenvolvimento muitas vezes se recusam, ou, no mínimo, relutam em adotarem novas tecnologias que melhorariam o plantio e sua produtividade.

Assim, não é nenhum absurdo supor que, movidos por um conservadorismo em relação aos métodos até então utilizados, as sociedades acabem por ficarem sujeitas a uma rigidez institucional em relação aos métodos aplicados na produção econômica e organização social.

Consequentemente, nestes casos a violência se fazia presente no sentido de forçar mudanças modernizadoras, afinal, a necessidade de sobrevivência por parte dos membros da sociedade em questão, em um contexto de competição extrema, os forçava a cooperarem entre si e adotarem métodos mais efetivos nas mais variadas áreas, como bem dito pelo sociólogo norte-americano Francis Fukuyama: ‘’Os seres humanos competem para cooperar e cooperam para competir; cooperação e competição não são alternativas, mas dois lados da mesma moeda. E com frequência a competição assume uma forma violenta’’.

Portanto, a ameaça de violência se mostrou fundamental para a transição de bando para tribo, e de tribo para Estado para culminar no que entendemos hoje como um Estado moderno, assim, o cenário de conflito ou então a possibilidade de um conflito motivou o desenvolvimento de novas formas de organização social em prol da sobrevivência da comunidade.

Tal linha de pensamento segue a teoria desenvolvida pelo também sociólogo norte-americano Charles Tilly, de que ‘’o Estado fez a guerra e a guerra fez o Estado’’, esta teoria originalmente foi direcionada apenas a formação dos Estados europeus modernos, com o principal exemplo sendo a Prússia.

Este mapa retrata a expansão do território dos Eleitores de Brandemburgo da dinastia Hohenzollern, que ascenderam ao título de “Rei na Prússia” em 1701. Até o século XVI, seu território compreendia apenas o Margraviato de Brandemburgo, mas em 1618 eles herdaram o direito de governar o Ducado da Prússia, situado fora do Sacro Império Romano. Por isso, a entidade territorial dos Hohenzollern é frequentemente chamada de Brandemburgo-Prússia, especialmente no período de 1618 a 1701. Mesmo antes da Guerra dos Trinta Anos, os margraves Hohenzollern conseguiram expandir seu território por meio de uma habilidosa política de casamentos. Com a Paz de Vestfália, Brandemburgo-Prússia adquiriu a Pomerânia Oriental, o Principado de Minden e o direito ao Arcebispado de Magdeburgo (efetivado em 1680). Contudo, como mostra o mapa, muitos desses territórios eram isolados entre si, dificultando a administração política e econômica unificada. Após a anexação da Silésia (1763) — conquistada por Frederico II durante as Guerras da Silésia — a Prússia tornou-se uma das grandes potências europeias. A Primeira Partição da Polônia, em 1772, incorporou a Prússia Ocidental e a diocese de Vármia ao território prussiano, estabelecendo assim uma conexão terrestre entre o centro de Brandemburgo e a Prússia Oriental. Na Segunda Partição da Polônia, a Prússia obteve o controle das cidades de Danzig e Thorn, bem como da recém-formada província da Prússia do Sul (1793). Já a Terceira Partição da Polônia, em 1795, concedeu à Prússia os territórios poloneses que foram incorporados ao reino como as províncias da Nova Prússia Oriental e da Nova Silésia.

Porém, tal relação entre competição militar e a necessidade de desenvolvimento pode ser vista em outras partes e épocas, como é o caso da China antiga durante a dinastia Zhou Oriental, da mesma forma que a ausência dessa relação também explica a formação de Estados fracos, como é o caso de boa parte da América Latina. Assim, a competição militar e a necessidade que tal competição gerava levou a diferentes tipos e níveis de desenvolvimento, como exposto por Fukuyama:

  […] a competição militar foi essencial para levar França, Prússia e Japão a construir burocracias modernas em condições absolutistas. Os fiascos militares na Guerra da Crimeia motivaram a aprovação da reforma Northcote-Trevelyan na Grã-Bretanha; muitas expansões importantes do Estado nos EUA foram feitas por razões de segurança nacional durante as duas guerras mundiais, a Guerra Fria e a chamada Guerra ao Terror. Por outro lado, a relativa falta de guerras entre Estados na América Latina explica a relativa fraqueza dos estados de lá.

Como dito anteriormente, a relação entre guerra e Estado levantada por Charles Tilly foi originalmente direcionada à Europa, assim, é conveniente tratar do caso mais marcante desta relação dentro do Velho Mundo: a Prússia.

Por meio de uma sequência muito fortuita de governantes habilidosos e determinados, no caso, o grande eleitor Frederico Guilherme (1640 – 1688), sendo seguido pelo rei Frederico Guilherme I da Prússia (1713 – 1740) e o tão conhecido Frederico II (sendo comumente chamado de Frederico, O Grande, 1740 – 1786), a Prússia, por conta da necessidade, acabou por se tornar um Estado moderno com uma burocracia e administração centralizadas e profissionais, isso sem falar do exército em si.

Tais avanços institucionais ocorreram por meio do exército, pois, nos tempos do século XVII, pouquíssimos reis ou governantes mantinham exércitos permanentes em tempos de paz. Frederico Guilherme, por sua vez, decidiu criar um, ou melhor dizendo, decidiu manter um, pois ele se recusou a dispensar seus homens após a Paz de Oliva, o tratado que deu fim à Guerra Sueco-Polonesa em 1660, da qual a Prússia fez parte.

Tendo visto de perto os acontecimentos da Guerra dos Trinta Anos, definitivamente a pior guerra religiosa que veio a ocorrer na Europa, e movido pelo receio de outro acontecimento do tipo, o grande eleitor reconheceu que a posição da Prússia como um Estado pequeno, sem saída para o mar, com uma população pequena, com poucos recursos naturais e cercada por rivais consideravelmente mais fortes, não era uma das melhores.

Por conta disso, Frederico chegou à conclusão de que apenas um poder militar eficiente poderia assegurar a sobrevivência de seu Estado. Porém, para tal intento, ele precisava passar pelos proprietários de terras, e assim o fez ao assumir os poderes fiscais destes desmantelar suas milícias pessoais e centralizar grandes setores administrativos sob uma burocracia controlada por sua majestade, com tal processo sendo continuado pelo seu neto, Frederico Guilherme I, que surpreendentemente transformou o jardim de seu palácio em um campo de treinamento militar e o andar térreo desse mesmo palácio em gabinetes de Estado.

Assim, de acordo com o historiador Hans-Rosenberg, ele permitiu a criação de um ‘’exército de primeira classe que tinha de ser sustentado por um país de terceira em termos de recursos humanos, riquezas naturais, suprimento de capital e habilidades econômicas’’.

A criação de grandes e profissionais exércitos nacionais, sendo sustentados por uma burocracia impessoal e eficiente na questão de cobrança de impostos e de organização, mais uma administração meritocrática e realmente eficaz naquilo que faz, são todas mais do que necessidades, se tratando até de exigências para a sobrevivência nacional no cenário em que a Prússia se encontrava, algo que foi muito bem entendido pelos governantes Hohenzollern.

Desse modo, a relação entre a necessidade de sobrevivência gerada pela competição militar leva a desenvolvimentos institucionais significativos. Porém, como já dito antes, a relação estabelecida por Charles Tilly não se aplica apenas ao continente Europeu, por mais que tenha originalmente se dirigido a ele.

REFERÊNCIAS 

  • FERGUSON, Niall. Civilização: Ocidente x Oriente. Planeta. São Paulo. 2012. p. 65.
  • FERGUSON, Niall. Civilização: Ocidente x Oriente. Planeta. São Paulo. 2012. p. 67.
  • FUKUYAMA, Francis. Ordem e Decadência Política. Rocco. Rio de Janeiro. 2018. p. 536.
  • FUKUYAMA, Francis. Ordem e Decadência Política. Rocco. Rio de Janeiro. 2018. p. 536-537.
  • FUKUYAMA, Francis. Ordem e Decadência Política. Rocco. Rio de Janeiro. 2018. p. 537.
  • FUKUYAMA, Francis. Ordem e Decadência Política. Rocco. Rio de Janeiro. 2018. p. 73-74.

LEIA TAMBÉM:

ESPECIAL: Guerra e Desenvolvimento I – Introdução

Guerra e Desenvolvimento II – Tecnologia

 

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Nilo
Nilo
1 hora atrás

A mim este conflito da Ucrânia, trata-se da expansão da Europa sobre o que restava de países sobre influência da Rússia, mais do que dos EUA, por que dizer que a Rússia é uma ameaça aos EUA, que tem grande poder economico, industrial e tecnologico e militar há uma distancia muito grande. Expansão Europeia sobre esses paises lhe forrnece população, fornecimento de minerais e mercados, a guerra pareceu a forma mais fácil em um ambiente cada vez mais competivo, ainda mais que tinham um socio como EUA, se utilizaram da parceria da Otan, assim como fizerram com a Libia que tiveram ajuda, usam a Otan para alcançar seus objetivos. Mas a expansão também se estende sobre a Rússia, com sua balcanização. Zé sai direto da reunião com Trump e vai se reunir com os primeiros ministros da Europa. Mas claro do que isso impossivel.
Novamente meus parabens ao editores.
Há surpresas, que estão por vir nesta reunião Europa/Ucrânia e dela haverá respostas,
quando Trump disse, para mim simbolicamente, que acabará com os BRICS, me diz que tem atores. grandes atores que tendem a atuar sem estar diretamente ligada ao a Ucrânia.