Harvard Mark 1

Computador Harvard Mark 1, da IBM

Por Roney Lemes de Moura Filho

Em 1941, logo após a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial devido ao ataque japonês contra Pearl Harbor, o presidente da IBM, Tomas J. Watson, propôs à Marinha Americana a construção de uma máquina para cálculos balísticos navais, que funcionaria tendo relés eletromecânicos e fitas perfuradas como base, operando números decimais codificados. Sendo tal máquina baseada nas ideias do matemático Howard Aiken, o projeto em questão veio a ser desenvolvido na Universidade de Harvard, onde foi batizado de MARK I e foi terminado em 1943, entrando em operação pela U.S. Navy em 1944 e ficando em funcionamento por mais 16 anos.

Outro projeto similar, tendo a mesma função de cálculos balísticos que o MARK I, foi o ENIAC (Electronic Numerical Integrator and Calculator), tendo sido idealizado em agosto de 1942 na Filadélfia pelo físico John W. Mauchly e pelo engenheiro J. Prosper Eckert, no caso, se tratava de uma máquina de alta velocidade com válvulas eletrônicas, obviamente que tal ideia não passou despercebida, tanto que pouco tempo depois, em 1943, o Exército dos EUA começou a financiar o projeto, vindo a ficar pronto em 1945, pouco depois do final da guerra, e permanecendo em operação por mais dez anos.

Computador ENIAC

Funcionava com números em forma decimal e recebia as informações necessárias por meio de cartões perfurados, com os programas sendo modificados através de reconfigurações. Outro projeto fundamental para o progresso civil posterior que surgiu da guerra é a máquina desenvolvida pelo matemático Alan Turing juntamente com sua equipe de engenheiros e professores de literatura, o Colossus.

Ele tinha por finalidade decifrar as mensagens alemães codificadas pela máquina Enigma. Vindo a ficar pronto em 1943, o Colossus fazia jus ao nome, visto que tinha aproximadamente 2.000 válvulas eletrônicas, com as mensagens alemãs codificadas sendo introduzidas em uma leitora fotoelétrica que utilizava uma fita de papel perfurada, para, assim, decifrar as mensagens e facilitar o esforço de guerra dos aliados.

Todos estes projetos foram fundamentais para o desenvolvimento dos computadores da atualidade, ferramentas tão úteis e, para diversos negócios e indivíduos, no mínimo indispensáveis seja na vida profissional ou na vida pessoal. E é curioso notar como algo visto atualmente com tanta naturalidade, como um objeto comum no dia a dia, surgiu como uma ferramenta de guerra com vários propósitos, dentre eles cálculos balísticos e até criptografia, com a principal motivação de tamanho desenvolvimento sendo obter vantagens perante o inimigo.

Outra área que contou com um desenvolvimento considerável por conta da Segunda Guerra Mundial foi o da aviação, principalmente devido ao desenvolvimento das turbinas a jato, algo que logo de imediato revolucionou para sempre a forma de se combater nos céus, e que eventualmente e de forma mais impactante ainda, mudou a forma de se viajar pelo mundo.

Antes e durante a guerra, os países que enfrentavam a perspectiva de um novo conflito e que efetivamente se viram envoltos em tal contenda, iniciaram protótipos para o desenvolvimento de aviões muito mais rápidos que os vistos até então, que funcionariam por meio de turbinas, com os alemães dando o pontapé inicial com o protótipo Heinkel He 178, ainda em 1939; os italianos foram os segundos, com o seu igualmente protótipo Caproni Campini N.1 em 1940.

Os britânicos veiram logo atrás em 1941 com o seu jato experimental Gloster E.28/39; os americanos por sua vez (com apoio britânico) desenvolveram o seu Bell XP-59, tendo terminado este em 1942; e, por fim, os japoneses, construindo o seu Nakajima J9Y Kikka em 1945, em partes com apoio alemão. Porém, todos esses caças a jato eram protótipos ou modelos experimentais, não eram completamente funcionais e não estavam prontos para o combate. Os alemães novamente foram pioneiros com o Messerschmitt Me 262, sendo este o primeiro caça a jato a entrar em operação real na história, em 1944.

Messerschmitt Me 262

Como resposta, apenas quatro meses depois os britânicos colocaram o seu Gloster Meteor em ação, um caça igualmente a jato. Assim, alemães e britânicos, competindo entre si para obter as maiores vantagens possíveis um contra o outro, deram início à era dos “caças a jato”, aviões estes que eram movidos a turbina, o que permitia que os caças voassem muito mais rápido em comparação aos caças movidos a pistão.

Não demorou muito para essa tecnologia de turbinas influenciasse diretamente a aviação civil, encurtando consideravelmente as viagens regionais e internacionais, isso sem contar as implicações no setor aeroespacial e em outros ramos tecnológicos.

Poucos anos após a Segunda Guerra Mundial, devido a possibilidade de um novo conflito avassalador, desta vez entre os antigos aliados EUA e União Soviética, o que efetivamente definia a principal faceta da Guerra Fria, tanto o bloco capitalista liderado pelos EUA quanto o bloco socialista liderado pela URSS competiam de forma acirrada pelo desenvolvimento de novas estratégias, armas mais modernas e eficazes, e de tecnologias que no geral permitiriam algum tipo de vantagem, por menor que fosse. Foi neste cenário em que a percursora da Internet nasceu.

Em meio à corrida espacial entre EUA e URSS, em 1957 os soviéticos lançaram ao espaço os satélites Sputnik 1 e o 2. Em clara desvantagem perante o bloco socialista, os EUA decidiram criar a ARPA (Advanced Research Projects Agency), responsável pelo incentivo às mais variadas pesquisas nas universidades americanas. A ARPA, juntamente com algumas poucas universidades selecionadas, investiu milhões de dólares em vários projetos de valores estratégicos, entre eles, a criação de uma rede que conectasse os diferentes computadores das diferentes universidades envolvidas, para, assim, compartilhar as informações de forma mais prática e otimizar os gastos consideráveis de tais projetos.

Representação visual da disseminação da ARPANET em setembro de 1974

Além, é claro, de servir como um mecanismo de defesa, visto que por mais que os computadores ou até mesmo a infraestrutura em si de uma universidade ou de um quartel-general fossem destruídos em um ataque nuclear por parte dos soviéticos, as informações poderiam continuar sendo preservadas e transmitidas. Esta rede que efetivamente conectou as universidades e o ARPA, ficou conhecida como Arpanet, entrando em operação em 1969 e sendo aprimorada ao longo da década de 1970. Em 1980, se fundiu a outras redes acadêmicas que já existiam a esta altura, como a NSFNET e CSNET, o que pode ser visto como o nascimento definitivo da Internet como a conhecemos.

Em suma, diversas tecnologias que não apenas nos garantem enorme conforto e praticidade, mas que são efetivamente as principais marcas da modernidade, surgiram dos contextos da ameaça de uma guerra nuclear. Novamente, a guerra como ofício humano deixa a sua indelével marca em alguns dos principais aspectos de nossas vidas, por mais que alguns não consigam reconhecer isso ou que até mesmo se recusem a reconhecer.

REFERÊNCIAS 

  • ADABO, Gabrielle. Ciência e guerra: era uma vez a internet. ComCiência. mai. 2014.
  • WEBER, Léo. Desenvolvimento da computação e da arquitetura computacional assíncrona. Universidade das Ilhas Baleares, Espanha.

SAIBA MAIS:

ESPECIAL: Guerra e Desenvolvimento I – Introdução

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Marcos Pesado
Marcos Pesado
3 horas atrás

Ótimo artigo.

Rogério Duran
Rogério Duran
3 horas atrás

Muito interessante este texto. A tecnologia militar tem interface em vários campos e sempre traz avanços nos campos civis. Nunca é dinheiro jogado fora o investimento em pesquisas militares.

amarante
amarante
27 minutos atrás

Na parte de software, não poderia deixar de observar a participação do maior programador que existiu até hoje (na minha mais sincera opinião), Bill Joy, um dos fundadores da Sun, ajudou na criação do protocolo TCP/IP, base fundamental da ARPANET, criador do BSD Unix, hoje FreeBSD, sistema operacional base dos consoles da Nintendo (Wii e Switch) , Sony (PS3, PS4 e PS5), também parte do macOs X até o atual, sendo o FreeBSD talvez o único SO capaz de suportar o tráfego de dados da Netflix e Meta.