Por que a criação de uma carreira civil para a defesa nacional é relevante?
A criação de uma carreira civil para atuar no Ministério da Defesa (MD) é um grande passo para, sobretudo, possibilitar ao País enfrentar de forma mais efetiva os desafios de segurança e defesa
Por Mariana Nascimento Plum e Peterson Ferreira da Silva*
No dia 28 de agosto de 2024, o MD celebrou 25 anos de sua criação. Nesse dia, o Ministro da Defesa, José Múcio, fez um anúncio aguardado há muito tempo pelos estudiosos da área: a criação da carreira civil em defesa nacional. Esse avanço não só consolida políticas iniciadas há décadas, mas também responde às demandas contemporâneas por maior governança e coordenação interinstitucional em temas de segurança e defesa, possibilitando ao País enfrentar desafios cada vez mais complexos e interconectados.
Breve histórico do Ministério da Defesa
A criação, em 1999, do MD foi um marco nas relações civis-militares no Brasil. Antes disso, a gestão da defesa nacional era fragmentada entre os ministérios da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, além do Estado-Maior das Forças Armadas (EMFA) e da Casa Militar.
Embora discutido por décadas, o MD somente foi concretizado no segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso (1999-2002), alinhando o Brasil aos padrões das democracias consolidadas, nos quais os processos de alto nível de governança, gestão e supervisão de segurança e defesa nacionais são liderados por civis.
Com o MD, iniciou-se, então, um lento e gradual movimento de aperfeiçoamento da aplicação dos recursos de defesa nacional, de maior coordenação entre as Forças Singulares (MB, EB e FAB) e de maior envolvimento da sociedade brasileira em assuntos de defesa nacional. Nessa direção, destacam-se a aprovação, em 2008, da primeira Estratégia Nacional de Defesa e a criação, em 2010, do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas e da Secretaria de Produtos de Defesa, assim como o estabelecimento, em 2021, da Escola Superior de Defesa.
Criação de uma carreira civil para atuar na defesa nacional: um passo necessário?
Em 2008, a primeira versão da Estratégia Nacional de Defesa (END) já identificava a ausência de uma carreira civil para atuar no MD como uma vulnerabilidade da pasta. A criação dessa carreira é vista, desde então, como essencial para que civis especializados possam gradualmente assumir funções estratégicas na formulação, implementação, monitoramento e avaliação das políticas públicas de segurança e defesa nacionais, permitindo que um maior número de militares possa se concentrar em suas atividades-fim. Assim, essa integração e especialização se mostram como etapas naturais para que, no longo prazo, não só o MD, mas outros ministérios respondam de maneira efetiva às questões contemporâneas.
De acordo com os dados fornecidos, em março de 2021, pelo MD, o corpo profissional da pasta era formado por 52% de militares, 23% de civis, 19% de terceirizados e 5% de estagiários. Desses, a maioria dos servidores civis não tem vínculo permanente com o órgão, ocupando cargos de confiança que estão diretamente relacionados com a troca de direção do MD e do Governo Federal.
Tal composição, somada à alta rotatividade dos militares da ativa em posições-chave, gera instabilidades na gestão, assim como dificulta a construção de uma cultura organizacional sólida e de uma memória institucional que assegurem a continuidade administrativa e o aperfeiçoamento das políticas públicas nas áreas de segurança e defesa nacionais, fatores fundamentais para uma política considerada “de Estado” e que necessita de planejamento de longo prazo e de aperfeiçoamento contínuo.
Que benefícios esperar da criação de uma carreira civil para atuar no MD?
A criação da carreira reflete um amadurecimento nas relações civis-militares, algo essencial tanto para a defesa dos interesses nacionais quanto para enfrentar a polarização social, um dos maiores riscos globais no curto e médio prazo apontados pelo Fórum Econômico Mundial. Desse modo, tal carreira vai permitir que civis especializados, comissionados e de outras carreiras, assim como militares (ativa e reserva), possam compartilhar conhecimentos e experiências.
Ademais, os desafios de segurança e defesa nacionais que o Brasil enfrenta hoje, como o acirramento das tensões e conflitos interestatais, o crime organizado transnacional, o agravamento das mudanças climáticas e a insegurança cibernética, apenas para citar alguns, demandam uma maior integração entre os diferentes órgãos e entidades, assim como uma especialização de longo prazo para seus servidores. Por exemplo, as variadas aplicações em segurança e defesa de tecnologias disruptivas como Inteligência Artificial, Blockchain, Computação Quântica e sistemas espaciais, entre outras, demandam profissionais altamente especializados e com muitos anos de conhecimento e de experiência.
Além disso, considerando que diversos temas da segurança e defesa nacionais (ex. Base Industrial de Defesa e Segurança e proteção integrada das fronteiras) demandam ações interministeriais e interagências de longo prazo, envolvendo articulações com outros ministérios, órgãos e entidades, a carreira civil em defesa facilitará essa sinergia também no nível político-estratégico, promovendo coordenações entre diferentes setores e atores, como Gabinete de Segurança Institucional (GSI); Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP); Ministério das Relações Exteriores (MRE); Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI); Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC); Casa Civil (ex. Agência Brasileira de Inteligência – ABIN); Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional (ex. Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil), bem como meio acadêmico, setor privado e organizações da sociedade civil organizada.
Assim como em outros países, a criação da carreira civil para atuar no MD é um passo essencial para o fortalecimento da segurança e defesa nacionais. Esse avanço assegura uma estrutura de defesa mais robusta e preparada para os desafios do século XXI, bem como reflete o compromisso do Brasil com a democracia e a integração civil-militar.
Torna-se fundamental, portanto, que tal carreira, desde o início, (i) seja estruturada para ser transversal (ex. GSI, MD e MJ), (ii) contemple diversas especialidades profissionais, (iii) tenha perfis e funções bem definidas e (iv) tenha incentivos de carreira e de remuneração próximos a carreiras correlatas (ex. Itamaraty, ABIN e PF), a fim de atrair os melhores profissionais do setor público e privado.
*Mariana Nascimento Plum é Diretora Executiva do Centro Soberania e Clima.
Peterson Ferreira da Silva é professor da Escola Superior de Defesa (ESD) e da Universidade da Força Aérea (UNIFA).
As ideias e pontos de vista deste texto são de natureza exclusivamente acadêmica, não representando necessariamente posições oficiais de qualquer órgão ou entidade do governo.
FONTE: exame.com
A criação do MD, assim como quase tudo no Brasil, é uma idéia que é boa, mas que a execuçáo poderia ter sido melhor. Até hoje o MD não fez nada pra realmente integrar ao máximo as 3 FA’s, principalmente em aquisições e projetos de P&D. Até hoje, não temos algo como, por exemplo, uma escola unificada pra aprender o básico de pilotagem de helicópteros, e depois cada um vai pra sua Força se especializar em sua área. Até hoje as 3 FA’s tem projetos de P&D que se arrastam e, ou demoram décadas pra finalmente produzir algo ( Mansup… Read more »
Está faltando uma DGA (?) algo parecido com aquele programa dos franceses em aquisições militares.
Já defendí isso várias vezes: Um órgão como o DGA francês ou o DRDO indiano, pra centralizar todo P&D das FA’s. O indiano é o melhor exemplo: criaram um míssil de cruzeiro, e desde o começo ele já foi criado pra ter versões funcionais para meios das 3 FA’s. Já foi criado pra ser lançado e integrado pra lancadores terrestres, todos os caças da Forca Aérea Indiana, e todos os navios e subs da marinha indiana. Isso, além de gerar demanda e escala quando fica pronto, esse órgão garante recursos estáveis pra esse projeto. Aqui no Brasil, temos o Matador,… Read more »
Na minha humilde opinião, não precisaria de aulas. Apenas de orientação. Existem várias Universidades ao redor do país que produzem trabalhos em relação ao tema, com várias delas tendo núcleos de estudos estratégicos. Basta recrutar nas academias o pessoal que produz trabalhos mais relevantes sobre o que se precisa, fazer a orientação (algo como ‘Como se trabalha dentro do MD’, etc.) e põe a galera para trabalhar. Mas vão querer complicar, tenho certeza. Queriam criar uma espécie de Academia (que se chamaria Pandiá Calógeras), que formaria os integrantes civis do MD como o Instituto Rio Branco forma profissionais do Itamaraty,… Read more »
Pois é. Ia virar outro Rio Branco.
A burocracia cresce para atender as necessidades crescentes da burocracia. Sem duvida é preciso ter gestão sobre o assunto. Vale a pena visitar o site: Quem é Quem — Ministério da Defesa (www.gov.br) Organograma do MD esta em: Estrutura organizacional — Ministério da Defesa (www.gov.br) Tem até um religioso, com a descrição: Ordinariado Militar do Brasil – Assessor Militar Na caixa Ministro da Defesa e subordinados, contei 32 currículos; Na caixa Secretaria Geral e subordinados, contei 91 currículos; Finalmente, na caixa Estado Maior Conjunto e subordinadas, contei mais 82 curriculos… Total=205 todos a nível de gestão/coordenação (white colar). Já vi… Read more »
Olá. Uma substancial parte dos servidores civis do MinDef estão nas instituições de ensino e de pesquisa; Por exemplo, um dos professores do ITA fez doutorado comigo. Voltando, há anos comento aqui sobre a necessidade de uma ampla reforma militar, na qual incluo um reforma administrativa e estrutural, por exemplo unificando serviços que por tradição, existem nos trẽs comandos. É preciso lembrar que as forças armadas foram criadas como ministérios independentes, o que resultou nesta visão compartimentalizada e com serviços duplicados nas trẽs forças… é isso… ou a reforça virá de fora para dentro ou o sistema vai colapsar. o… Read more »
Há uma resistência que, ao longo da tradição da carreira militar na República, foi se fortalecendo e cristalizando, criando uma espécie de ‘aura’ de carreira de Estado, com benefícios que, com o tempo, extrapolaram o razoável. A defesa nacional, hoje, abrange não apenas questões militares, mas também áreas civis, como segurança cibernética, inteligência, clima, economia, tecnologia e diplomacia. Profissionais civis têm expertise nessas áreas e podem trazer uma abordagem mais ampla e integrada, algo que a formação exclusivamente militar pode não contemplar de maneira tão abrangente. Entretanto, os desafios não são poucos. Há o risco de conflitos internos, pois as… Read more »
Negativo para castas militares. Acho. O tenentismo que trouxe Vargas veio apear do poder a elite do cafezinho. Levaram adiante o discurso da concentração e do atraso industrial e se não tivesse havido guerra estariam sentados ainda hoje no Forte. Criando gado. Até as modas de viola dos anos 1950/60 contavam. Café ou boi? A insatisfação com a situação econômica dos militares…para isso entramos na Guerra Fria com o Minas Gerais. Para ocupar o militar. Por isso acreditamos na Cubanacan. Por isso permitimos gastar bilhões de dólares em 1 reator nuclear que moverá 1 submarino para o qual não produzimos… Read more »
Esse é um tema amplamente escrutinado nas academias, especialmente em relação ao papel desempenhado pelos militares nas rupturas institucionais da República brasileira. Trata-se de um assunto complexo, com raízes profundas na formação das instituições do país, influenciado por fatores políticos, econômicos e sociais. A criação da República foi fruto do descontentamento entre setores do Exército e das elites políticas e econômicas, sem participação popular, em um claro alinhamento com as forças econômicas. Na Revolução de 1930, que marcou o fim da República Velha, os militares viam em Vargas uma liderança capaz de implementar reformas modernizadoras e centralizadoras, embora sua participação… Read more »
Colapsar?
Sou um “Pessimista na análise e um otimista na ação”
“Assim, essa integração e especialização se mostram como etapas naturais para que, no longo prazo, não só o MD, mas outros ministérios respondam de maneira efetiva às questões contemporâneas.”
Integração e especialização não significam reforma. Necessariamente.
De fato, especialização e integração podem ser feitos sem reforma,, só que a estrutura das forças armadas demanda uma ampla reforma.
Professor, Acompanho vosso entendimento e discordo sobre uma reforma não tão ampla na estrutura das FA sem adequar a CF de 1988 à realidade de um país atrasadissimo em setores fundamentais como educação, mobilidades, tecnologias, Internet, água e esgoto, segurança, defesa, saúde, previdência, política de juros. Sim. Resultados positivos no combate à miserabilidade. Sim. Resultados positivos na distribuição de renda aos necessitados. Sim. Resultados positivos no combate à fome. Moradia? Os prefeitos criaram a despesa da humanização. Alguns criaram secretarias. Em qualquer cidade grande ou miúda os sem morada e vagantes só crescem e o que vejo é a velha… Read more »
Estrutura de custeios?
Reforma da estrutura administrativa, da estrutura doutrinária, da estrutura previdenciária, da estrutura organizacional… e segue por ai… custeio é consequência.
Sim, perfeito! A Revista Sociedade Militar publicou uma matéria que ilustra a dissonância das Forças Armadas, especialmente do Exército, em relação aos tempos modernos e à expectativa da sociedade. Vêm à tona, aos borbotões, benefícios, regalias e comportamentos que saltam aos olhos, em flagrante contraste com a realidade de uma parcela considerável da sociedade que não possui tais benefícios.
Olá NBS.
Teria o link deste artigo?
https://www.ecoamazonia.org.br/2024/07/comandante-militar-da-amazonia-visita-comunidades-na-terra-indigena-raposa-serra-do-sol/ Proteção Integrada das Fronteiras. Os militares apresentarão resultados nessa árdua tarefa fronteiriça ou o estado finalmente comandará a obrigação de cuidar da integralidade da nossa soberania deixando aos militares as tarefas de guerra? Mansup. Base Industrial de Defesa. Esforço corporativista de ex militares abnegados que conhecendo os atalhos burocráticas uniram competência com oportunidade? Quem decidiu que é fundamental ao país desenvolver um míssil anti-navio e quem não decidiu que precisamos de fundição para produzir armas de tubo ou constituir JVs para o que não sabemos fazer como propulsão? Civil ou militar existe o gargalo da demanda: Indústria. Enquanto não… Read more »
Esteves Está Awaiting.
Pode botar musiquinha enquanto estou awaiting?
https://youtu.be/FtbdJD-_z9U?si=Xv3ARWW4ZXiArx5_
Formar profissionais civis na área de defesa e segurança é fundamental , principalmente em uma República que por natureza demanda transparência e um ambiente de discussão plural e equilibrado. Precisamos destes profissionais civis nos quadros do poder Legislativo Federal e no ministério da Defesa.
O que mais há nesse país é comissão. No governo anterior não ao governo atual, mas o anterior do anterior, vimos reclamações sobre o amadorismo no MD incluindo ausências de carreiras e tecnicidades faltantes. O Ministro de então reclamou até das cadeiras. É uma máxima da administração pública que primeiro existe a estrutura, a articulação, as salas, as agilidades e o mando. Quando a MB chegou no IPEN com Othon e Carneiro, revolucionaram a administração buscando não a transparência mas a gestão financeira desafiando até o TC que naqueles anos não aceitava…formulários contínuos e impressoras. Jesus é pai. Sem garantir… Read more »
Enquanto não ficar claro e distinto a clivagem entre defesa e segurança, entre forças federais e estaduais, entre militar e civil, qualquer palavreado sobre carreira civil no MD porta mais ambiguidades que certezas.
Você tem tempo?
ESD, criada em 2021, embora sob direção de militares da FAB e EB, é via pra penetração de egressos da segurança estadual (do RJ, quem sabe…) na estrutura administrativa de defesa federal. Falamos Defesa e nos vêm aa mente EB, MB e FAB. O quê nos vêm aa mente quando falamos Segurança? Não causa sempre desconforto a idéia das forças armadas federais exercendo papel de polícia (GLO) tanto quanto a realidade das polícias estaduais se comportando como forças militares de ocupação em estado de guerra (operações de pacificação ou vendetta)? As polícias são corporações atravessadas pela associação com o crime,… Read more »
discordo do texto….alguem que entendda do assunto, alguem que tenha estudado o assunto, alguem que trabalhe no assunto….mas que não seja militar….então o requisito é não ser militar para diligenciar e deliberar assunto militar????
Não entendi….cursar o que o militar cursa mas não usar farda….resolve?
Já eu! Tenho uma convicção diferente.As FORÇAS ARMADAS,são autarquias extritamente militares,portanto; sua composição como era antes era muito melhor.
Desde a velha Republica era assim.No Governo Getulio Vargas; surgiu o Ministério da Aeronautica,no Governo Castelo Branco; o Ministério da Guerra,passou a ser do Exército,exercidos por Militares da mais alta patente.
Enfim;essa conjuntura atual,percebo que causou uma ruptura que deixou vulnerável a tudo de ruim que tem acontecido.
Para mim;deveria voltar ao que antes!