A História Militar e o Cinema: ‘Lawrence da Arábia’ (1962)
Superprodução com um elenco multiestelar conquistou sete Oscars, é considerado um dos melhores filmes de todos os tempos
“O valor prático da história consiste em passar o filme do passado por meio do projetor do presente sobre a tela do futuro”. LIDDELL HART[1]
Sérgio Vieira Reale
Capitão-de-Fragata (RM1)
Este artigo se refere à história militar, mais especificamente, sobre a sua relação com o cinema. Ele tem os seguintes objetivos: estimular a utilização de filmes temáticos como fonte histórica no meio acadêmico; despertar no leitor à vontade de assisti-los ou revê-los e contribuir para a divulgação da história militar.
Luz, câmera e ação! Em dezembro de 1895, os irmãos franceses Auguste e Louis Lumiére realizaram no Salão Indiano do Grand Café de Paris a primeira sessão de cinema. Sobre uma pequena tela uma imagem projetada passou a ganhar movimento por meio de uma câmera a manivela. O filme, que era sobre cenas do cotidiano, foi intitulado “A Saída dos Operários da Fábrica Lumiére”.
A partir daquele momento, passamos a ter uma nova forma de linguagem que permitia ao expectador ter uma representação social de um determinado contexto histórico ou contemporâneo. O encontro da história com o cinema começou no alvorecer do século XX. O cinema passou a ser um meio de representação historiográfica e ao longo do tempo uma fonte de pesquisa histórica.
O filme histórico é a narrativa de um fato passado, que pode ser considerado um documento histórico observando alguns critérios. Segundo o historiador norte-americano Robert Rosenstone, autor do livro A história nos filmes, Os filmes na história, lançado em 2010 no Brasil: “O filme histórico tem tanto valor quanto os livros acadêmicos, pois ambos seriam diferentes formas midiáticas de descrever as verdades sobre o passado”.
A história jamais irá nos dizer como agir, mas poderá nos ajudar a viver novas experiências com os ensinamentos colhidos no passado.
O filme histórico pode e deve continuar contribuindo para o processo de aprendizagem no meio acadêmico. Contudo, o cinema é arte e entretenimento e mesmo aqueles filmes que estão comprometidos com a fidelidade histórica, podem se afastar, em menor ou maior grau, da verdade documental. Um bom exemplo é a esplêndida cinebiografia lançada recentemente sobre Napoleão Bonaparte (2023), dirigido por Ridley Scott, mas que possui algumas imprecisões históricas.
O cinema possui liberdade artística para narrar um fato histórico, que nem sempre estará completamente de acordo com o que aconteceu na realidade. Diz um antigo ditado: “Se quiser a verdade, assista documentários”!
Por outro lado, existe uma responsabilidade de como se leva a história para o cinema. Muitas pessoas não farão uma pesquisa sobre aquele fato ou figura histórica e ficarão somente com o poder da imagem e da narrativa daquele filme.
A relação entre à história militar e o cinema é antiga. Não é de hoje que contribui tanto para os que já são familiarizados com o tema quanto para aqueles que passaram a se interessar pelo assunto.
Ao mesmo tempo, para total compreensão dos processos históricos é fundamental estabelecer relações com outras áreas do conhecimento. Desse modo, Relacões Internacionais, Sociologia, Liderança, e Psicologia por exemplo, são importantes áreas de conexão com à História Militar. Logo, não podemos restringi-la somente ao fenômeno da guerra.
- Filme: Lawrence da Arábia (1962)
- Diretor: David Lean
- Atores Principais: Peter O’toole, Omar Sharif, Alec Guinness e Anthony Quinn
- Onde assistir: Prime Video ou You Tube
“Lawrence de Árabia”, lançado em 1962, cuja direção foi de David Lean, é considerado um dos melhores filmes de todos os tempos. Essa superprodução contou com um elenco multiestelar e conquistou sete Oscars pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood.
A obra-prima dirigida por David Lean começa, em maio de 1935, com Lawrence andando numa motocicleta em alta velocidade. De repente, ele se depara com dois ciclistas que vinham na direção contrária e ao tentar desviar perde o controle da moto.
“Lawrence da Arábia” foi interpretado no cinema pelo renomado ator Peter O’toole. Este clássico possui cenas antológicas gravadas no deserto e foi baseado no seu famoso livro “Os Sete Pilares da Sabedoria”.
Thomas Edward Lawrence, mais conhecido como Lawrence da Arábia, descreve no livro suas experiências pessoais e a sua lendária participação no movimento nacionalista árabe contra os turcos, que eram aliados da Alemanha na Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Lawrence nasceu no País de Gales, em 1888. Sua formação acadêmica foi realizada na Oxford High School.
Na Universidade de Oxford se graduou em história em 1910. Ele foi um militar de múltiplos talentos, escritor, historiador, arqueólogo e um grande combatente. Segundo o famoso Primeiro Ministro Britânico durante a Segunda Guerra Mundial Winston Spencer Chuchill: “Eu o considero um dos maiores seres vivos da nossa época. Jamais veremos alguém igual. Seu nome viverá na história. Constará dos anais da guerra, viverá nas lendas da Arábia”.
No início da Primeira Guerra Mundial foi convocado para o Serviço Secreto Inglês e foi enviado pelo governo britânico para servir no Egito (Cairo) no setor de criação de mapas (cartografia).
Num determinado momento, ainda no Cairo, ele apaga um fósforo e logo a seguir aparece num deserto. Esse recurso narrativo de transição se chama elipse. Logo, toda vez que corta de um lugar para outro temos uma elipse.
No início da revolução árabe, em 1916, ele foi designado conselheiro militar do Príncipe Faisal, que era o líder da revolta árabe. Desta forma, ele recebe a missão de encontrá-lo no deserto da Arábia, para saber o que ele pensa e o que pretende. Vale salientar que as tribos árabes eram desunidas e coube a Lawrence o decisivo papel de construir a união das mesmas na guerra revolucionária e nas ações de guerrilha contra os turcos (1916-1918).
Ele era um agente britânico que coordenou os objetivos políticos e as operações militares realizadas pelos árabes.
Lawrence planejou diversas táticas de guerrilha para destruir trens, pontes e ferrovias contribuindo para a derrota do Império Turco-Otomano no Oriente Médio.
“Aqueles que sonham à noite nos empoeirados recessos de suas mentes, ao acordar de dia descobrem que tudo foi em vão. Mas os sonhadores diurnos são homens perigosos, porque sonham com os olhos abertos para tornar os sonhos possíveis. Isto eu fiz”. – Lawrence da Arábia.
Ao longo do tempo, Lawrence se revela um grande estrategista militar, estabelece uma relação especial com as tribos árabes, bem como se envolve de maneira profunda na defesa das suas causas.
Em 1917, a famosa invasão da cidade de Aqaba pelos árabes, que estava sob o domínio dos turcos, foi uma grande vitória estratégica. Lawrence e suas tropas fizeram o improvável, ou seja, atravessaram o infernal deserto do Nefud. Lawrence utilizou o princípio da surpresa e obteve uma grande vitória estratégica.
A Revolta Árabe era apoiada pelo Reino Unido e pela França, que consideravam uma oportunidade para causar danos no império Turco-Otomano. A revolta terminou com a derrota do Império Turco Otomano em 1918.
Porém, os árabes foram traídos pelos ingleses e franceses que impediram a criação do Estado Árabe Unificado com a colonização da região pelos dois países.
Referências Bibliográficas e Sites Consultados
- LAWRENCE, Thomas Edward, Os sete pilares da Sabedoria. 3. Ed. Rio de janeiro: Record, 1996.
- ROSENSTONE, Robert. A história nos filmes, os filmes na história. 2. Ed. Rio de janeiro: paz e terra, 2015.
- https://www.historiaemcortes.com.br/2022/12/lawrencedaarabia.html
- Lawrence da Arábia (1962) | Trailer [Legendado]: https://www.youtube.com/watch?v=JNS4YbLSobA&t=48s
[1] Historiador e militar britânico (1895-1970)
“Lawrence da Arábia” está na minha lista dos filmes que assisto pelo menos uma vez ao ano, junto com Spartacus, Totoro, Poderoso Chefão 1, Bonequinha de Luxo, Alien o oitavo passageiro, A viagem de Chihiro e Gandhi.
Casablanca, inclusive, nesta lista de filmes anuais.
O Exército Brancaleone não? E sugiro…Amarcord de Fellini.
È muito bom também, mas não sei se conseguiria assistir todo ano. Os filmes que eu listei eu revejo sempre, às vezes duas ou três vezes em um ano.
Não esqueça de Laranja Mecânica
E “2001”
Laranja Mecânica é muito bom, mas eu preciso espaçar muitos anos antes de rever…. O filme “Dia de treinamento”, com Denzel, é um dos melhores filmes policiais que já assisti, contudo achei tão pesado que, após 10 anos, não consegui rever. Outro exemplo de um filme sensacional “Onde os fracos não tem vez” que eu ainda não tive coragem de rever. Recentemente assisti “Muio além do jardim” com Peter Selers. Que filme lindo. Achei melhor hoje do que quando o tinha revisto há uns 15 anos. Se eu pudesse, assistiria “A fantástica fábrica de chocolate” todos os anos, talvez duas… Read more »
Também sou fã de dia de treinamento .
Igualmente me abala, porque aquilo ali é dia a dia de muitos de nossos policiais, aqui no Brasil. Os bons e os maus. Infelizmente.
Eu não enjoo.
Toda vez que é exibido fico a postos.
Pois é. Já sei a maioria dos diálogos de Lawrence de cor, em inglês e português.
A versão dublada é muito boa também. Nem sempre acontece, mas desta vez aconteceu.
Um filme épico.
Apenas a título de curiosidade, o Direitor do novo Blade Runner e Duna viu esse filme no cinema sozinho.
Foi a primeira vez quele foi ao cinema e disse que esse filme marcou ele.
Tanto é que se vocês assistirem tanto Lawrence quanto Duna, vão ver que a cinematografia são bem similares com grandes takes que pegam a vastidão do deserto.
Poxa, se eu fosse falar de filmes antigos eu não saio mais daqui.
Podíamos sugerir uma “quadrilogia”, “aéreo, naval, forte, miscelânea” para discutirmos qualquer coisa.. seria um sucesso.
Aereo: Tora, Tora, Tora Forte: A ponte do rio Kwai Naval: Das Boot Miscelânia: O Jogo da Imitação (apesar de ser um filme novo, trata de como apenas uma máquina é capaz de enfrentar outra máquina que no filme (baseado em fatos reais) tentavam quebrar a criptografia dos Enigmas alemães. Esse filme escolhi pois nosso país que nunca pensa no futuro está prestes a perder mais uma oportunidade que se apresenta: a ingeligência artificial. Quando a AI Gereal acontecer, como já postei em outro post mais antigo, a revolução que acontecerá será mais brutal do que a revolução industrial que… Read more »
Miscelânia: “O espião que sabia demais”.
Conheço alguns pesquisadores em universidades que trabalham há bastante tempo com IA, alguns inclusive aplicando em química para o desenho de novos medicamentos.
O que falta é um capitalista investir.
Me expressei mal.
Usar AI no sentido de o Brasil criar um LLM como Claude, ChatGPT entre outros.
Não utilizar coisa estrangeira mas criar algo nosso, livre de amarras.
Concordo com vocẽ. Por isso mencionei que falta um capitalista brasileiro para investir em uma empresa de AI.
“O filme histórico tem tanto valor quanto os livros acadêmicos, pois ambos seriam diferentes formas midiáticas de descrever as verdades sobre o passado”. isso não é verdade. O historiador não pode – ou não deveria… – inventar diálogos e nem dar “explicações” a seu gosto, como se faz no cinema. O historiador se baseia em método – pesquisa em documentos; uso de visões contraditórias e contextualização – que diretores de cinema e autores de scripts não fazem. No entanto, em nosso inconsciente a interpretação do filme fica como “o que ocorreu”, quando isto não é verdade. Mas o cinema pode,… Read more »
Exatamente, isso me fez lembrar um episódio ressente de uma ” renomada” econocoach onde se baseou seus argumentos em musical e filmes.
” Você nunca leu Halmiton?”
Econocoach: “Não mas vi o musical”
Econocoach Mas Halmiton era protecionista?
Se a econocoach usa a literatura não passava essa vergonha.
Tem um episódio do “Snoop” no qual o dever das férias é ler “Guerra e Paz”. Charlie Brown carrega o livro em uma carrinho durante toda o período de férias. No primeiro dia de aula, ele descobre que todos os amigos assistiram o filme.
Mas isso é muito comum,inclusive por pessoas ditas ter ensino superior em EAD.
O hábito de leitura é como o hábito de comer alface. A criança imita os país. Se os país têm habito de comer salada, a criança adquire o hábito naturalmente. Se os país tẽm o hábito de ler, de comprar livros e também comprar livros para a criança, ela vai adquirir o hábito de leitura naturalmente. Claro que todo mundo pode começar a comer alface em algum momento da vida adulta, ou cortar o açúcar por causa da diabetes ou optar por abandonar o cigarro ou álcool. Algumas coisas são mais difíceis que outras. É possível adquirir o hábito de… Read more »
Bartolomeu, ajudando em sua argumentação.
Sobre cinema e História:
Há algum tempo revi alguns filmes sobre o Império Romano.
Deixei para o fim Calígula, que muitos críticos chamaram de um pornô ambientado em Roma. Pois bem….tudo no filme estava descrito na obra de Suetônio, contemporâneo de alguns Césares.
Resumindo….os filmes retratam não a História, mas muitas vezes apenas a visão dos historiadores.
ObrigDo Carvalho. Sim, um ou outro retrata razoavelmente o passado. Me lembro de O Nome da Rosa. Mas filmes de guerra, principalmente sobre conflitos a partir do seculo XX, raramente o fazem. E se cobrados por falhas, os diretos se saem com a resposta “usei da liberdade criativa”.
Acho que o mais importante, e que nenhum livro talvez seja capaz de reproduzir fielmente, é a visão das contradições e tormentos internos do personagens.
No caso do filme Lawrence, Petter O”toole fez uma interpretação marcante.
Não sei se vc viu Munique….sobre o papel de Chamberlain na crise de 1938.
Chamberlain sempre foi execrado por sua postura pacifista inútil.
O filme traz a perspectiva de que o tratado de 1938 garantiu o tempo necessário para a Gra bratanha se rearmar. Não sei se o argumento é historicamente válido, mas abre uma nova visão sobre o evento.
Enfim…bons filmes te jogam possibilidades que devem ser encaradas para o real entendimento da História.
Abraço!
Exato. Chamberlain sabia que a Inglaterra não teria condições de enfrentar a Alemanha naquele momento. A Alemanha começou um processo de rearmamento bem antes que os outros países. Era preciso evitar a guerra a todo custo naquele momento, até porque as consequências econômicas e sociais da I Guerra e da Depressão de 30 ainda afetavam a Inglaterra. Stalin também sabia da intenção de Hitler de invadir a URSS, mas sabia que era preciso adiar ao máximo esta guerra, tanto que sua orientação para evitar qualquer provocação que pudesse ser usada de álibi pelos alemães. Ninguém pode dizer que Stalin era… Read more »
Será Camargoer? Ainda sobre os conflitos internos de cada líder…
Em todas as fotos de Chamberlain…é inegável sua expressão de hesitação.
Como saber?
Olá Carvalho. Chamberlain era um político experiente. Foi líder do Partido Conservador e chegou a Primeiro Ministro, tendo sido ministro de algumas pastas antes de chegar a PM. O problema é avaliar Chamberlain com os olhos de hoje. HItler era uma celebridade antes de 39, sendo até capa da Revista Time. Chamberlain buscou evitar a guerra a todo custo, como deve ser feito por grandes líderes. O mundo hesitou em relação á Hitler. Stalin, Daladier, Roosevelt…. a diferença entre todos eles e Chamberlain era o sistema político, que permitiu a troca do PM enquanto que os outros sistemas eram baseados… Read more »
Mas Calígula era um filme “sério”, apesar de produzido pela Hustler. Só depois de pronto, isso é filmado, foram inseridas cenas filmadas a posteriori, no mesmo set, com a mesma direção de arte e de fotografia, as tais cenas explícitas, muito interessantes aos 16 anos de idade, mas totalmente supérfluas para o filme…
Esse filme é um clássico, mas o interessante é o quê está no texto da matéria, que é um resumo da história do filme.
Um agente estrangeiro, organiza uma força de resistência para derrubar a influência de uma potência adversária ou governo local hostil, e após obter sucesso, o governo financiador, se beneficia dessa mudança de regimes ate traindo os que antes apoiavam. Hoje como ontem o mesmo acontece.
Dizemos que quem não conhece a história está fadado a repetir os mesmos erros.
Uma parte muito interessante da história deste filme é que quando da digitalização de filmes e remasterizarão para lançamento em VHS, descobriram que não havia uma cópia sequer em bom estado do filme e boa parte da trilha sonora, incluindo os diálogos haviam se perdido. Juntaram trechos de rolos de filmes diferentes, para conseguir completar o filme. Por pouco, esta obra prima não foi perdida. A recuperação do filme contou então com uma tecnologia inédita à época: a de se gravar o áudio e falas com atores mais de 20 anos depois, dublando suas próprias falas e rejuvenescer as vozes… Read more »
Lawrence da Arábia e os árabes antes da era do petróleo Eu queria apresentar um filme sobre Pablo Escobar relacionado à revolta dos cartéis de drogas no Equador, mas o bombardeio no Iêmen mudou os planos. Hoje, em nossa seção Arte da Guerra, temos um clássico do cinema mundial – Lawrence da Arábia (1962) O filme ganhou 7 Oscars e muitos outros prêmios, e é preciso dizer que foi merecido. A década de 60 do século passado é a era de ouro do cinema, pois eles sabiam como fazer filmes, e ganhar um Oscar ainda não havia se tornado… Read more »
Passou quinta a noite na Sony.
MAG-NI- FI- CO!!!
Peter o.toole, um gigante!
“Os jovens fazem a guerra, as virtudes da guerra são as virtudes dos jovens, a coragem e a esperança de um futuro melhor…e os velhos fazem a paz e os vícios da paz são os vícios dos velhos, a desconfiança e a cautela….é assim que deve ser….” frase do Príncipe Faiçal.
Acabei de assistir, obrigado pela indicação, fascinante
A frase é boa Rafael….
Mas ainda gosto mais desta:
“A guerra é um lugar onde jovens que não se conhecem e não se odeiam se matam entre si, por decisão de velhos que se conhecem e se odeiam, mas não se matam”