‘Ninguém está com vontade de lutar’ – depoimento de um soldado russo capturado

O exército da Rússia tem sido notoriamente brutal com seus soldados mobilizados. Um homem que escapou de sua unidade e foi capturado pelos ucranianos contou como fugiu depois que sua unidade sofreu 75% de baixas, foi torturado pelo FSB e seus comandantes o abandonaram.

Tem havido muitos relatos nos últimos meses, geralmente vindos de parentes, de soldados russos mobilizados sendo presos, espancados, famintos, ameaçados e baleados por se recusarem a entrar em ataques quase suicidas. Agora há um raro relato em primeira mão.

Dmitry Karpov, um soldado de 32 anos de Vyazniki, região de Vladimir, concedeu entrevista ao jornalista ucraniano Vladimir Zolkin após sua captura pelas forças ucranianas. Ele descreveu como sua unidade foi enganada e abandonada na linha de frente antes de sofrer muitas baixas.

Ele diz que ele e cerca de 200 outros foram inicialmente informados de que estariam guardando uma usina de concreto na região de Belgorod, dentro da Rússia. Em vez disso, eles foram levados à noite para posições de linha de frente em um cinturão de floresta entre Yahidne e Kuzemivka, na região de Luhansk, na Ucrânia.

Os homens não entenderam para onde foram levados. O motorista do caminhão de Karpov “simplesmente nos largou no cinturão da floresta e foi embora”. Eles tinham um oficial, um comandante de companhia, mas não o viram depois que ele foi “deixado em algum lugar distante” na retaguarda.

Enquanto estava na linha de frente, Karpov adoeceu com pancreatite. Ele foi levado para uma enfermaria para tratamento e depois voltou para uma aldeia da linha de frente, onde sua unidade morava em uma casa abandonada. Eles ficaram sob intenso fogo de foguetes, dos quais apenas 21 das 80 pessoas sobreviveram.

A essa altura, o resto já estava farto e se recusava a lutar mais. Eles depuseram as armas e foram ao escritório do promotor militar em Troitske, onde ficaram presos por 15 dias. Um oficial político tentou, sem sucesso, fazer os homens voltarem para o front.

Na promotoria, 20 a 30 deles foram presos em um espaço de apenas 3 metros por 6 metros (10 pés por 19,5 pés). Em seguida, foram entregues ao FSB e levados para Zaitseve, perto de Donetsk, onde passaram mais 15 dias sendo torturados pelo FSB.

Karpov diz que eles foram algemados a uma cadeira e eletrocutados com armas de choque, com o FSB exigindo saber por que eles estavam se recusando a lutar. Os homens só eram alimentados se tivessem dinheiro; então eles foram levados a uma loja a cada 2-3 dias para comprar comida. Os que não tinham dinheiro passavam fome.

Embora fosse novembro e estivesse fazendo frio, os homens foram presos a céu aberto. Eles foram algemados às grades de um lance de escadas externas e deixados lá durante a noite. Após 15 dias, os homens foram finalmente libertados.

O FSB queria mandá-los para retenção em Novopskov, na região oriental de Luhansk, mas não havia lugar lá. Em vez disso, eles foram despejados em Svatove, que Karpov chama de “a cidade dos recusados”. Relatos anteriores falaram de muitos recusados ​​se reunindo lá.

Os homens não receberam abrigo, mas foram deixados à própria sorte no que Karpov descreve como a “montanha dos recusados”: “Há uma colina não muito longe de Svatove, e os recusados ​​estavam sentados nela. tenda feita de capa de chuva e espere perto do fogo.”

Um homem decidiu que voltaria para casa e atravessou a fronteira, ainda armado com seu fuzil de assalto. Ele conseguiu chegar à casa da mãe, mas três dias depois ela ligou para as autoridades para informar sobre o retorno do filho. Eles foram até a casa dela e o mataram a tiros pela porta.

Na época em que Karpov esteve lá, ele diz que a “montanha dos recusados” era habitada por cerca de 40-45 pessoas. Os homens circulavam constantemente por ele, alguns partindo, outros chegando a cada poucos dias. Eles não tentaram escapar, pois sabiam que seriam presos ou mortos como desertores.

Os oficiais vinham até eles para trazê-los de volta às suas antigas unidades ou convencê-los a ingressar em novas com melhores condições. Aqueles que concordaram provavelmente foram desgastados pelo tempo frio e falta de comida ou abrigo.

Karpov concordou com uma oferta de seu coronel para construir abrigos para oficiais. No entanto, isso não durou – seu regimento, o 346º Regimento de Fuzileiros Motorizados, foi dissolvido, provavelmente devido às baixas que sofreu, e seus membros foram dispersos em outros lugares.

Para alguns, este parece ter sido um processo muito brutal – alguns dos homens relataram por meio de seus parentes que policiais atiraram em seus pés para convencê-los a assinar novos contratos.

Karpov escapou com mais facilidade. Ele foi levado de volta para Voronezh na Rússia, onde foi treinado como motorista/mecânico de BMP-2. Ele foi informado de que estaria dirigindo na estrada Svatove-Kreminna, alguns quilômetros atrás da linha de frente (mas ainda altamente perigoso).

No entanto, ele nunca teve a chance. Ele diz que embora tenha sido designado para um regimento móvel de caçadores, não havia um único BMP, nem qualquer outro equipamento além de alguns caminhões dos Urais. Em vez disso, ele foi colocado de volta em uma trincheira da linha de frente para tarefas de escavação.

Quando a trincheira foi atacada por metralhadoras e RPGs, os russos que a comandavam fugiram. Na confusão, Karpov se perdeu e, após 15 minutos vagando pela floresta, foi capturado por soldados ucranianos.

Agora, diz Karpov, a guerra é invencível. “Não sei o que Putin quer alcançar, mas acho que ele nunca conseguirá. Ninguém está com vontade de lutar.”

O vídeo abaixo apresenta a entrevista completa do soldado russo (com legendas em inglês).