Como a Rússia está fortalecendo sua linha de frente para a contra-ofensiva da Ucrânia

A preparação de meses da Ucrânia para sua próxima contra-ofensiva para tentar recuperar o território ocupado permitiu à Rússia fortalecer suas posições ao longo da linha de frente de quase 1.000 km.

Imagens de satélite revisadas pelo Financial Times e analisadas por especialistas militares revelaram uma rede russa multicamada de fossos antitanque, labirintos de trincheiras, barricadas de concreto “dentes de dragão”, obstáculos de aço, bobinas de arame farpado e campos minados.

“As forças russas realmente pareciam perceber. . . que grande parte do terreno sobre o qual eles tinham controle seria difícil de defender sem posições entrincheiradas”, disse Brady Africk, pesquisador de inteligência de código aberto e analista do American Enterprise Institute que está rastreando e mapeando o desenvolvimento defensivo da Rússia.

A Rússia começou a cavar “a sério” em novembro e, quando suas tropas conquistaram novos territórios, trabalharam rapidamente para se entrincheirar, disse ele, acrescentando que as forças russas “aumentaram” o trabalho em suas fortificações recentemente.

“Houve uma breve pausa no inverno, provavelmente devido ao congelamento do solo e à dificuldade de escavação”, disse Africk. “Mas desde que o solo amoleceu, vimos a escavação de fortificações aumentar dramaticamente, principalmente nos últimos meses.”

Analistas militares disseram que essas fortificações não seriam suficientes para impedir o avanço das tropas ucranianas, mas provavelmente retardariam a ofensiva.

As apostas para a Ucrânia são altas. Uma operação bem-sucedida pode dar um impulso significativo à medida que tenta expulsar as tropas russas, convencer os parceiros ocidentais a continuar seu apoio militar e dar a Kiev uma vantagem em quaisquer negociações futuras com Moscou. Isso também ajudaria a manter o moral alto entre a desafiadora mas fatigada população da Ucrânia, que suportou o horror da invasão em grande escala da Rússia por 15 meses.

Também há muito em jogo para a Rússia. Se a Ucrânia conseguir retomar o controle das províncias de Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia – que o presidente russo Vladimir Putin alegou ter anexado em setembro passado – ou da Península da Criméia, que o Kremlin tomou em março de 2014, poderá desferir um golpe significativo para uma força militar que já mostra sinais de exaustão e luta interna.

Os primeiros sinais da contra-ofensiva da Ucrânia já podem ser vistos no que os especialistas militares chamam de “operações de modelagem” – táticas comuns usadas antes de um ataque em larga escala. Nas últimas duas semanas, as forças da Ucrânia realizaram ataques com mísseis e sabotagem contra centros de comando e controle russos, depósitos de armas e sistemas de artilharia.

Ataques de drones e explosões contra instalações militares na Rússia, e até mesmo o próprio Kremlin , também sugerem o envolvimento ucraniano, segundo analistas, apesar das negações de Kiev. Antes de Moscou alegar ter capturado a cidade oriental de Bakhmut em apuros neste fim de semana, as tropas ucranianas atacaram as forças russas em seus flancos norte e sul, recapturando alguns quilômetros quadrados de território – seus primeiros ganhos na área em meses.

Mas os observadores ainda não viram um avanço maciço ao longo das linhas da contra-ofensiva ucraniana no outono passado , quando as forças de Kiev varreram a região nordeste de Kharkiv e recapturaram a cidade de Kherson, no sul.

Romper as linhas defensivas de várias camadas da Rússia sem sofrer pesadas perdas seria extremamente difícil, disse Mykola Bielieskov, pesquisador do Instituto Nacional de Estudos Estratégicos, com sede em Kiev.

O sucesso exigiria a sincronização de diferentes unidades com veículos blindados, artilharia, desminagem e defesa aérea, acrescentou.

“Por si só, os obstáculos não impedem o avanço das forças”, disse Bielieskov. “Só serão [eficazes] se guarnecidos adequadamente e complementados com fogo de artilharia, aviação e manobra de reservas.”

Rob Lee, membro sênior do Instituto de Pesquisa de Política Externa, um think-tank americano, disse que as fortificações da Rússia foram projetadas para canalizar as tropas ucranianas para áreas onde ficariam sob fogo intenso.

“Se você tem várias linhas de defesa, mesmo que a Ucrânia consiga passar pela primeira com sucesso, então a Rússia deve ter tempo suficiente para reforçar uma segunda ou terceira”, disse ele.

O sul provavelmente será o foco principal das forças ucranianas – algo que não passou despercebido por Moscou, mesmo com o presidente ucraniano Volodymyr Zelenskyy e seus líderes militares mantendo os planos operacionais em segredo, dizem os especialistas.

“Por volta de novembro e certamente continuando no ano novo, [as forças russas] intensificaram a construção, particularmente no sul da Ucrânia”, disse Africk. “A topografia lá é muito mais plana e há campos abertos. Tornou-se uma prioridade para as forças russas garantir que tivessem linhas defensivas [lá].”

Imagens de satélite mostram que a seção mais fortemente fortificada da linha de frente da Rússia está na província de Zaporizhzhia, no sul, onde a Ucrânia deve tentar romper e cortar a “ponte de terra” que liga o território russo à Crimeia ocupada. A conexão é crucial para a logística e suprimentos militares russos.

A Rússia construiu um elaborado labirinto de valas antitanque, trincheiras, obstáculos de concreto e aço, arame farpado e campos minados na área. O aeródromo de Berdyansk, perto do Mar de Azov, um centro para aeronaves militares russas, foi cercado por trincheiras profundas e três linhas de “dentes de dragão” de concreto.

Melitopol e Berdyansk eram locais “óbvios” para fortificações russas, disse Lee. Se a Ucrânia aceitar qualquer um deles, ganhará terreno significativo e permitirá que suas forças realizem campanhas futuras com mais eficácia, acrescentou.

A fronteira norte da Crimeia também foi fortemente fortificada. As defesas se estendem de Armyansk, no norte, até Dzhankoi, no noroeste. Ambos são centros de transporte cruciais e portas de entrada para a península. Dzhankoi também abriga um aeródromo militar russo.

É provável que a Ucrânia utilize o tamanho do campo de batalha para tentar pegar seu inimigo desprevenido. Apesar das extensas defesas da Rússia, a extensão da linha de frente significava que as forças do Kremlin seriam ampliadas, disseram especialistas.

“A extensão da linha de frente funciona a nosso favor”, disse Andriy Zagorodnyuk, presidente do Centro Ucraniano de Estratégias de Defesa e ex-ministro da Defesa da Ucrânia. “[As tropas russas] estão espalhadas por esta linha de frente e sempre seremos capazes de encontrar áreas onde eles não nos esperam.”

Dara Massicot, pesquisador sênior de políticas da Rand Corporation, um think-tank de políticas globais dos EUA, disse que o desempenho da Rússia dependeria de vários fatores, incluindo se sua linha de frente era ocupada por “pessoal exausto ou maltratado e mal treinado”. “O moral dos soldados russos varia, de cansado a ruim – isso importa”, disse ela.

Lee disse que outros fatores incluem se a Rússia esgotou suas munições tentando capturar Bakhmut – a batalha mais longa e sangrenta do ano passado – e se suas forças recém-mobilizadas estavam prontas para a próxima luta.

“Elas não têm necessariamente muita experiência em combate. Muitos deles estão apenas segurando trincheiras”, disse ele. “Eles permanecerão na luta ou fugirão?”

FONTE: FT