Armata – o fim da história

Por Sergio Miller*

Quando o tanque T-14 Armata foi sensacionalmente revelado no desfile do Dia da Vitória de 9 de maio, em 2015, ele quebrou de forma constrangedora na frente de milhares de espectadores durante os ensaios. Isso provou ser um augúrio. Sete anos depois, pode-se afirmar com confiança que a história de Armata acabou. Este artigo explica seu desaparecimento e implicações mais amplas.

Um motor à procura de um tanque

As origens do T-14 Armata estão no T-95 cancelado (objet 148). Este tanque, uma vítima da conturbada década de 1990, foi finalmente abandonado em 2010. Veículos conceituais com torres não tripuladas existiam desde a década de 1980 (CIA Top Secret ‘Soviet Tank Programs’, NI IIM 84-10016, 1 de dezembro de 84 oferece perspectivas históricas interessantes sobre esses desenhos). No entanto, no caso do T-14 Armata, a ideia não partiu do T-95 cancelado, ou mesmo de um projeto de tanque, mas de um motor.

Algum contexto é necessário. Todos os motores de tanques russos, notavelmente, são descendentes do altamente bem-sucedido motor diesel V-2 projetado em 1931 na Usina de Locomotivas de Kharkiv (agora destruída pelas forças russas). O V-84 (T-72s), V-92S2F (T-72B3s, T-90s ), o UTD-20 (BMP-1s e BMP-2s) e o UTD-29 (BMP-3s) são outras atualizações deste motor. O V-2 é o Kalashnikov dos motores de tanque. A exceção a esta abordagem soviética prática é o T-64. Este último foi equipado com o motor 5TDF , uma tentativa fracassada de copiar um motor de bombardeiro alemão de guerra. É por esta razão que de 2 a 3 mil T-64 armazenados nunca retornarão ao serviço.

O T-14 Armata também começou com um novo motor: uma cópia russa do motor alemão Simmering SLA 16 (também conhecido como Porsche Tour 212). O motor russo foi designado A-85-3. No entanto, o Transdiesel Design Bureau não projetou o motor para um tanque, mas sim como uma unidade compressora em estações de bombeamento de óleo e gás. Ele provou ser um fracasso e não conseguiu fazer nenhuma venda, apesar das repetidas demonstrações em exposições.

Projetado em torno do motor

Por uma rota indireta e pouco clara, a Uralvagonzavod (UVZ) – principal fabricante de tanques da Rússia – decidiu usar o motor como base de um novo tanque: o T-14 Armata. O tanque foi projetado em torno do motor e não o contrário. Parecia uma boa ideia: o A-85-3 era menor e mais potente, embora mais pesado, do que o V-92S2F agora instalado nos modernos T-72B3s e T-90s. No entanto, esta decisão teve duas consequências importantes e deletérias. O A-85-3 não vendeu porque era complexo, apresentava muitos problemas e era difícil de manter. O motor precisava de muito mais horas de funcionamento para refinar o design.

Supõe-se que a UVZ estava confiante de que os problemas seriam corrigidos com o tempo. Eles não foram e o A-85-3 continua sendo um motor problemático. A segunda consequência decorre do tamanho do motor. Uma solução rápida poderia ter sido abandonar o A-85-3 e reequipar o T-14 Armata com o comprovado V-92S2F – exceto que o último não cabe, é maior. A única solução realista de engenharia agora é começar de novo. Atualmente, nenhuma autoridade parece disposta a aceitar essa realidade.

Um tanque AliExpress

Em julho de 2021, o canal de televisão russo MOD TV Zvezda transmitiu um documentário sobre o T-14 Armata sob sua vertente ‘Aceitação militar’. O programa foi filmado no normalmente secreto 38º NII BTVT, que comemorou seu 90º aniversário no ano passado e continua sendo a principal instalação de testes de veículos blindados da Rússia. O espectador do programa de 30 minutos foi presenteado com um mundo futurista, incluindo imagens raras do interior da cápsula da tripulação do T-14 Armata.

O problema com todos os aparelhos é a microeletrônica. A indústria russa em geral tem sido extremamente dependente de microeletrônica estrangeira e tecnologias associadas. Estes não estão mais disponíveis devido a sanções (daí a piada que o principal fornecedor da defesa russa se tornou o AliExpress). Equipamentos russos capturados, como drones, revelam que os componentes estão sendo adquiridos de onde quer que possam ser encontrados (incluindo câmeras de tráfego suecas roubadas no caso do UAV Orlan-10).

O perene problema russo de corrupção só piorou os desafios impostos pelas sanções. A fábrica de Volgograd Krasny Oktyabr (‘Outubro Vermelho’), que fabrica placas de blindagem para tanques russos, foi declarada falida em 2018. O proprietário milionário Dmitry Gerasimenko está na lista internacional de procurados por supostamente desviar um empréstimo de US$ 65 milhões e transferir 6,2 bilhões de rublos para o exterior. Essas histórias sujam a indústria russa. Desde 2011, um número impressionante de 72.000 funcionários compareceram aos tribunais por acusações de corrupção. Somente em 2022 (tanto para o patriotismo), 60 funcionários da indústria de defesa e 250 funcionários de compras públicas foram processados, 27 dos quais foram condenados por violações na implementação da ordem de defesa do estado.

Falta de uma linha de montagem

A razão final, prática e mundana pela qual o T-14 Armata não se tornará um tanque de produção é porque não há linha de montagem. Todos os modelos até hoje foram montados à mão (como carros de luxo). Uma quantia de 64 milhões de rublos foi supostamente alocada para construir a linha de montagem. A estrutura da fábrica e as oficinas foram construídas, mas estão vazias. Contratos foram assinados, mas o ferramental ocidental e outras tecnologias nunca foram fornecidas devido a sanções (a mesma história agora se desenrolou com a moribunda indústria automotiva da Rússia enfrentando um futuro incerto com a saída dos fabricantes de automóveis ocidentais e do Extremo Oriente). Até 200 fornecedores precisariam ser redefinidos. Isso não vai acontecer agora.

Da mesma forma, a UVZ está totalmente empenhada em sustentar as linhas de montagem T-72B3 e T-90M, desesperadamente necessárias para substituir as perdas de guerra (Omsktransmash, a outra fábrica de tanques, está reformando T-62Ms). Até o momento, pelo menos 1.594 tanques foram perdidos, incluindo 448 tanques da série T-72B3 e 37 tanques da série T-90 que permanecem raros na Ucrânia. O Exército Russo começou a guerra com 2.600 tanques operacionais, dos quais cerca de 1.000 eram ‘modernos’. A UVZ levou cerca de uma década para produzir ou atualizar a frota ‘moderna’. Levará um tempo igualmente longo e provavelmente mais longo para recuperar os dizimados regimentos de tanques da Rússia.

O T-14 Armata, no final, provou ser uma história de superação da tecnologia. “O fato é que o T-14 continuará sendo um protótipo de brinquedo sem chance de produção em massa”, sentenciou o jornalista de defesa russo Roman Skomorokhov . A raiz do problema com o motor significa que ‘o tanque se move satisfatoriamente apenas sob a proteção de um grupo de técnicos e engenheiros’. De qualquer forma, apenas uma companhia experimental foi formada no Distrito Militar Central (CVO) e as chances de aparecer na linha de frente, exceto para fins de propaganda, são pequenas.

Mais do que um novo tanque é perdido. Em junho de 2015, o Instituto Royal United Services (RUSI) organizou um evento em Armata, apresentado pelo experiente ucraniano Igor Sutyagin. As conversas destacaram que o programa era sobre uma família de veículos ‘Armata’ (T-15 IFV pesado, T-16 BREM-T ARRV, K-25 Kurganets e outros). É altamente improvável que qualquer um desses projetos continue no curto/médio prazo ou de todo. O futuro se parece muito com o ultrapassado passado soviético. Como golpe final, o canhão aprimorado 2A82-IM de 125 mm do T-14 Armata – uma atualização inegável em tanques russos comparativamente com menos armas – não servirá no T-90M. O bloco da culatra não cabe.

Sergio Miller é um oficial da reserva do Corpo de Inteligência do Exército Britânico. Ele era um colaborador regular e revisor de livros da British Army Review . Ele é o autor de uma história em duas partes da Guerra do Vietnã (Osprey/Bloomsbury) e atualmente está esboçando uma história da invasão russa da Ucrânia.

FONTE: Waverellroom