‘Paz’ negociada é melhor do que carnificina sem fim na Ucrânia

‘Muito difícil’ expulsar a Rússia da Ucrânia em 2023

Por Adam Creighton

O general Mark Milley, chefe do Estado-Maior Conjunto dos EUA, fez uma avaliação desconfortável na semana passada sobre as chances da Ucrânia de expulsar a Rússia: reduzidas a zero. “Do ponto de vista militar, ainda sustento que para este ano seria muito, muito difícil expulsar militarmente as forças russas de cada centímetro da Ucrânia… Isso não significa que não possa acontecer; não significa que não vai acontecer, mas seria muito, muito difícil”, disse ele, acrescentando que a guerra “provavelmente terminará em uma negociação”.

Milley foi atacado por sua atitude supostamente derrotista pelos magnatas da política externa de sempre, mas, à medida que a marca de 12 meses da guerra se aproxima, depois de dezenas de milhares de mortes em ambos os lados, uma verificação da realidade é mais do que bem-vinda.

Por quase um ano, lemos como Vladimir Putin está à beira da morte e a Rússia, enfraquecida pelas sanções ocidentais, está prestes a entrar em colapso. Nada disso aconteceu, apesar de todos os bilhões gastos e vidas perdidas, e há poucas e preciosas evidências de que acontecerá.

O cenário mais provável, porém desagradável, é que a Rússia consiga manter o território que controla, independentemente de quanto tempo o conflito dure.

No entanto, o governo ucraniano insiste que não negociará até que a Rússia se retire totalmente, inclusive da Crimeia, que Moscou controla desde 2014, uma receita para uma guerra sem fim que pode prejudicar a capacidade dos EUA de apoiar a Austrália.

Na semana passada, o secretário da Marinha dos EUA, Carlos Del Toro, observou que a assistência dos EUA à Ucrânia acabaria por minar a Marinha dos EUA, sinal de que podem estar procurando desculpas para não ajudar outros aliados dos EUA.

“Eu não diria que chegamos lá ainda, mas se o conflito continuar por mais seis meses, por mais um ano, certamente continuará a estressar a cadeia de suprimentos de maneiras desafiadoras”, disse ele a jornalistas em uma conferência da Marinha.

Os ex-secretários de Estado Condoleezza Rice e Robert Gates, em uma reportagem para o The Washington Post, fizeram observações semelhantes uma semana antes: a menos que a OTAN esteja disposta a fornecer à Ucrânia um “aumento dramático em suprimentos e capacidade militar”, a Rússia manteria o território que tem.

“A economia e o povo russos sofrerão com o prosseguimento da guerra, mas os russos sofreram coisas muito piores”, escreveram Rice e Gates. “Conte com a paciência de Putin para alcançar seu destino.”

De fato, rumores de que Putin sofre de sérios problemas de saúde circulam há pelo menos um ano, mas é mais provável que ele morra em um golpe se se retirar do que de câncer, um poderoso incentivo para ele continuar.

Quanto ao povo russo, a cultura e a história deles são de sofrimento, sob os czares, os soviéticos e agora Putin, que mesmo depois de 20 anos no comando goza de muito mais popularidade do que qualquer líder ocidental.

Os russos comuns são mais propensos a abraçar a perda de liberdade pessoal, a negação de oportunidades educacionais e econômicas, impostos mais altos e até mesmo o recrutamento como um dever do Estado do que protestar para remover seu líder. Mesmo Stalin, apesar de todo o caos que criou, era e ainda é reverenciado.

E os generais e ministros de Putin, quaisquer que sejam suas dúvidas pessoais, derivam seu poder e riqueza apenas de Putin.

A indecisão entre os aliados da OTAN sobre o envio de tanques pode refletir uma percepção crescente de que o envio de mais material e dinheiro está atrasando o inevitável e pode até inflamar a situação.

Multidões se reuniram do lado de fora do Bundestag alemão no fim de semana gritando “liberem os Leopards agora”, uma referência à classe de tanques da Alemanha e às demandas de Kiev para ter muitos deles o mais rápido possível.

Mas você pode imaginar um presente de propaganda melhor para Moscou do que enviar tanques alemães para a Ucrânia, que na Segunda Guerra Mundial contribuíram para a morte de mais de 25 milhões de soldados e civis soviéticos, cerca de três vezes a população da Austrália na época. Eu arriscaria um palpite de que os russos aprendem na escola sobre o papel dos tanques alemães na Segunda Guerra Mundial.

O fato de um ano de atrocidades russas não ter levado outros governos poderosos a ajudar a Ucrânia sugere que eles não esperam que a Rússia se retire e o regime de Putin entre em colapso. China e Índia, dois gigantes, permanecem aliados ou amigos. A Turquia, controlando a entrada do Mar Negro, começou a desafiar ativamente as sanções ocidentais contra a Rússia.

O novo presidente do Brasil, Lula da Silva, festejado nos círculos da elite por ter posto fim à corrupção da era Bolsonaro, criticou a OTAN em maio passado. “Não é apenas Putin que é culpado”, disse ele à revista Time. “Os EUA e a UE também são culpados. Qual foi o motivo da invasão da Ucrânia? OTAN? Então os EUA e a Europa deveriam ter dito: ‘A Ucrânia não vai aderir à OTAN’. Isso teria resolvido o problema.”

Arábia Saudita, México, Indonésia e praticamente toda a África resistiram à sanção ativa de Moscou. Eles não podem ser todos idiotas imorais, seduzidos por bots russos. O argumento mais comum para a escalada é que Putin pretende atacar a OTAN – Polônia, Moldávia ou Finlândia talvez – se conseguir alguma coisa na Ucrânia. Dado que suas forças não conseguiram nem dominar a Ucrânia, isso parece improvável.

Se a Alemanha e a França, as maiores potências militares ocidentais no continente, realmente acreditassem que a Rússia estava prestes a atacar a Europa, poderiam estar fazendo muito mais do que impingir as decisões e os custos aos contribuintes americanos, que já acumularam uma conta de US$ 100 bilhões.

Por mais que pensemos que a invasão da Ucrânia por Putin é má ou estúpida, nenhuma quantidade de proibição de bandeiras russas ou cancelamento do Lago dos Cisnes irá revertê-la. Se o preço para acabar com a implacável carnificina e destruição de um belo país é que o rio Dnipro se torne a fronteira oriental de uma Ucrânia encolhida, talvez seja um preço que valha a pena pagar.

Pelo menos os ucranianos comuns no Donbass e na Crimeia teriam então a oportunidade de emigrar com segurança para uma vida melhor oferecida na parte ocidental do país.

Aqueles que discordam veementemente, como muitos fazem nas redes sociais, devem ser convidados a ir e ajudar na luta pessoalmente.

FONTE: The Australian