O Vietnã de Putin

POR Almirante JAMES STAVRIDIS *

A guerra na Ucrânia se arrasta para seu quarto mês sem fim à vista, vários observadores começam a perguntar: “O Ocidente se cansará de apoiar a Ucrânia?” Alguns comentaristas opinaram que “o tempo está do lado de Putin” e que a resposta feroz da OTAN e de outras democracias globais diminuirá gradualmente diante dos desafios econômicos decorrentes da inflação, do sufocamento da Rússia de produtos agrários e hidrocarbonetos, divisões políticas internas (especialmente nos EUA) e fadiga de questões à medida que o implacável ciclo de notícias 24 horas por dia, 7 dias por semana, avança.

Tenho idade suficiente para me lembrar da experiência dos EUA no Vietnã, e a situação de Putin lembra cada vez mais aquela longa e dolorosa desventura. Sua mão de cartas, fraca no início do conflito, está ficando mais fraca a cada dia. O tempo está mais do lado da Ucrânia e do Ocidente do que de Putin, e com o passar do ano isso se tornará mais aparente.

Vamos começar com os fatos militares no terreno. O objetivo original de Putin era conquistar toda a Ucrânia de uma só vez, decapitando o governo Zelensky e instalando um regime fantoche em Kyiv. Esse “Plano A” falhou, resultado de excesso de confiança, inteligência ruim, pior generalato, logística execrável e terrível liderança em campo. Seu “Plano B” é um recuo para as táticas tradicionais soviéticas/russas: esmagar pequenas extensões de território e aterrorizar a população civil ucraniana com uma campanha deliberada de crimes de guerra.

Mas, como os EUA no Vietnã, a maioria da população na Ucrânia se opõe profundamente ao agressor externo. Em vez de serem recebidos com prometidas garrafas de vodka quando invadiram, os soldados russos foram recebidos com coquetéis molotov. As revelações sobre crimes de guerra apenas fortalecerão a resistência e a vontade dos ucranianos, e o tempo apenas fortalecerá sua determinação.

Assim, as chances de Putin realmente derrubar a situação no terreno e ganhar uma quantidade adicional significativa de território parecem pequenas. Em essência, ele começou com o controle de 15% da Ucrânia antes da invasão, objetivo de ganhar quase 100%, e pode acabar na melhor das hipóteses com 20-25%. Essa é uma nota reprovada em qualquer teste.

Também semelhante à experiência dos EUA no Vietnã, Putin enfrenta um inimigo determinado com acesso a santuários e bases externas. Os EUA nunca cortaram com sucesso o fluxo de armas para os vietcongues, e os russos também serão incapazes de interromper a assistência significativa dirigida aos ucranianos. De fato, os ucranianos desfrutam de fluxos de armas muito maiores através de suas fronteiras , inteligência soberba e suporte cibernético e recursos financeiros muito mais significativos do que os vietcongues já tiveram.

As baixas também estão aumentando rapidamente, tanto para soldados russos quanto para seus equipamentos. Estimativas confiáveis ​​indicam que russos mortos em ação se aproximam de 20.000 – um número impressionante quase o triplo do que os EUA perderam em 20 anos de guerras eternas. O naufrágio da nau capitânia do Mar Negro, Moskva , foi um punhal no coração da marinha russa. Mais de mil tanques russos foram destruídos. Esse nível de perda é insustentável sem Putin colocar a Rússia em plena guerra, algo que ao longo do tempo afetará seu domínio em casa, independentemente de seu controle da mídia. LBJ [Lyndon Baines Johnson – presidente dos EUA que assumiu o cargo após a morte de JF Kennedy] entenderia as dolorosas escolhas à frente de Putin.

De certa forma, a situação de Putin é pior do que a dos EUA no Vietnã. Os oponentes democráticos de Putin – os EUA, a maior parte da Europa, toda a OTAN, Japão, Austrália e outros – representam quase 60% do PIB mundial. A economia da Rússia é de apenas 10% e, portanto, estão seriamente desarmados na esfera econômica. A China está mostrando pouco apetite para fornecer à Rússia uma tábua de salvação, e se os EUA impuserem sanções secundárias àqueles que fazem negócios com a Rússia, a situação econômica só se tornará mais terrível com o tempo para Putin.

Felizmente para Kyiv, o custo do apoio aos ucranianos – comparado ao enorme tamanho das economias ocidentais – é bem pequeno. Comparado com os bilhões por dia injetados no Afeganistão e no Iraque no auge das operações, o custo da Ucrânia nos padrões atuais de apoio é modesto.

Finalmente, as comunicações estratégicas estão trabalhando contra Putin. O presidente Zelensky provou ser um mestre comunicador, superando facilmente a narrativa russa desajeitada e implausível de derrubar o “regime nazista” em Kiev. Com o tempo, as habilidades de Zelensky em promover a causa de sua nação fortalecerão seu caso.

O curso de ação mais provável de Putin será garantir o máximo de território possível antes que a “taxa de queima” em termos de russos mortos em ação, equipamentos destruídos, sanções esmagadoras e opróbrio internacional realmente entre em ação. provavelmente espera que o Ocidente simplesmente pressione o povo ucraniano a aceitar um armistício que dê à Rússia o controle de jure de 20% de sua nação.

Isso parece improvável neste momento, dados todos os crimes de guerra e a resistência vigorosa do ucraniano. Ambos os fatores vão endurecer nos próximos meses. Putin tem uma mão ruim de cartas e, como os EUA no Vietnã, está caminhando para uma derrota significativa. O tempo não está do lado dele.

(*) O Almirante Stavridis (Ret.) foi o 16º Comandante Supremo Aliado da OTAN e é Vice-Presidente de Assuntos Globais do The Carlyle Group e Presidente do Conselho da Fundação Rockefeller. Ele é o co-autor de 2034: A Novel of the Next World War . Seu novo livro de não-ficção é To Risk It All: Nine Conflicts and the Crucible of Decision

FONTE: Time