Os M777 recebidos pela Ucrânia são “downgraded”?
- por Guilherme Poggio
Diversas discussões que ocorrem em diferentes sítios da internet, e até mesmo aqui no blog das Forças Terrestres, dão conta de que a Ucrânia recebeu uma versão mais simples do obuseiro rebocado norte-americano M777. Mas o que é verdade nessa história?
O M777 é uma peça de artilharia rebocada. Isto significa dizer que ela faz o mesmo trabalho dos obuseiros propulsados, mas no entanto precisa de um véiculos para rebocá-lo de um ponto ao outro. Em tese, a principal vantagem dos obuseiros autopropulsados sobre os rebocados é o tempo que os primeiros levam para entrar em posição de tiro. Só que os autopropulsados são muito mais caros e complexos, além de terem mobilidade estratégica prejudicada. Obuseiros rebocados leves podem ser transportados por aeronaves de carga como o C-130 ou o C-17. Alguns mais leves, como é o caso do M777 por helicópteros (Sea Stallion, Chinook) ou aeronaves VTOL (V-22 Osprey). Tal situação é impossível para os pesados obuseiros autopropulsados.
O M777 é ainda mais vantajoso que os seus antecessores (principalmente o M198) porque ele é muito mais leve e, consequentemente, mais manobrável. Isto só foi possível porque a BAE System utilizou grande quantidade de liga de titânio na sua construção. O M198, por exemplo, era um obuseiro da classe das 7 mil quilos (considerado “médio”). Já o M777 pesa pouco mais de 4 mil quilos. Por essas e outras que o M777 também é denominado obuseiro ultra leve. Qualquer veículo 4×4 acima de 2,5 toneladas pode rebocá-lo.
Em junho do ano 2000 os primeiros cinco M777 foram entregues para avaliação e dois anos depois a produção em baixa escala teve início. O Corpo de Fuzileiros Navais dos EUA recebeu os seus primeiros exemplares em 2005 e o Exército dos Estados Unidos em 2006. Ao todo, mil peças foram entregues para os dois clientes. O sistema foi adotado por outros cinco países, incluindo a Ucrânia, a mais nova usuária do M777.
Os obuseiros M777 possuem um sistema de controle de fogo digitalizado (Digital Fire Control System – DFCS) e integrado que faz o cálculo balístico, processa a ordem de fogo, determina a posição da peça, fornece informações das cargas e projéteis, permite navegação, realiza comunicação digital em rede e disponibiliza os comandos de disparo.
Uma unidade DFCS possui:
- Unidade de Navegação Inercial (INU)
- Sensor de movimentação (VMS)
- Conjunto de Comunicação e localização (CLA) composto por SINCGARS (sistema de rádio), DAGR (receptor de sinal de GPS), antena de GPS.
- Antena do SINCGARS
- Computador de missão (MSC)
- Módulo de controle de potência (PCCM)
- Display do comandante da peça
- Display do atirador (GND)
- Display do auxiliar (AGD)
- Baterias (BAT)
A foto abaixo mostra um M777 norte-americano onde são destacados os principais componentes do DFCS e suas respectivas localizações na peça.
Inicialmente os M777 do primeiro lote não tinham o DFCS e empregavam somente o sistema ótico. Posteriormente todos foram padronizados com o DFCS e mantiveram o sistema ótico de backup. Por esse motivo, os M777 equipados com DFCS receberam a designação M777A1.
Na versão M777A2 o software do DFCS foi atualizado de forma que a interface de comunicação das peças com a diretora central de tiro foi aprimorada, permitindo que a comunicação fosse automatizada. Outra importante modificação foi a adição de dois componentes para o emprego de munições guiadas (tipo PGM) M982 Excalibur. Os componentes são:
- Armador de espoleta de artilharia indutiva portátil aprimorada (EPIARS)
- Kit de integração à plataforma (PIK)
O PIK fica montado internamente na caixa do CLA. Já o EPIAFS é um equipamento de mão que faz a interface com o projétil guiado Excalibur. Ele opera em conjunto com o receptor do GPS (DAGR).
“Downgraded”?
A princípio todos os M777 dos norte-americanos foram elevados ao padrão M777A2. Portanto, somente peças desse tipo poderiam ser doadas à Ucrânia. Inicialmente foram apresentadas fotos e imagens que mostram soldados ucranianos operando um M777. No vídeo abaixo, por exemplo, é possível ver que os soldados estão operando uma peça de M777 completa (com exceção da antena do SINCGARS).
https://twitter.com/TpyxaNews/status/1523381024482205696?ref_src=twsrc%5Etfw%7Ctwcamp%5Etweetembed%7Ctwterm%5E1523381024482205696%7Ctwgr%5E%7Ctwcon%5Es1_&ref_url=https%3A%2F%2Fwww.redditmedia.com%2Fmediaembed%2Fuldxs5%3Fresponsive%3Dtrueis_nightmode%3Dfalse
No entanto, este parece ser um vídeo de treinamento fora da Ucrânia e não um vídeo em combate com forças russas.
Já em outras imagens disponíveis na internet (a foto abaixo foi feita por um repórter do jornal The New York Times) é possível verificar que pelo menos parte das peças de M777 se encontram em atividade.
Numa das imagens apresentadas, os detalhes do DFCS do M777 ucraniano ficam bem claros. A peça fotografada não possui os principais componentes do DFCS como o CLA, o MSC, o PCCM e a antena do SINCGARS (comparar a imagem abaixo com a imagem mais acima da peça norte-americana).
Somente os mostradores GND e AGD e o INU (todos circulados em amarelo) aparecem na foto. Os demais componentes (círculos em azul) foram removidos.
Em alguns sites/blogs/contas do Twitter de origem ucraniana é possível encontrar informações confirmando a presença do sistema DFCS nas peças enviadas pelos norte-americanos. Estes sítios apresentam uma imagem do GND ou do AGD como sendo todo o “sistema digital de controle de fogo”. Na verdade, como explicado acima, tanto o GND como o AGD são apenas componentes do DFCS. Se o sistema não estiver completo, ele não irá funcionar.
No entanto, a Ucrânia desenvolveu recentemente um sistema tático chamado Hermes-C que integra sistemas de reconhecimento com drones e artilharia para a correta localização de alvos. O Hermes-C pode ser utilizado como ferramenta “off-line” para apoiar a artilharia, mas todo posicionamento da peça terá que ser feito manualmente, incluindo o azimute e a elevação do tubo, com o sistema ótico de backup.
Excalibur para a Ucrânia
O Canadá também anunciou que irá enviar para a Ucrânia obuseiros M777. Embora a quantidade de peças seja menor, (quatro unidades) a imprensa canadense informou que estas unidades serão acompanhadas de um número não especificado de projéteis guiados do tipo Excalibur. Como existe a necessidade do M777 possuir o DFCS completo da versão A2 para disparar munição PGM, é quase certo que as peças doadas pelos canadenses estão completas.
Além dos Estados Unidos e do Canadá, a Austrália fornecerá mais seis peças de M777A2 para a Ucrânia. Estes sistemas possuem capacidade de disparar PGM. Ao todo, somando as peças prometidas pelos três países, somam 118 unidades. Isto torna a Ucrânia um dos maiores usuários de M777 no mundo, perdendo apenas para o próprio Estados Unidos.
De qualquer forma, seria impossível colocar os M777 com todo o seu equipamento DFCS em atividade em tão pouco tempo na Ucrânia. Só o fato do Exército Ucraniano colocar o M777 em funcionamento em menos de um mês já é algo admirável. É preciso um tempo muito maior para aprender a utilizar o DFCS corretamente. O problema é que o tempo virou um artigo de luxo que os ucranianos não dispõem. A cada dia que passa eles perdem mais território para as forças russas.
Eu tava vendo isso ai, uns dias atrás o Ukraine weapons tracker no Twitter fez essas observações, basicamente oque foi tirado foram os módulos de precisão por GPS e comunicação.
Segundo eles o provavel motivo para a retirada era que a ucrania não tinha os meios necessários para integrar os sistemas do M777 com a sua rede de comando e comunicação, então esses sensores seriam virtualmente inúteis.
o M777 está sendo usado como uma artilharia comum, porem um pouco mais precisa por ter o INU, GND e AGD que facilitam o calculo de disparo.
Acho que eles tem medo da tecnologia ser capturada .
Victor Filipe, o GND e o AGD são apenas displays (telas). O computador em si (a foto mostra a ausência do MSC PCCM) e as baterias dele não foram enviados.
Não acho que foi entregue incompleto, creio que devido a necessidade de emprego imediato no campo de batalha fez os instrutores e os Ucranianos optarem pela operação do mesmo pelada. Já é um milagre em 1 mês o obuseiro já estar sendo usado em campo com aparente habilidade. Talvez a integração dos demais sistemas venham a ocorrer com o tempo. Os Ucranianos estão dando um cala boca gigantesco em todos nós que duvidavamos da capacidade deles em integrar sua força a operação de equipamentos Ocidentais. A guerra não é lugar de super trunfo, aquele que se apoia somente no equipamento e abandona sua capacidade pessoal e de conhecimento peca pela vaidade e perde a guerra justamente por isso.
Os Ucranianos lutam contra a Rússia, a 2° maior potência belica ( somente devido a sua força atômica pois na convencional não ficaria a frente da Índia) que passou anos e mais anos anunciando que era superior a OTAN e oponente de altura para os EUA. Para todos que assistiam as primeiras horas dessa guerra acreditava que seria rápida visto que é a Rússia e pelo precedente dos EUA era de se esperar uma rápida vitória. Não aconteceu e a cada dia se prolongar, os Ucranianos perderem homens e equipamentos era de se esperar, mas os russos perderem tanto equipamento e militares é uma prova cabal de que os russos erraram e muito nessa guerra e o que sair dela não importa a Vitória e seus espólios será uma Rússia fraca e com uma força militar inferior ao que eles sempre anunciaram.
Foi transformado em um grande atirador de pedras. Acertará o alvo na pura sorte.
Tenha dó!
Se o EB consegue ter alguma precisão com os M114 de 80 anos, acredito que os ucranianos terão sucesso com os M777A2.
Francisco,
Obuseiro foi feito para bater alvo de área, Não foram feitos para “acertar alvo”.
Com a tecnologia foi possível combinar munição guiada , capaz de atingir alvos de ponto, com obuseiros, mas ainda assim o grosso da munição disparada, mesmo na OTAN , é de munição burra para bater alvos de área, de modo que a precisão é secundária já que o que se deseja é manter a cabeça do inimigo baixa provendo apoio de fogo às tropas na linha de frente ou fogo de fustigação nas posições inimigas, com mais efeito moral que destrutivo. Também pode bater alvos de área, como por exemplo o fogo de contrabateria, onde a precisão se faz mais necessária mas que em geral e implementado com grande volume de fogo, o que compensa a imprecisão intrínseca.
Um moderno obuseiro de 155 mm tem um CEP de 250 metros para o alcance de 30 km. Ou seja, 50% dos projéteis disparados a 30 km irão cair num raio de 250 metros , ou se preferir, num círculo de 500 metros de diâmetro. Os outros 50% cairão fora desse círculo.
Projéteis guiados como o Excalibur têm um CEP de 5 metros e a combinação de projéteis burros com dispositivos de correção de curso (PGK) reduzem o CEP para menos de 50 metros, mas ainda assim nunca um obuseiro irá se valer só de projéteis guiados porque sua função primária continuará a ser manter a cabeça e a moral do inimigo baixa e para isso é interessante uma certa imprecisão.
Kings, tu de novo?
Editores, no terceiro parágrafo, o texto diz que um M198 pesa 7 mil toneladas (7 MILHÕES de quilos) e que um M777 pesa 4 mil toneladas ( 4 MILHÕES de quilos). Não seriam 7 mil QUILOS e 4 mil QUILOS de peso, respectivamente?
Embora pouco usual o M777 pode ser levado até pelo UH-60.
Bosco, vale a pena lembrar que tanto o M198 como o M777 podem ser transportados pelo C-130. Só que no caso do M777 até duas peças podem ser levadas pelo Hercules e no caso do M198 só uma delas.
Vale salientar que o M777 é fixado à viatura de transporte pelo próprio cano através de um engate no freio de boca, o que o faz sair de posição extremamente rápido se estiver operando no modo fogo e movimento.
Em relação à munição guiada, mais importante que a Excalibur é um dispositivo de baixo custo atarraxado na ponta de projétil “burro”, onde seria a espoleta de proximidade, com a função de guiar o projétil via GPS , provendo um CEP de menos de 50 metros mesmo para tiros acima de 30 km.
Esse “dispositivo” é denominado de PGK M1156 e transforma projéteis burros em projéteis guiados como o kit JDAM ou Paveway faz com as bombas burras.
Bosco
Pelo que pude analisar o M777, custa cerca de metade do preço de um Caesar ou do ATMOS por exemplo, sim ele é capaz de entrar em posição em um tempo muito bom para um obus AR…dá para operarmos? sim, é o ideal? depende…
Ele ainda demora cerca de 6 minutos e 10 segundos para entrar em posição de tiro, e para quem está sob fogo inimigo e precisa de apoio de artilharia isso é uma eternidade, além de atrasar a tropa nos deslocamentos fazendo seus REOP.
Com os planos do EB de mecanização da força acho que eles procuram algo sobre chassis de caminhão, na minha opinião o M777 não seria um bom candidato para operarmos como obus padrão dos gac, seu emprego ficaria restrito aos GAC das brigadas leves (Pqd, Aeromóvel) e para isso o obuseiro M-119 de 105mm nos atenderia muito bem por um custo benefício muito melhor.
Acho que o M777 é o obuseiro ideal para o CFN para o e.b não vejo ele com bons olhos
Abraço.
Rafael,
Blz! Também acho que para o EB um obuseiro AP sobre rodas é mais interessante.
Valeu!
Disso tudo fica a lição de que quem depende de material bélico doado sempre estará em desvantagem. É o popular ” cavalo dado não se olha os dentes.” Vide o caso da “renovação ” da artilharia de tubo do EB. Algo que seria, diziam, ampla, e ficou apenas no recebimento de alguns obuseiros autopropulsionados.
Os russos estão usando uma peça de artilharia de 240 mm
O 2S4 Tyulpan é um monstro.
Acho que não tem equivalente no Ocidente.
Alguns já foram inclusive destruídos pelos Ucranianos…
É uma porcaria soviética.
Tenha dó! Um M777 degradada tem 10 X mais precisão no triplo do alcance.
“Acho que não tem equivalente no Ocidente.”
Pode ter certeza disso.
O mais perto disso são os morteiros AP de 160 mm dos israelenses que salvo engano já foram aposentados.
Só como exemplo da monstruosidade e obsolescência desse troço russo, ele pesa 30 t , tem alcance de 9 km , lança uma granada de 130 kg.
Um HIMARS pesa 16 t, lança um foguete não guiado a 45 km pesando 100 kg (a ogiva) e um guiado a 80 km e tem 6 para lançamento imediato e pode ser recarregado em 2 minutos para mais uma rodada de 6 foguetes, indefinidamente.
Pra que você acha que o Ocidente iria querer essa estrovenga?
Ah! Os assassinos soviéticos do putin só tem 8 desses. Não é grande coisa não, nem para o exército patético do psicopata do Kremlin.
Os FH70 já estão fazendo estrago nos Russos
https://defence-blog.com/powerful-fh70-howitzers-enters-the-fight-in-ukraine/
Canhões mais leves não foram enviados? 105 mm? Somente a dúvida… Tô esperando o EB com o M777 tem tempo
Bah! que baita análise OSInt.. Parabéns Poggio, Show!
Off: Afinal, alguma notícia dos M198 que o EB adquiriu do tio sam?
Para cada obuseiro desse Rússia tem uns 20 D-30
Os Ucranianos vão ter que encomendar mais tratores para puxar essas tranqueiras
Eu disse que era uma versão mais simples, aliás, todo presidente deve investir nas forças armadas, mas investir de maneira correta, para nunca depender de terceiros, com defesa não se brinca.
O CLA mais de perto.
E logo abaixo do CLA as duas baterias do sistema. Na correria para terminar o texto não pesquisei fotos deste lado da peça. Obrigado por compartilhar conosco.
Poggio, eu esqueci de mencionar as baterias, essa imagem foi um usuário que postou lá na conta do twitter Ukraine Weapons Tracker em um debate sobre o tema.
Os Russos agradecem por terem em seu inventário essa peça.
Quantas peças de artilharia a Russia tem em campo?
Xings?
E por conta disto os ucranianos serão obrigados a serem aniquilados ou servirem de escravos para os russos.
“já que vocês não aceitam os meus termos, vou matá-los!”
Raciocínio típico de um psicopata.