Thomas (filho do Franz), senhor Trung e Franz

Por Franz Neeracher

Passados mais de 40 anos desde o fim da Guerra do Vietnã (“American War” para os vietnamitas), existem poucos traços do conflito que dilacerou o país….cerca de 75% da população nasceu depois da guerra, os 25% restantes a grande maioria era ainda criança durante o conflito.

Assim as chances de encontrar alguém que realmente participou da guerra, são bem pequenas. Depois de muita procura e da dificuldade também de encontrar alguém que servisse como intérprete, encontramos 2 pessoas.

Vamos falar primeiro de “John” e mais tarde do senhor Trung.

“John”, um americano que não quis de jeito algum tirar fotos conosco e ainda pediu para não publicarmos o nome verdadeiro, serviu por duas vezes no Vietnã, a primeira vez como capitão em 65-66 e depois como major em 69-70.

John que está agora com uns 78 anos, mas bem de saúde, resolveu se mudar para o Vietnã onde vive com a sua segunda esposa, uma vietnamita local.

Gosta de criar galinhas e vive numa casa simples, dá aulas de inglês voluntariamente e sente-se muito bem no país.

Ele não guarda rancor algum dos vietnamitas, tem muitos amigos entre o povo da cidade, mas percebemos que ele não gosta de falar sobre o conflito.

Apenas disse: “fiz o que tinha que fazer, assim como eles também”.

Apesar de conversarmos bastante, não acrescentou muito ao que todos já sabem sobre a guerra sob o ponto de visto americano. De interessante alguns fatos sobre Da Nang durante a guerra:

A base aérea de Da Nang foi uma das mais importantes durante o conflito, sendo usada tanto pela USAF como pelo USMC.

No auge do conflito, entre 1967 e 1969, a base registrou por algumas ocasiões mais de 2.500 movimentacões (pousos e decolagens) por dia! Recorde que se mantém atual até hoje e dificilmente será quebrado.

Por falta de espaço na base aérea, o USMC decidiu transferir os helicópteros para uma nova base construída bem perto, a “Marble Mountain Annex Facility”. A Montanha do Mármore em português, são na realidade cinco, cada uma com o nome de um elemento segundo o Budismo: Fogo, Terra, Água, Madeira e Metal. Hoje é uma atração turística local devido aos objetos de mármore fabricados por lá, além de vários templos dentro das montanhas.

O caso foi que os guerrilheiros vietcongs construíram bem antes dos americanos chegarem a Da Nang, dentro e sobretudo abaixo das montanhas vários depósitos para alimentos, armamentos, munições, combustíveis, peças entre outros materiais de logística.

Também construíram hospitais improvisados, cozinhas, salas de conferências e planejamentos etc.

Resumindo, os americanos construíram essa nova base aérea quase em cima dos bunkers dos vietcongs.

A partir daí, as informações são desencontradas. Os vietnamitas dizem que construíram pelo menos um túnel que ligava um bunker até o interior da base, sendo que por várias oportunidades, os guerrilheiros teriam entrado na base somente para roubar alimentos, medicamentos, galões de gasolina e realizar missões de espionagem. Em nenhuma ocasião usaram o túnel para infiltrar guerrilheiros para atacar a base de surpresa.

A base foi atacada diversas vezes provocando altas perdas materiais e humanas, mas sempre os atacantes foram repelidos. Então por que não usaram o túnel? De acordo com o Sr. Trung (que será apresentado adiante), usar o túnel dessa maneira resultaria em sua descoberta; uma hora os americanos iriam descobrir como os atacantes teriam entrado na base e assim todo o resto da infraestrutura escondida nas montanhas seria descoberta e destruída.

Os comandantes vietcongs decidiram então em utilizar o túnel da maneira escrita anteriormente. A guerra acabou e os americanos nunca descobriram nem o túnel e nem o restante das intalações.

Durante anos uma pequena parte dos bunkers podia ser visitada, onde era o hospital de campanha, mas infelizmente por falta de dinheiro, de interesse, poucos visitantes, o pouco que restava dos bunkers foi totalmente destruído.

Boa parte da base aérea não existe mais, tentamos visitar o pouco que resta, mas não foi possível. A parte que ficava perto da praia é hoje uma estrada movimentada, prédios, casas e lojas ocupam boa parte da área.

A outra parte que fica mais longe da praia e do outro lado da estrada é um grande terreno baldio, uma fábrica de cimento ocupa uma parte do areal e o que resta ainda dá para ver alguns hangares fortificados, parte da pista e de algumas outras instalações. Essa parte foi comprada recentemente por um grupo que quer construir um heliporto no local.

Um fato desconhecido por muitos, durante uma noite de mau tempo, um DC-8 transportando soldados pousou por engano nessa base em vez da base de Da Nang. A pista em Marble Mountain tinha somente uns 1.500 metros, mas pousaram assim mesmo e depois tiveram que remover quase tudo para que o DC-8 ficasse leve o suficiente e assim poder decolar com o mínimo de combustível necessário para voar até Da Nang.

Nesse site, existem boas fotos da base durante e depois da guerra. Para ver as fotos, use esse link.

Já a antiga base aérea de Da Nang é hoje um moderno aeroporto bem melhor que a grande maioria dos aeroportos brasileiros, duas pistas paralelas, uma de 3.000 m e outra de 3.500m .

O aeroporto também é usado pela Força Aérea do Vietnã, onde mantém caças SU-22M e helicópteros

Voltando ao “John” que serviu entre outros lugares, na “Mountain Marble”, ele diz que nunca ouviu falar desse túnel debaixo da base, que seria uma lenda!

Verdade? Lenda? Nos despedimos de “John” e ficamos um bom tempo pensando sobre tudo que conversamos.

No outro dia, fomos visitar o senhor Trung, já com seus 80 anos, cego de um olho e com dificuldades de escutar, ele nos gentilmente recebeu na sua casa.

A participação do senhor Trung na guerra, como guerrilheiro, foi mais na parte de logística, a casa onde ele mora até hoje fica perto das margens do rio Hán que passa por Da Nang antes de chegar ao mar.

Foram construídos milhares de túneis em todo o país, alguns bem curtos, outros com quilômetros de extensão, de vários tipos para diferentes fins e objetivos. Pelo que se sabe, o único túnel que ainda existe em Da Nang seria esse que iríamos visitar.

O túnel que liga a casa do senhor Trung ao rio, também nunca foi descoberto, apesar da polícia militar do Exército do Vietnã do Sul ter revistado a casa mais de uma vez.

A principal finalidade do túnel, era para facilitar a infiltração de guerrilheiros na cidade para participarem de reuniões, sabotagens, espionagem entre outras atividades, além disso, entre o rio e casa também existiam alguns depósitos.

Conversar com “John” em inglês era fácil, mas a tradutora local que nos acompanhou durante a visita ao senhor Trung falava um inglês, vamos dizer assim, muito difícil de ser entendido, o que dificultou bastante a conversa. Gostaríamos de saber mais detalhes da vida desse veterano, mas não foi possível.

Como em quase todas as casas no Sudeste Asiático, existe um altar onde, como todo bom budista, queima-se incenso, velas, colocam-se vasos com flores etc. Existem altares de todos os tamanhos, em cima colocam fotos do Ho Chi Mihn, do General Vo Nguyen Giap, ou até mesmo fotos de diplomas, dos parentes (vivos e falecidos). Várias honrarias que o senhor Trung recebeu por participar da guerra podem ser vistas nas paredes.

A entrada do túnel fica no canto inferior esquerdo do altar (observar na foto que abre esta matéria).

Na foto com o altar à direita, vê-se uma lajota em verde e branco com a pintura de algumas árvores. A parte inferior da lajota com a ajuda de um mecanismo é móvel, a parte interna do altar é oca e a passagem é bem estreita, quase não pudemos entrar, os  ombros passaram com muita dificuldade.

Uma vez dentro do altar, pensa-se que não leva a lugar algum, escondido debaixo de alguns centímetros de terra encontra-se a alavanca que abre uma tampa que dá acesso a uma escada improvisada. Descendo a escada é que começa o túnel de acesso ao rio, muito bem feito e planejado!

Mesmo que a polícia descobrisse a passagem camuflada para o interior do altar, não iriam descobrir o acesso ao túnel tão rápido.

Os depósitos que existiam entre a casa e o rio não existem mais A cidade cresceu muito desde o fim da guerra e foram alvo de construções recentes.

Mas o túnel foi preservado e teve que ser reformado várias vezes ao longo dos anos. Como qualquer obra, seja pontes, estradas ou casas, sempre precisa de manutenção e controle.

O túnel segue em linha reta totalmente no escuro, por muitos metros até um cruzamento à direita, que levaria até os antigos depósitos e à esquerda até rio.

Quando agendamos a visita ao senhor Trung, a tradutora/guia, não tinha certeza se o túnel ainda existia. Já que quase ninguém se interessa mais por esse tipo de história e assim não levamos nenhuma lanterna.

A única luz disponível era a dos nossos dois celulares e esquecemos de carregar totalmente os celulares com antecedência, a bateria era pouca e como a gente não sabia quanto tempo levaríamos lá embaixo, decidimos não filmar muito e economizar a carga. Aliás, filmar naquela escuridão era praticamente impossível, pelo menos os filhos do senhor Trung que moram na mesma casa, me garantiram (entre muitas risadas) que eu não encontraria nenhuma cobra ou algum outro tipo de armadilha que os vietcongs usavam para proteger os túneis e amedrontar eventuais incursores durante a guerra.

Entramos sozinhos no túnel, uma calor de quase 40°C e uma humidade que nunca senti antes. O senhor Trung apenas disse “te vejo na saída”. A parte inicial do túnel é muito estreita, enquanto rastejávamos nele, encontramos algumas baratas, centopeias e pelo menos um escorpião, mas por sorte ele resolveu sumir em algum buraco.

Nesse meio tempo, o senhor Trung, seus filhos e a tradutora já chegaram ás margens do rio Hán e abriram a saída camuflada e assim tivemos um pouco de claridade. Nessa parte o túnel fica mais largo, porque era usado para o transporte de materiais que vinham pelo rio e tinham que ficar nos tais depósitos subterrâneos. Nesse ponto com saída próxima, e nós banhados de suor, joelhos e cotovelos ralados, ficamos contentes de ver o sol novamente!

Dentro do túnel

A saída ou entrada nas margens altas do rio, para evitar a entrada de água no túnel em época de chuvas ou cheias.

A entrada na beira do rio, camuflada com uma placa de metal coberta com madeira pintada da mesma cor das pedras em volta….impossível de ser descoberta e de como fazer para abrir!

Na época da guerra não existia essa plataforma de metal, iria chamar a atenção do inimigo, na época os vietcongs pulavam das canoas ou barcos e entravam no túnel diretamente. Com o fim da guerra essa plataforma foi colocada e serve para atracar pequenos barcos de pesca e para que os visitantes do senhor Trung que quiserem visitar o túnel não tomem um banho no rio.

Depois de todo esse esforço físico e mental, voltamos para a casa do senhor Trung, só que dessa vez pela superfície.

Enquanto tomávamos umas cervejas na sala para relaxar (por falar nisso, existem boas cervejas no Vietnã), apareceu o senhor Phuoc que mora pertinho e quando soube que havia uns turistas interessados pela história do Vietnã resolveu aparecer e participar da conversa.

O senhor Phuoc era criança na época da guerra, foi durante a vida toda professor de história (especializado no tema da guerra) agora é aposentado e nos contou algumas coisas interessantes.

Ele acha que os americanos e europeus gostam de “romantizar” e exagerar os fatos de que os guerrilheiros vietcongs derrotaram os americanos e seus aliados do Vietnã do Sul, da Austrália, Coreia do Sul e da Colômbia.

A impressão existente de que os guerrilheiros, escondidos de dia, saíam a noite dos túneis armados de AK-47, usando “pijamas e sandálias” e assim venceram a guerra é altamente exagerada.

Claro que os vietcongs infernizaram a vida dos americanos e seus aliados com seus ataques de surpresa, sabotagens, armadilhas (buracos com espetos ou cobras venenosas) etc., mas foi mais sobretudo uma ajuda psicológica, sem querer de forma alguma desmerecer os esforços e vítimas que sofreram, mas o responsável pela vitória foi sem dúvida o Exército do Vietnã do Norte.

Na opinião do professor Phuoc, pouco fala-se do Exército do Vietnã do Norte e é uma pena, pois era um exército numeroso, bem equipado graças a ajuda dos chineses e dos soviéticos, bem treinado e acima de tudo altamente motivado, pois estavam lutado por algo objetivo, que era reunificar o país e expulsar os estrangeiros. Primeiro os japoneses, depois os franceses e por fim os americanos.

Foi o Exército do Vietnã do Norte que esteve presente em todas as grandes batalhas, e foi responsável pela maioria das perdas americanas.

Não somente em vidas, mas pelos milhares de aviões, helicópteros, tanques, jipes, blindados, canhões etc. que foram destruídos em combate.

O senhor Phuoc fêz questão de enfatizar a participação das mulheres, não somente como combatentes, mas também no tratamento dos feridos, costurando roupas, preparando armadilhas, ajudando na construção de estradas, pontes ou bunkers ou até mesmo revistando os campos de batalhas depois da retirada dos participantes, para procurar qualquer coisa que ainda pudesse ser útil como alimentos, munições, remédios, paraquedas usados, uniformes dos falecidos entre outros trabalhos bem perigosos.

Voltando ao tema da guerra propriamente dita, o senhor Phuoc diz que em 1970 os vietcongs já estavam praticamente aniquilados, devido aos fortes bombardeios dos americanos, uma média de 9 toneladas de explosivos por cada habitante, a maioria dos túneis foi destruída, com altos índices de fatalidades devidos aos combates e aos massivos bombardeios!

Só como comparação, os americanos jogaram mais bombas no Vietnã (um país do tamanho do estado do Maranhão) do que em toda a Segunda Guerra Mundial contra as Forças do Eixo!

Ou como falou o senhor Truong, como os americanos não conseguiram derrotar os vietcongs em combate “regular”, resolveram partir para a força bruta, ou seja partiram para o “Agente Laranja” para desfolhar as selvas e usar bombas em qualquer lugar que houvesse suspeita de abrigar um guerrilheiro que seja.

Devido às dificuldades em nos comunicarmos, uma simples frase levou muito tempo para ser traduzida e entendida corretamente, o tempo literalmente voou e a hora de nos despedirmos chegou.

O Vietnã de hoje é um país comunista, mas com economia mista (como eles me falaram), a população jovem, trabalhadora, um país pobre, mas não vimos nenhuma favela (pelo menos por onde estivemos). É um país seguro, pode-se usar relógio, câmeras e dinheiro. Em 10 dias vimos policiais somente no aeroporto (e desarmados) e uma vez nas ruas devido a um pequeno acidente de trânsito.

Os jovens não falam da guerra, para eles é algo que aconteceu há muito tempo Eles se preocupam mais com o futuro do que com o passado, não guardam mágoas e nem rancor dos americanos, os quais visitam o país em grande número.

Voltamos do Vietnã e ainda ficamos pensando em como seria interessante em poder conversar mais com aqueles velhinhos simples e simpáticos, quanta experiência de vida eles têm. Mas ao mesmo tempo pensamos em quanto sofrimento passaram, quantos parentes morreram, passaram fome, medo, angústia e, depois, ajudaram a reconstruir o país.

Penso também em “John”, o que ele deve ter visto e sofrido? Será que vive no Vietnã como se quisesse pagar por algum mal feito durante a guerra?

Sei que muito provavelmente nunca mais irei rever “John”, o senhor Trung que nos recebeu de braços abertos na sua simples casa e o professor Phuoc.

Mas a recordação deles e dessa aventura permanecerá para sempre.

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Antoniokings
Antoniokings
5 anos atrás

Esse túneis eram terríveis para os americanos.
Explorar um deles durante a guerra era a profissão mais perigosa do Mundo para eles.

Jagderband#44
Jagderband#44
Reply to  Antoniokings
5 anos atrás

Ak o tudologo.

Antoniokings
Antoniokings
Reply to  Jagderband#44
5 anos atrás

Anos e mais anos de leitura.
Na verdade, décadas.
Sobre guerras, que eu me lembre, desde 1972 (por aí).
Comece agora que vc chega lá.

paddy mayne
paddy mayne
5 anos atrás

Prezado Franz, muito obrigado por compartilhar conosco essa experiência tão interessante!

sub urbano
sub urbano
5 anos atrás

Os americanos tiveram quase 10.000 aeronaves abatidas na Guerra do Vietnã. Haviam baterias antiaéreas do Exército Vietnamita onde os operadores só deixavam expediente depois de destruir um avião ou helicoptero americano.

Fernando
Fernando
5 anos atrás

Muito bom!

tulio762
tulio762
5 anos atrás

Excelente matéria! Parabéns!

α Tau
α Tau
5 anos atrás

“A morte é a única solução para todos os problemas.”

Joseph Stalin

Documentário – Sob a Nevoa da Guerra- Dublado :

https://www.youtube.com/watch?v=dSxx1V3ue_c