O poder nas relações internacionais
‘É o poder militar que garante a sobrevivência de um Estado no ambiente anárquico das relações internacionais’
O poder está no centro das reflexões sobre as relações internacionais. Com efeito, as relações entre os Estados repousam em grande parte no poder, isto é, na capacidade de cada Estado de influenciar outros Estados na sua política, ou até mesmo de lhes impor a sua vontade.
O termo “poder” (potência) serve também para designar os Estados que exercem um papel preponderante na cena internacional.
O conceito de poder
Definição clássica
O tema do poder remete para uma visão da cena internacional em que são dominantes as relações entre Estados. Este debate foi durante muito tempo influenciado pela guerra. O poder é definido pelo escritor político francês Raymond Aron, em Paix et guerre entre les nations (1962), como “a capacidade de uma unidade política impor sua vontade às outras unidades”. Pode ser utilizado pelo Estado, quer de maneira positiva, para levar o outro a fazer o que de outro modo não teria feito, quer de maneira negativa, impedindo um outro Estado de fazer o que ele quer. A vocação primeira e tradicional da utilização do poder é a de fazer prevalecer o interesse nacional do Estado sobre os dos outros.
O meio externo de utilização do poder é o recurso às armas e, como consequência, a utilização das capacidades militares, geralmente para a conquista de um novo território.
Mas o poder pode também ser exercido, de maneira menos violenta, pela persuasão, pela discussão ou ainda pela ameaça.
A evolução do conceito de poder
Num mundo em que a interdependência entre os Estados – particularmente no plano econômico – é cada vez maior, parece mais difícil a um país impor completamente a sua vontade aos outros. O poder parece exercer-se de maneira menos coercitiva e menos violenta. Assim, o uso da força para responder a ameaças não militares torna-se cada vez menos previsível.
O poder tende a tornar-se a matriz das interdependências, o que se traduz em processos menos diretivos de dominação. Já não basta afirmar e conquistar, é preciso negociar, convencer e tentar controlar as regras do jogo neste ou naquele domínio. Isso é particularmente verdadeiro nos âmbitos econômico, comercial e técnico, que ocupam um lugar considerável nas relações internacionais contemporâneas. Esta é a tese defendida pelo politólogo americano Joseph Nye em Bound to lead, the changing nature of the american power (1990). Ele também desenvolveu mais tarde, em 2004, o conceito de “Soft Power”, no livro Soft Power: The Means to Success in World Politics.
Observa-se igualmente que os Estados procuram hoje menos o poder como um meio de expansão do que como forma de proteção e de “santuarização”. Doravante, um país será poderoso se conseguir escapar às pressões que se pretenda fazer recair sobre ele. Daí uma situação paradoxal: os Estados ocidentais hesitam em comprometer-se na cena internacional quando seus interesses não estão diretamente em jogo. A sua relutância em disponibilizar tropas para operações de manutenção da paz são disso uma ilustração.
Os elementos do Poder
Os fatores do poder variam segundo os autores. Não podem, todavia, e em caso algum, limitar-se a elementos simplesmente materiais. Em Politcs among the nations (1947), o politólogo americano Hans J. Morgenthau enumera oito: os dados geográficos, os recursos naturais, a capacidade industrial, o estado de preparação militar, a população, o caráter nacional, a moral nacional e a qualidade da diplomacia.
O poder de um Estado resulta portanto da combinação e do domínio desses critérios, e da vontade do Estado em os utilizar na cena internacional.
No entanto, nenhuma quantificação exata do poder de um país é concebível, porque, se é possível comparar o número de habitantes de dois Estados, é impossível, em contrapartida, avaliar de maneira rigorosa ou estatística, a moral nacional ou a qualidade da diplomacia.
A noção de poder é, portanto, sempre relativa.
Classificação e evolução dos fatores de poder
É difícil hierarquizar os elementos que contribuem para o poder. Esta hierarquia varia consoante as épocas. No entanto, se o fator militar foi muitas vezes considerado o elemento fundamental do poder, hoje o critério econômico parece ter adquirido uma importância pelo menos tão grande como aquele.
Pensa-se igualmente que o poder é adquirido, mais através do saber e da tecnologia – a “matéria cinzenta” – do que pela posse de matérias-primas ou de um grande território. Um país pequeno desprovido de riquesas naturais, mas dotado de um nível de educação elevado, e que consagra uma parte importante dos seus rendimentos ao setor “pesquisa-desenvolvimento”, será potenciamente mais poderoso que um Estado maior contando unicamente com suas matérias-primas, mas negligenciando, por exemplo, seu sistema educativo. Pense-se no caso do Japão face ao da Argélia.
No entanto, os fatores de poder estão muitas vezes interligados, e nenhum pode verdadeiramente ser negligenciado: um exército, mesmo dotado dos melhores recursos militares, nada vale, em caso de guerra, se sua população não estiver unida em apoio aos seus dirigentes, e na medida em que estes últimos conseguirem definir uma boa estratégia.
Do mesmo modo, um país em vias de depauperação não poderá, a longo prazo, continuar a desenvolver suas capacidades militares importantes. O fim da União Soviética ocorreu devido, em grande parte, a um desenvolvimento militar acrescido operado em detrimento da economia.
A mobilização dos fatores de poder
Os elementos do poder não são todos utilizáveis em qualquer situação. Por exemplo, no quadro de um conflito armado, os meios militares não são utilizados em sua totalidade.
Além disso, parece que os fatores de poder são cada vez menos suscetíveis de pesar em domínios que não lhe são específicos.
É o caso da força militar, que pouco influi na capacidade de um Estado impor a sua vontade a outros, nas negociações cuja área é estritamente econômica.
Por exemplo, apesar da dependência do Japão face aos EUA, para a sua segurança, o Governo americano não consegue obter todas as concessões comerciais que desejaria da parte da administração japonesa. Consequentemente, nenhum Estado dispõe de um poder absoluto que lhe permita impor sua vontade em todas as circunstâncias.
Uma hierarquia das potências
Além da definição do conceito de poder (potência), é possível estabelecer uma hierarquia entre os Estados, em função de sua vontade e de suas capacidades de ação na cena internacional. Esta classificação apenas pode ser estabelecida para um período pré-definido, porque as capacidades dos Estados nunca são fixadas no tempo, e os elementos do poder evoluem, parecendo alguns menos importantes em certos períodos que noutros.
Potências mundiais ou superpotências
Tratam-se de Estados que têm capacidade e o interesse em agir de modo universal. Aliás, nenhuma questão importante de ordem internacional poderá ser resolvida sem seu acordo.
Durante o período da Guerra Fria (1945-1989), o mundo parecia dominado por duas potências maiores, que eram qualificadas de superpotências: EUA e URSS. O poderio desses dois Estados baseava-se, antes de tudo, no seu potencial diplomático-militar e na sua vontade de se envolver nos assuntos do mundo. Com o fim da URSS em 1991, os Estados Unidos mantêm-se como os únicos que podem ser qualificados de potência mundial.
A URSS caiu e a Rússia, devido às suas particulares dificuldades econômicas, não pode ainda pretender a esse estatuto, embora tenha procurado recuperar sua posição.
A China também tem crescido em poder econômico e militar e poderá rivalizar com os EUA nos próximos anos.
Grande potências ou potências médias
O concurso das grande potências, consideradas as suas capacidades, pode ser, em certas ocasiões, indispensável à resolução dos problemas internacionais. Ao contrário das potências mundiais, a sua intervenção nem sempre requerida. As potências médias não se interessam em todas as questões, nem por todos os espaços.
É o que se passa com a França, membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, que conserva uma influência tradicional na África, mas cuja ação no continente latino-americano é mais limitada. O mesmo se passa com a Alemanha e o Japão, que pelas suas capacidades financeiras e comerciais asseguram, em nível internacional, um papel importante nesses dois domínios. Em contrapartida, no plano militar, o Estado não intervém, a não ser em operações conjuntas com outros países. Quaisquer destes exemplos bastam para mostrar a heterogeneidade desses países, que são classificados de potências médias.
Potências regionais
O termo potências regionais remete para uma esfera de capacidade e de influência numa lógica de proximidade. Pelas suas capacidades, estas potências são muito diversas. Algumas são muito populosas, outras dispõem de capacidades militares desenvolvidas. No entanto, faltam-lhes elementos essenciais à potência, em particular no domínio da economia. Isso não as impede, entretanto, de dispor de uma influência predominante nos problemas regionais. O Egito, Índia, Paquistão e Brasil, podem ser qualificados de potências regionais.
As pequenas potências
Esta categoria comporta o conjunto dos outros Estados que, pelas suas capacidades limitadas, são vulneráveis, particularmente do ponto de vista de sua segurança. Se o princípio da soberania poderá protegê-los de toda influência externa, nem sempre isso acontece. Através de alianças, esses Estados podem reduzir a sua vulnerabilidade e repelir certas potências demasiado hegemônicas. Entre os 193 Estados membros das Nações Unidas, a maior parte pertence a esta categoria de pequenas potências.
Vejo, postagem magnifica!
Ótima matéria. Lembro sempre do seguinte: não adianta um cão fazer barulho se for pequeno. Agora se for um cão de grande porte, não precisa nem latir, basta sua presença. Acredito que quem não possui tamanho e argumentos (armas) para fazer valer sua opinião, nem sequer será ouvido perante a comunidade internacional. É a velha história do valentão da escola: ele pode estar totalmente errado, mas pelo seu tamanho ninguém discorda de suas opiniões. (Entenda-se tamanho a sua capacidade de bater=poder militar). Não acredito que a diplomacia ou política resolvam problemas internacionais nos dias de hoje. Apenas a força bruta… Read more »
Como exemplo recente: alguém acredita que o Chile vai levar à sério as reivindicações internacionais da Bolívia para um acesso ao mar? Motivos: principalmente seu poderio militar, sua capacidade de causar danos e fazer valer sua vontade (basta comparar dados disponíveis). Agora se o pedido fosse feito por uma nação bem equipada, numeroso efetivo militar, blindados modernos e quem sabe, poder nuclear, a mesa de negociações estaria aberta!!!!
É bem relativo isso, na maioria das vezes sim essa “tonelada de diplomacia” é usada mas se você for pegar o Oriente Médio por exemplo veremos que esse tipo de estratégia não é lá muito boa e você acaba gastando muito. Se imaginarmos um cenário de possível agressão por parte de super potências por exemplo em nosso país veremos que essa linha diplomática de laços tanto financeiros quanto de boas relações seria bem eficaz para nós, já que somos uma potencia regional e não temos tanto poderio assim mas temos boas relações economicas e diplomáticas com os 3 países principais… Read more »
Rodrigo LD, Como assim diplomacia ou política não resolvem problemas internacionais nos dias de hoje? Suíça e Suécia escaparam incólumes dos dois maiores conflitos da história, em uma época muito mais conturbada que a de hoje, somente com política de apaziguamento (embora estivessem preparadas para entrar na guerra em sua autodefesa à qualquer momento), por que a diplomacia não funcionaria hoje, justo numa época onde toda a economia mundial, que está muita mais unificada e entrelaçada do que há 50 anos atrás, se baseia muito mais em confiança nas relações comerciais e políticas? Hoje, na minha ótica, não há mais… Read more »
Excelente postagem, só confirma a qualidade e maturidade do site. Parabéns !!!
Ainda lembro lá nos anos 90, numa reunião de colegas de facul da época – todos estrangeiros – um deles, um alemão – definiu que uma relação entre 2 países comporta 4 grandes áreas que funcionam como motivos para essa relação: a econômica, a política, a militar e a cultural. A principal é a relação econômica, sem sombra de dúvida, pois é nessa que os países procuram suas subsistências, dentro de um contexto de razoabilidade para ambos. A relação militar – pacífica, claro – é para garantir que a relação econômica não descambe para uma possível piora (hehehe, viva o… Read more »
Chamar a Rússia de poder regional? Vejamos os fatos: a influência russa é enorme nos seguintes países de cada continente, por exemplo: 1- América Latina: Cuba, Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua, ou seja, maior que na época da URSS, cuja influência na AL se limitava só a Cuba; 2- Oriente Médio: após a entrada da Rússia na guerra da Síria, não preciso nem dizer o que significa a influência russa por lá (maior que na época da URSS); 3- Ásia-Pacífico: A Rússia é membra efetiva da SCO e mantém relações estratégicas com: ìndia, Paquistão, Vietnã, Cazaquistão e. principalmente, a China… Read more »
Sensacional essa matéria Geopolítica II.
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Bom eu não acredito que países como o Japão e +2 sejam realmente independentes, mas é melhor deixar para la……
Evitar commments wiped out