Deir Ezzor, na Síria

Cidade de Deir Ezzor, na Síria, em 2018

Deir Ezzor, na Síria

Por 1º Tenente Diego Peixoto dos Santos

A vida humana em sociedade, desde o início em pequenos grupos populacionais, passando pelos grandes impérios multiétnicos, até os Estados nacionais como conhecemos hoje, sempre foi repleta de conflitos, animosidades e atritos, tanto na esfera pessoal, quanto no choque entre as coletividades. Aceitar diferenças, conviver com a diversidade e, acima de tudo, submeter-se a ela é difícil, ainda mais quando se luta diariamente para expor e fazer valer seus interesses e pontos de vista. Por isso, criou-se, junto ao conceito de sociedade, a coletividade e a aceitação de um ideal maior que o individualismo, no intuito de se obter proteção mútua.

Thomas Hobbes (1588-1679), em seus pensamentos sobre o “estado de natureza” do homem, afirmou que, inicialmente, o ser humano é dotado de sentimentos ruins e voltado para o caos e para a guerra. Nesse meio, não há indústria, agricultura, artes, medicina ou qualquer forma de progresso. O indivíduo luta continuamente por seus interesses, não se importando com o outro. Porém, em um determinado momento, estaria disposto a depositar sua devoção em uma entidade maior, capaz de protegê-lo continuamente, no momento em que dorme, descansa: o Estado.

Ainda em Hobbes, quando se alcança a estabilidade dentro de um determinado Estado e, aceitando que outros Estados também o façam, entramos no famoso “dilema de segurança”, pois criamos um ambiente de instabilidade internacional, onde cada País deve atuar de maneira a garantir os interesses, a estabilidade, a segurança e o bem-estar de sua população, a despeito dos interesses de outras nações vizinhas.

Dentro desses ensaios narrados por um dos maiores pensadores realistas da história, contextualiza-se a sociedade atual, com seus conflitos étnicos no continente africano; as divergências religiosas no embate sangrento entre o islamismo extremista e o cristianismo; o duelo político entre as grandes potências na busca de dominação e projeção global; a disputa econômica separando países desenvolvidos de subdesenvolvidos, entre outros confrontos que, recentemente, levantam bandeiras que transcendem o conceito de Estado e figuram em pequenas minorias – grupos ativistas de liberdade sexual, de uso de drogas e de outras reivindicações.

Logo, pensar e refletir sobre Thomas Hobbes, Tucídides, Nicolau Maquiavel, Hans Morgenthau e outros filósofos da Escola Realista não seria uma prática que se encaixaria apenas na teoria, mas que auxiliaria no correto entendimento do perfil do homem que vive em uma sociedade sem fronteiras, globalizada, a qual, muitas vezes, assiste ao imperialismo das grandes potências de maneira passiva e sem perspectiva de mudança, afinal, impor uma vontade a outros grupos faz parte da política externa de um Estado nacional, pois, ao realizar tal imposição, reflete os interesses de seu povo aos demais, demonstrando força. Desse modo, na maioria das vezes, grandes potências inundam cultural e economicamente países subdesenvolvidos, fazendo deles seu “depósito de cultura de massa e mercado consumidor”.

Em síntese, pode-se afirmar, com propriedade, que várias questões delicadas que flagelam a sociedade atual encontram não só explicação prática, mas também embasamento teórico e doutrinário em antigos filósofos, os quais, mesmo não sendo contemporâneos aos avanços tecnológicos de hoje, também viveram em sociedades conflitantes, pois a humanidade, em todos os tempos, sempre foi propícia à guerra e ao enfrentamento.

Dentro dessa ótica realista, o tema “O estudo do pensamento realista na sociedade atual” traz à tona questões recentes de disputa de poder e de conflito de ideias, que permeiam o homem no século XXI, à luz de pensadores que foram e ainda são referência do pensar e agir em sociedade e que definiram em seus discursos filosóficos o comportamento dos Estados em sua política externa, tornando possível traçar vários perfis da política mundial que se apresenta nos dias de hoje, pois o homem está fadado a conviver em sociedade desde o nascimento até o fim de sua existência.

Para contextualizar, podemos traçar um paralelo com dois discursos de pensadores que se perpetuaram pela história: em seus estudos, o estrategista militar Carl Von Clausewitz (1780-1831) afirmou que, “A guerra é a continuação da política por outros meios”. Já nos pensamentos do filósofo grego Aristóteles (384-322 a.C.), “O homem é por natureza um animal político”.

Partindo dessas duas afirmações, conclui-se que, se o ser humano é por natureza um ser dotado de política – pois a política nada mais é do que a relação em sociedade – e se a guerra configura-se como a continuação da política por outros meios, Clausewitz e Aristóteles, separados por mais de dois mil anos de história, convergem de maneira aterradora para Thomas Hobbes, quando este diz que “A condição do homem é a condição da guerra”.

FONTE: Agência Verde-Oliva/CCOMSEx

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VEIGA 104
VEIGA 104
6 anos atrás

Excelente texto e muito oportuno, parabéns. Se me permite gostaria de fazer uma observação pessoal sobre algumas atitudes ou simplesmente opiniões sobre como “resolver” essa violência sem limites que o país está passando. Primeiro achar que existe solução para ACABAR com a violência já é um erro absurdo, pois o que se busca em uma sociedade desenvolvida são níveis “toleráveis” de violência. E isso se consegue primeiro punindo os crimes , depois o estado ( nós ) , criando meios para o bem estar do cidadão ; educação, saúde,etc. Crimes contra as pessoas sempre existiram e sempre continuará a acontecer. O problema é quando a certeza da impunidade ou a benevolência com o ato criminoso praticamente incentiva a prática criminosa. Escola tem que ser construída para estudantes , para o cidadão que comete crime tem que se construir presídios. Quando um motorista comete uma infração de trânsito ele é multado , ou seja, foi punido pelo seu ato. Nós somos o único país do mundo onde se mata para roubar um celular ou um carro. E aceitamos isso como algo natural. Ressocializar um cidadão que comete crime é simplesmente dar condições humanas para ele pagar ( como a multa de trânsito ) pelo crime. Justificar atos cruéis de criminosos por que havia escravidão no Brasil ou pobreza é não reconhecer que milhares de pessoas não saem por aí matando e roubando. Mesmo em condições adversa a maioria estuda e trabalha seguindo as leis. Lamentável o ponto que chegamos. E acredito que a omissão e falta de iniciativa dos bons está facilitando a ” vitória ” dos maus.

Augusto L
Augusto L
6 anos atrás

Texto realmente muito bom, aqueles que estão à merce dos acontecimentos é uma otima oportunidade de aprender e melhorar seus pontos de vistas e pq não melhorar o senso critico. Obs: apesar de não concordo 100%, é sempre muito bom ler um texto coerente e refleti-lo nos meus modos de ver a sociedade em “big picture”.
De vez em quando, é sempre bom ter um momento “on the rocks”.

Ivan BC
Ivan BC
6 anos atrás

As grandes guerras nem começaram…ainda vai ter muita guerra. A capacidade de destruição de hoje é muito superior as guerras do passado. A segunda guerra foi um pequeno ensaio da capacidade de destruição.
Quanto menos choque entre pessoas melhor, os melhores países do mundo são aqueles onde há harmonia inteira…não falo apenas do ponto de vista cultural, mas sim de todos os pontos de vista. Coesão social é o segredo do sucesso, tão importante quanto um planejamento estratégico em uma empresa, dessa forma, todos sabem o que deve ser feito e em qual direção caminhar.
Como a segunda guerra foi muito marcada pelo aspecto racial/cultural/povos muitas pessoas acham que o multiculturalismo será uma forma de reduzir conflitos, pensamento totalmente errado, fazer guerra por motivo racial/cultura/povos é uma das 100 formas de se fazer guerras (desculpa).
A própria Europa sempre foi uma salada de frutas, povos misturados antes mesmo das fronteiras de países como conhecemos atualmente, nem por isso deixaram de fazer guerras. A Itália é outro exemplo, desde o império romano sempre foi uma salada, no entanto, é um país que sempre teve muito conflito interno, a própria historia de formação nacional da Itália atual é guerra atrás de guerra.
Vamos derrubar as fronteiras do mundo e misturar todo mundo com o intuito de acabar com as guerras kkkkk vai funcionar sim! O máximo que isso vai resultar é na falta de identidade das pessoas, valores compartilhados e falta de coesão social.
O próprio estudo da criminalística e criminologia demonstra a correlação enorme entre coesão social e os crimes, cidade “multiculturais” tem uma tendência enorme de ter crimes, diferente deuma cidade onde todos se conhecem e o visitante é visto com “desconfiança”.

Ivan BC
Ivan BC
Responder para  Ivan BC
6 anos atrás

Agência Verde-Oliva/CCOMSEx, parabéns pelo texto!

DaGuerra
DaGuerra
6 anos atrás

Poderia ter citado outro pensador, Gengis Khan:
” Não há prazer maior para um Homem que matar seu inimigo, tomar suas posses e abraçar contra o peito suas mulheres e filhas”. Daí fico pensando nos prafrentex que defendem o desarmamento e a desmobilização das Polícias e FFAA.

Delfim
Delfim
Responder para  DaGuerra
6 anos atrás

Eu conheço a versão “servir-se do ventre de suas mulheres e filhas”.
2 milhões de asiático atualmente são seus descendentes.

Delfim
Delfim
Responder para  Delfim
6 anos atrás

*asiáticos

Mauro Cambuquira
6 anos atrás

Belo texto. Será que realmente estamos aproximando da data limite?

Artur Paulo
Artur Paulo
6 anos atrás

Ótimo texto

Bruno
Bruno
6 anos atrás

Sobre esse pensamento da condição do homem ser a “condição da guerra”, concordo, e acho que isso se encaixa mais ainda nos dias atuais onde você tem infinitas correntes de pensamento e doutrinação, vivemos hoje num mundo onde arrumar briga é mais fácil do que nunca, você conversa de política num bar pra ver o que acontece, ou num onibus, ou em qualquer lugar onde mais de uma pessoa irá te ouvir, você não pode mais se expressar de maneira alguma sem arrumar no mínimo uma inimizade, porque a ignorância o desprezo pela verdade e o acovardamento tomam conta das pessoas hoje em dia, sabemos que onde não se valoriza o conhecimento e a coragem de se defender o que é correto, geram um perfeito ambiente para a guerra, pois a guerra é justamente a verdadeira apoteose da ignorância, é quando um lado se recusa a pensar e só pode ser eliminado, pois já se esgotaram toda e qualquer alternativa racional, ou quando os dois lados abrem mão do raciocínio e o conflito se torna inevitável.
Com o enorme aumento da guerra híbrida e assimétrica nos dias atuais, através das “redes sociais”, onde uma informação, seja ela verdadeira ou não, se espalha pelas redes mundiais em questão de segundos, inundando a mente das pessoas com uma enxurrada de informações e desinformações constantemente, de modo que ao final do dia uma pessoa comum que durante o dia fez vários afazeres, consumindo apenas trechos dessas informações ao longo de todo o dia, muitas vezes no final do dia acha que necessita ter uma “opinião” acerca de determinado assunto. Então, recapitulando aqui o tema, essa era da “opinião semi-pronta”, obriga as pessoas a ficarem tomando partido de coisa que nem sequer as interessam, então, quando se tem uma massa enorme de pessoas onde cada uma com a sua “opinião” pronta, interagindo umas com as outras, o estado de “guerra no homem” se torna mais intenso, pois numa sala onde se tem vários palpiteiros e ninguém sabe do que está falando, não existe respeito e cada um fará o necessário para emplacar a sua “opinião” mesmo estando errado.
Sendo mais “simplista”, a guerra está no homem, você luta de manhã contra a preguiça ao sair da cama, depois luta pelo espaço dentro do onibus, depois luta pelo espaço no metrô, depois luta contra si mesmo para não arrebentar alguém no trabalho, depois quando se está no restaurante na hora do almoço tem criança mal educada enchendo o saco, e no final do dia você passa por tudo de novo para voltar pra sua casa e chega lá e encontra o “Ricardão” em guerra na SUA cama.
A vida é uma guerra, e o sistema é foda!
Abraços!

Marcel Danton Silva
Marcel Danton Silva
6 anos atrás

Infelizmente nossa “escola” só idolatra pensadores de verve esquerdalha/socialista. Então só “estudam” Platão, Hobles, Santo Agostinho/Igreja católica )Davi Ricardo, Keynes, Adam Smith, que somente enxergam e propõem um ESTADO forte e centralizador para “atenuar essa tal “índole humana” de “egoísmo inerente”.
Esse tipo de literatura só aponta para um lugar….
para ditadura…cria tiranos e infindáveis títeres que SEMPRE almejam o controle absoluto de uma sociedade alegando os mais mentirosos e elaborados argumentos….o COMUNISMO e seus vários disfarces!
Então sigam a máxima de LOCKE, estudo LOCKE, siga a Escola Austríaca de economia/politica. Idolatre e DIFUNDA o economista Schumpeter….. Vamos crescer e sair da mesmice acadêmica brasileira??!!!
O seres humanos são 50% benevolentes e 50% egoístas… OK! Fim de papo. Não confunda benevolência com “Ser TROUXA”…
Egoismo é o que a igreja católica propaga e adjetiva aos cidadãos que NÃO querem serem eternamente enganados pelos vagabundos que se encostam na sociedade.

Marcel Danton Silva
Marcel Danton Silva
6 anos atrás

“”Suas ideias ajudaram a derrubar o absolutismo na Inglaterra. Locke dizia que todos os homens, ao nascer, tinham direitos naturais – direito à vida, à liberdade e à propriedade. Para garantir esses direitos naturais, os homens haviam criado governos. Se esses governos, contudo, não respeitassem a vida, a liberdade e a propriedade, o povo tinha o direito de se revoltar contra eles”” Que direito nós no Brasil TEMOS?!
– à vida!?…Bobagem! Morremos como moscas nas mãos de bandidos que esse nosso governo há 30 anos protegem.
– à liberdade?!…Idiotice!! Somos obrigados a cumprir as normativas emitidas diuturnamente pelos burocratas (Não podemos educar nossos filhos, normas e taxas para comprar farmacinhas, capacetes, cadeirinhas, luvas, armas…não podemos nem reagir ou defender nossas casas.
– à propriedade?! …. Somos escravos e não nos apercebemos…AINDA!!!
VAMOS REAGIR GENTE, POIS A COISA TÁ FEIA.

Delfim
Delfim
6 anos atrás

Este texto deveria ser apresentado em todo curso de Filisofia.
Um tapa na cara de todo filósofo de esquerda.

ROBINSON CASAL
6 anos atrás

O conflito colombiano ceifou 220.000 vidas. Pergunta: a Guerrilha do Araguaia poderia ter nos levado à mesma carnificina ?

https://www.youtube.com/watch?v=AhNGrV1xHyw

Alfredo C. S.
Alfredo C. S.
6 anos atrás

Cada pais tem sua guerra, aqui, por exemplo, lutamos para que o Brasil nao se torne a primeira CLEPTOCRACIA DO MUNDO…pois caso o criminoso nao va para a cadeia graças a intervençao do STF claramente apadrinhado., nao havera esperanças de futuro. Apenas uma guerra civil.

Capa Preta
Capa Preta
6 anos atrás

“O estado natural humano e a barbárie”
G.K.Chesterton

Dr. Mundico
Dr. Mundico
6 anos atrás

Parabéns ao jovem pelo texto, bastante estruturado e pleno de referências e sentido.
Em poucas e rasas linhas, um dos grandes problemas (e virtude!) do ser humano é a sua formidável capacidade (ou instinto) de adaptar-se a tudo, até ao que não presta e lhe é nocivo.
Maquiavel demonstrou que o homem sempre almeja ser mimado e adulado, sendo capaz de trocar sua liberdade por uma falsa percepção de segurança e bem-estar. Eu diria que reside aí o dilema de toda forma de poder : saber “dosar” essa troca entre liberdade e bem-estar. O Fascismo de Mussolini chegou perto disso, mas perdeu-se no rame-rame da politicalha.
Hoje, o que mais se aproxima disso é o modelo russo de Putin, um capitalismo degenerado que vende uma sensação de “grandeza” ao povo russo, esse eterno escravo de czares.
Atualmente, temos a “cartelização” da sociedade em grupos antagônicos e disformes, fenômeno conhecido por “politicamente correto” ou Marxismo Cultural. É a cizânia camuflada e dissimulada que visa perverter os fundamentos e princípios éticos e morais de toda uma civilização. É a tensão aplicada na sociedade que irá gerar o Poder. A coreografia do Marxismo Cultural encobre todo um sistema de desmobilização, corrupção, despistamento, desencontro e falseamento do espírito e da expressão humana. O Marxismo Cultural trabalha com o nocivo, o bestial, o profano, o “não-ser” e com a fraude!
Em poucas palavras, é a descontrução da sociedade sob a forma de falsas tensões e demandas que visam apenas o confronto social tutelado por uma minoria “dirigente”.
Peço desculpa pelas palavras um tanto “filosóficas”, mas esse é um dos pontos centrais dos meus estudos e da minha cátedra.