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Paulo Esteves

Para a política internacional, a criação do Brics foi, provavelmente, a grande novidade da primeira década do século XXI. De fato, foi com o surgimento do grupo que compreendemos que o mundo havia mudado. Mais que isso, o Brics Se apresentava como um dos instrumentos da mudança e apontava seu sentido: a ordem internacional, que tinha como centro os Estados Unidos da América e o eixo de poder transatlântico, ganhava novos polos e eixos de poder. O que podemos chamar de “efeito Brics” é exatamente o descentramento da ordem internacional ou o esvaziamento do seu centro hegemônico.

Bem entendido: o grupo não é um ajuntamento de economias emergentes que devem se ajustar a uma ordem internacional já estabelecida. Ao contrário, o agrupamento nasce reivindicando a reforma das Instituições Financeiras Internacionais (IFIs) e dos mecanismos de governança global. A agenda não deixa espaço para dúvidas. As instituições internacionais criadas sob a hegemonia americana não representam os polos emergentes de poder e tampouco seus modelos de desenvolvimento. Reforma é a palavra de ordem de um grupo que, desde seu nascimento, tem o poder inscrito em seu DNA. Contudo, cabem as perguntas: é o Brics um centro alternativo de poder ou uma força disruptiva da ordem internacional? Será o grupo capaz de contribuir para a construção de uma ordem internacional significativamente diferente?

O lançamento do Banco do Brics (ou Novo Banco de Desenvolvimento – NBD) e do Acordo Contingente de Reservas deve ser entendido sob essa perspectiva. Em primeiro lugar, assinala a consolidação do agrupamento após uma primeira rodada de reuniões de cúpula, que teve início em 2009. Em segundo, é uma reação às dificuldades encontradas nos processos de reforma das IFIs, paralisados em razão da oposição do Congresso americano. Em terceiro lugar, assinala a possibilidade de fomento de modelos de desenvolvimento distintos daqueles difundidos pelo Banco Mundial ou pelos chamados doadores tradicionais. Nesse sentido, ao propor um novo eixo de financiamento do desenvolvimento, o NBD é resultado dessa força descentradora do Brics na política internacional.

Essa terceira dimensão desperta, contudo, sérias dúvidas. Qual é a agenda de desenvolvimento do Brics? Quais são as diferenças entre essa agenda e aquela do Banco Mundial ou dos doadores tradicionais? Como serão tratados problemas clássicos do desenvolvimento internacional, como meio ambiente, inclusão social, desigualdades, direitos humanos, gênero e assim por diante? Essas dúvidas apontam para a inexistência de consenso entre os países do grupo acerca de pontos centrais da agenda de desenvolvimento. Mas apontam também para a dificuldade de transformar o Brics em um centro a partir do qual a agenda de desenvolvimento possa ser articulada. Para além do debate acerca das estruturas de governança do banco, da composição do seu capital, da localização de sua sede ou da indicação de sua presidência (de grande relevância), resta saber o que o Novo Banco de Desenvolvimento entende por desenvolvimento.

FONTE: O Globo

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