Quando o interesse nacional derrota a norma global
Países como China, Israel e Índia só pensaram em si ao avaliar a anexação da Crimeia pela Rússia; ao ignorar a linha histórica de sua política externa, erraram
FAREED ZAKARIA – THE WASHINGTON POST
A agressão russa na Ucrânia teve o efeito de unir as democracias ocidentais, pelo menos ao condenarem energicamente essa ação. Entretanto, em outras partes do mundo, constata e uma variedade de respostas, num prenúncio da grande tensão no panorama internacional do século 21 – entre normas globais e interesses nacionais.
Vejamos, por exemplo, a resposta da Índia, a democracia mais populosa do mundo. Nova Délhi permaneceu calada na maior parte do tempo durante os eventos de fevereiro e início de março, recusou-se a apoiar qualquer sanção contra a Rússia e seu assessor de segurança nacional declarou que a Rússia tem interesses “legítimos” na Ucrânia – o que levou Vladimir Putin a agradecer o favor em telefonema para o premiê indiano.
A reação da Índia pode ser explicada por seus profundos vínculos com a Rússia. De 2009 a 2013, 38% das armas de grande porte exportadas pela Rússia destinaram-se à Índia, muito mais do que as compradas por qualquer outro país (e mais de três vezes o volume exportado para o segundo importador, a China, 12%). Além disso, 75% das armas de grande porte adquiridas pela Índia foram procedentes da Rússia (apenas 7% dos EUA). No mesmo período, a Rússia vendeu à Índia um porta-aviões e um submarino nuclear – o único do mundo exportado naqueles anos.
Além disso, enquanto os EUA retiram suas tropas do Afeganistão, a Índia está consciente de que o Paquistão tentará preencher o vazio, usando como seus representantes o Taleban e outros grupos que frequentemente empreenderam ações terroristas contra indianos. No grande jogo que se desenrola no noroeste asiático, a Rússia costumava apoiar o Paquistão. Ocorre que, hoje, a situação é diferente. Os EUA são inimigos do Taleban e entraram repetidamente em conflito com o Paquistão a respeito da questão do terrorismo, mas os velhos hábitos custam a desaparecer, para todo mundo.
A reação mais curiosa foi a de Israel, a nação mais pró-EUA do planeta. O país, que em geral apoia todas as iniciativas americanas em política externa, está determinado a não apoiá-las nessa questão. O primeiro-ministro Binyamin Netanyahu mostrou-se inusitadamente circunspecto: “Espero que a questão ucraniana se resolva rapidamente e de maneira amistosa, mas tenho suficientes problemas para resolver do meu lado”. O chanceler Avigdor Lieberman foi mais explícito e definiu EUA e Rússia em termos iguais. “Mantemos ótimas relações de confiança mútua com americanos e russos e nossa experiência tem sido bastante positiva com ambos. Portanto, não entendo por que Israel deveria se envolver na questão ucraniana”, afirmou.
Autoridades israelenses explicaram em particular que não querem isolar a Rússia porque precisam de Moscou em seu esforço para fazer frente a inúmeras ameaças – principalmente o Irã, mas também as decorrentes da guerra civil síria. Há também quem acredite que Israel pode criar um relacionamento especial com Moscou, em razão de sua relação com centenas de milhares de judeus russos que emigraram para Israel, onde ascenderam aos mais altos escalões do poder político. Lieberman comentou esta semana, no Brooklyn, que, no futuro próximo, o primeiro-ministro de Israel poderá ser de língua russa. Quando Lieberman se reúne com Putin ou com o chanceler Serguei Lavrov, eles falam russo, primeira língua de Lieberman.
O que não surpreende é que a China também não pretenda condenar nem castigar a Rússia. Mas sua posição tem sido um pouco diferente, recusando se a endossar, de qualquer maneira, as ações de Moscou, enfatizando seu apoio a “independência, soberania, e integridade territorial” da Ucrânia.
Poderíamos afirmar que, nos três casos, os países estão interpretando de maneira equivocada seus interesses nacionais. Uma enorme fronteira separa a Rússia da China e evidentemente Pequim não haveria de querer apoiar a Rússia em suas iniciativas para “corrigir” suas fronteiras pela força. Seria uma loucura para Israel comprometer suas relações com seu mais importante aliado, os EUA, por uma ilusória aliança com Moscou. O fato de Lieberman falar russo não impediu que Moscou enviasse armas ao Irã, à Síria e ao Hezbollah (através da Síria). A Índia, por sua vez, deve querer um relacionamento muito mais próximo com Washington, pois precisa fazer frente à China em ascensão nas suas adjacências.
Além dessas limitadas considerações, há outra bem mais importante. Será que esses países pretendem viver num mundo totalmente governado pela interação de interesses nacionais? Desde 1945, há esforços cada vez maiores para o estabelecimento de normas globais de maior alcance – por exemplo, contra as anexações forçadas.
Nem sempre elas foram obedecidas, mas em comparação como passado contribuíram para um mundo mais pacífico e próspero. Na próxima década, dependendo de como as novas potências emergentes se comportarão, essas normas se fortalecerão ou acabarão se enfraquecendo definitivamente. E essa será a diferença entre a guerra e a paz no século 21. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA
FONTE: Estadão
Muito bem. E o que podemos dizer da invasão americana do Iraque, baseada em mentiras descaradas e que ao final das contas deixou um pais em pedaços, em querra civil e centenas de milhares de mortos? Ah, já sei, são os Estados Unidos, então tudo bem. Liberdade e democracia para todos.
Concernente à Ucrânia, será que realmente acreditam que a Rússia vai deixar os Estados Unidos implantar um governo de marionetas e empurrar a OTAN até os subúrbios de Moscow? Estão cutucando o urso com vara curta.
Ótima matéria de visão geopolítica.
Concordo com o colega acima a Crimeia é russa sempre será e o Urso não vai ser quintal dos Âmis.
I caramba falei contra os Âmis to ferrado…kakakakakak……
Mas que tapa na cara, com nações do porte da Índia e China “apoiando” a Russia na questão da Crimeia, fica difícil , impossível querer apitar sem se encrespar com um dos lados, principalmente com a china que também tem muitas ambições territorialistas, e Israel a nação que eu mais admiro fez o correto, pra que querer brigar com a Russia por um território que sempre foi russo, e só esteve com a ucrânia, por causa do Sr Nikita que achou que fazendo isso ia redimir os crimes de Stalin.
O mundo ultimamente e um lugar perigoso.
Entendi!
Eu entrego algo à alguém a título de qualquer coisa, não importa o quê, mas daqui a dez anos, por motivo qualquer eu quero de volta, então vou lá e tomo.
Se Krushov entregou a Criméia à Ucrania, essa passou a ser ucraniana. Ponto final!
Mas esse filme nós já vimos: nações que se calaram no passado, em seguida pagaram caro, muito caro.
Já no teatro europeu, fica a pergunta: cadê aquela turma toda que utilizou toda a sua força contra a Líbia? Cadê os franceses com seus caças Rafales? Cadê os ingleses, os italianos, os suecos?
A análise que se faz disso só serve para nós mesmos: países tem interesses e os interesses de cada um são somente respeitados mediante força, entenda-se ai uma Força Militar.
Bem isentos os caras!
A invasão do Iraque foi ilegitima, cheira de mentiras, etc, mas a invasão, tomada de território e anexação por parte da Rússia é totalmente legítima.
O negócio é criar um clima anti-Rússia no ocidente!!!
isso não vai dar em nada!!!!
Há muito mais interesses econômicos para as potências econômicas e militares, do que entrarem em conflito por um país de pouca relevância no cenário mundial os próprios britânicos grandes parceiros do EUA já declararam abertamente sua oposição a represálias contra Rússia afim de não afetar os seus interesses.
A Europa está na M… Alemanha, França e também Inglaterra, estão segurando um tremendo rabo de foguete devido as diversas cagalhopanças dos Piigs, ainda vão arrumar problemas por mais um primo pobre e distante que quer entrar na “Grande Família”?
Eu acho que a Europa se arrependeu de comprar essa briga. Porque eles realmente queriam atrair a Ucrânia mais para o ocidente, mas não esperavam que a coisa fosse tomar essa proporção toda e acabar com a Ucrânia “caindo no colo” da UE e ainda tendo que ser “ajudada” com empréstimos bilionários. O resultado disso é o que está se vendo: a UE com imensas dificuldades financeiras, já tendo que lidar com os PIIGS e praticamente “pendurada” na saia da Alemanha e ainda conseguindo mais um problema, que é “ter que ajudar a Ucrânia”. Como será também que Grécia, Itália, Espanha, etc. verão esse súbito caso de amor com a Ucrânia? Países que fazem parte da UE há décadas tendo que mendigar auxílio e fazer ajustes internos seríssimos, cortando na própria carne, como exigência da UE para ajudá-los, mas…de repente surge a Ucrânia, que nunca fez nada pela UE e o dinheiro começa a jorrar para lá sem muitas exigências, apenas para “salvá-la da malvada Rússia”.
Sei lá, não consigo ver a Europa totalmente feliz com essa situação. Mas é aquilo né: com os EUA ajudando, até dá pra UE bancar a potência de novo, o problema vai ser quando os EUA cansarem da brincadeira.
Bem, de qualquer forma, não tem como não admirar a diplomacia da Rússia na questão do “referendo da Criméia”.
Foi uma jogada muito inteligente: se para a UE valeu o referendo das “Falklands”, por quê o da Crimeia não vale? Deixou a UE, no mínimo, numa saia justa.
E no caso do Iraque, os EUA apoiaram esse país por acreditarem que eram anti-soviéticos e foi uns dos países mais progressistas do oriente-médio mas encurtando a história, depois dos ataques ao Kwait e alvos israelenses Saddam acabou assinando sua sentença.
E interviram e saíram obviamente no intuito de manter uma área de influência mas, saíram de lá algo que a Rússia pelo jeito não vai fazer com a Criméia. Aliás se Saddam ainda estivesse no poder, com certeza estaria do lado da Rússia.
O caso da Crimeia destaca muito bem algo que foi contestado nos últimos anos. A Rússia continua a ter peso político no mundo moderno.
Tem uns caras que são tão “apaixonados” pelos russos que se o Putin tiver um surto psicótico e resolver explodir uma bomba nuclear em Kiev, eles vão dizer que a culpa é da OTAN e da mídia ocidental anti-russa.
Tem uns caras que são tão “apaixonados” pelos russos que se o Putin tiver um surto psicótico e resolver explodir uma bomba nuclear em Kiev, eles vão dizer que a culpa é da OTAN e da mídia ocidental anti-russa.
Quem está dizendo isso é vc parceiro!!!!
No meu caso disse apenas que Isso não vai dar em nada!!!!
E realmente há uma campanha anti-Rússia aqui no ocidente, e isso fato!!!!
quis dizer: isso é fato!!!!!
Aqui na Trilogia, se vc comenta alguma notícia sobre os EUA, vc é “imperialista”, “capitalista”, “malvado”, “elitista”, etc.
Se vc comenta uma notícia sobre a Rússia, vc é “russófilo”, “bolivariano”, “antiamericanu”, “comunista”, etc.
Só pra avisar, eu não sou nem um, nem outro. Sou só um leitor do site que eventualmente comenta as notícias postadas pelos donos da Trilogia, sejam elas notícias atinentes aos EUA, à Rússia ou mesmo à Andorra, Antigua e Barbuda, e até mesmo algum enclave em Marte ou Saturno, se for o caso.Sem nenhuma pretensão de ser melhor ou pior que outrem.
Só isso, sem drama rsrsrsrsrs
“Guilherme Poggio
14 de abril de 2014 at 12:23 #
O caso da Crimeia destaca muito bem algo que foi contestado nos últimos anos. A Rússia continua a ter peso político no mundo moderno.”
Poggio, não sei se no MUNDO moderno, eu diria apenas que nos vizinhos.
A Russia faz isso por dois motivos: UE depende do gás russo, e por terem capacidade de lança-las em qualquer lugar do mundo.
Eu diria que ela tem um peso militar local, e apenas no caso de guerra nuclear teria peso militar global.
Um país que depende de outro para criar componentes usados em armas estratégicas, que não tem força expedicionária, e que depende basicamente de commodities não sei se merece ser chamado de ator com peso político global. Mas claro, é apenas a opinião de um leigo 🙂
Senhores,
Claro que cada país vai seguir os seus interesses.
Por falar nisto, o Itamaraty pronunciou-se como?
Com silêncio.
Tudo bem que temos interesses econômicos na Rússia – e não são pequenos – mas será que por benefícios imediatos, não se está abrindo um precedente seríssimo que, no futuro, pode ser usado contra o Brasil?
Afinal de contas, se a Rússia pode invadir e tomar o território de determinado país sob o argumento de defender a segurança de uma minoria étnica (russos), o que impede de, no futuro, alguma potência militar querer colocar as botas aqui dentro para defender alguma minoria, como por exemplo os “coitadinhos” dos nossos índios?
Não teria sido melhor, mesmo que caro, bater o pé para se observar o art. 49 da IV Convenção de Genebra, que proíbe a anexação de territórios por força?
Não que a Rússia fosse mudar alguma coisa, mas ia mostrar que o rei está nú: o direito internacional só vale para os fracos.
Isto só demonstra a bobagem do tal do “softpower”: só o Lula e o Itamaravilha para acreditar nisto.
O Mundo enquanto for Mundo vai funcionar assim:
Na hora do pega para capar, todo mundo saca as armas; quem tiver a arma menor ou não tiver, vai dançar.