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Episódio na Ucrânia deve alterar toda a geopolítica na Europa e nas relações com os EUA

Dmitri Trenin

ClippingO Ocidente e a Rússia navegam em águas desconhecidas. A Crimeia declarou de fato a independência de Kiev. A Rússia interveio para assegurar efetivamente a nova entidade sem disparar umtiro até agora. As forças militares, de segurança e policial da Ucrânia na península foram neutralizadas e muitos dos seus membros declararam obediência à República Autônoma da Crimeia. Em Kiev, o novo governo fala de agressão da Rússia e ordena uma mobilização.

Por outro lado, o Ocidente reagiu suspendendo os preparativos para a cúpula do G-8 em Sochi.O presidente dos EUA, Barack Obama, falou que a Rússia pagaria um preço alto por suas ações e o secretário de Estado americano, John Kerry, expôs uma lista de sanções possíveis e outras medidas contra os russos.

Assim, o pós-Guerra Fria pode ser visto agora, numa retrospectiva, como o período inter-Guerra Fria. Os recentes eventos puseram fim ao intervalo de parceria e cooperação entre o Ocidente e a Rússia que prevaleceu nos 25 anos depois da Guerra Fria. Geopoliticamente, nesse período, verificou-se uma redução em massa do poder e da influência na Europa e Eurásia dos russos, juntamente com o surgimento de novos Estados, muitos deles desligados do histórico Império Russo.

Inversamente, os EUA tornaram-se a potência dominante na Eurásia e a União Europeia (UE), embora não fosse uma grande potência ou mesmo um ator estratégico, transformou-se num ímã econômico para seus vizinhos do leste. A Federação Russa, centro do antigo império, foi basicamente deixada de fora do novo sistema, envolvida numa relação difícil e cada vez mais complicada com americanos e europeus.

O sistema já havia se desgastado do lado oriental por quase toda a sua existência, mas foi necessária uma crise na Ucrânia para levar ao seu claro colapso. A bem sucedida revolução em Kiev, apoiada pelos ocidentais, fatalmente corroeu o delicado equilíbrio entre Rússia e Ocidente, levando a uma tormenta doméstica na Ucrânia.

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Mas, talvez mais importante, ela também marcou o fim da passividade pós-soviética da Rússia. Não se equivoque: as ações de Putin na Crimeia e os poderes que recebeu no fim de semana do Parlamento russo, permitindo-lhe usar a força militar na Ucrânia, fazem que Moscou volte a ser um protagonista ativo na Europa pela primeira vez desde 1989.

Em 1991, a Rússia concordou com o desmantelamento do seu histórico Império e aceitou os limites administrativos ex-soviéticos como fronteiras internacionais, o que deixou cerca de 25 milhões de russos nos ex-países satélites. Mesmo se adicionarmos as dolorosas e sangrentas guerras chechenas, esta foi a dissolução mais pacífica de qualquer império no século 20. A guerra contra a Geórgia em 2008 foi travada pelos russos em resposta ao bombardeio pela Geórgia da Ossétia do Sul, que mataram soldados russos ali instalados.

Mas todos esses acontecimentos, como também as ramificações que causaram no tocante ao Ocidente, são medíocres comparado com o que está vindo agora.O que vai se seguir será “interessante” no sentido chinês: muitos perigos. A geopolítica da nova Europa Oriental será fundamentalmente alterada. Levará algum tempo até a Ucrânia ser reconstituída – certamente sem a Crimeia.

Toda a região do Mar Negro soviético, da Moldávia e Transdnístria até a Abkházia e Georgia, será marcadamente diferente do que aparenta hoje. A Geórgia, outrora uma região sob pressão do Kremlin, voltará a acelerar o processo para o Plano de Ação para a Adesão à Otan, ao passo que a Moldávia poderá descambar para a instabilidade à medida que a coalizão favorável à UE enfrentar uma oposição dos partidários da Rússia. Quanto à Transdnístria, ela gravitará para o sudeste da Ucrânia de língua russa. Mais ao norte, podemos prever com certeza o aumento de pressão para uma permanente, mesmo que simbólica, mobilização de tropas americanas na Polônia e nos Estados Bálticos, como também é certa a entrada da Finlândia e da Suécia na Otan.

As relações entre Rússia e Otan, entretanto, assumirão um caráter mais antagonista, mais familiar. Um impasse militar na Europa não será tão grave como foi durante a Guerra Fria, mas haverá mais certezas do que nos últimos anos quanto a quem é o adversário potencial. Não haverá necessidade, por exemplo, de se falar do Irã quando do aprimoramento dos escudos antimíssil da Otan de bases na Romênia e Polônia ou aquelas no mar. A Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa (OSCE) poderia, na verdade, sair do armário e se tornar uma importante abertura para um diálogo entre russos e ocidentais no campo da segurança.

Quanto a Washington, as relações da Rússia com os EUA eliminarão toda cordialidade que ainda porventura persistir. Não haverá, entretanto, retorno para o confronto olho no olho típico da Guerra Fria; ao contrário, as relações deverão tornar-se cada vez mais frias.

Tradução de Terezinha Martino

Dmitri Trenin – É diretor do carnegie Moscow Center

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Wagner
Wagner
10 anos atrás

PARABÉNS AO PODER TERRESTRE E SEUS EDITORES PELA IMPARCIALIDADE AO POSTAR ESSA E OUTRAS REPORTAGENS.

Agora, de minha parte… falando por mim)

Que essa reportagem seja um tapa na cara daqueles arrogantes ( sao meia duzia de pessoas, todos sabem quem sao, entao não é uma critica generalizante) que tanto ofenderam e xingaram o povo russo nessa Trilogia durante anos.

Xingaram, vociferaram, conspiraram, me xingaram e me escracharam junto…

AGORA MOSCOU ESTÁ VOLTA.

Durmam com isso…

Que ri por ultimo, ri melhor…

joao.filho
joao.filho
10 anos atrás

Realmente, Wagner. Moscow esta de volta, estao entupidos de nukes, muito bem armados, com alto profissionalismo, moral alta e liderança. O Oeste esperava o que? Estavam achando que poderiam derrubar o governo da Ucrania e instalar um governo fantoche, mudar a NATO para la e chutar a Russia pra fora da Crimeia para entao poder dar o golpe de misericordia? Estao pensando que Russia e Brasil? rsrsrs. Nao e bem assim, nao. Agora o urso gigante acordou, achou o Tio Sam no quintal, e esta caçando cabeças. Salvese quem puder…

Reinaldo Deprera
Reinaldo Deprera
10 anos atrás

O império do mal está de volta. George Patton precisa ser alçado à condição de profeta. Deixar os russos tomar Berlin antes dos aliados foi simpático, um gesto em consideração às baixas russas naquela guerra que, foram resultado de uma surra militar retumbante na proporção de 20:1 a favor dos alemães. Mas nada resiste a uma força abastecida de recursos das nações capitalistas, mesmo se o destinatário for uma U.R.S.S, nada resiste. E a Alemanha não resistiu. A foto que ilustra o artigo é bem apropriada para a postura desse regime sanguinário, xenófobo e imperialista. Em plena Era Digital, em… Read more »

Soldat
Soldat
10 anos atrás

Mas a titulo de historia e só para lembrar os Alemães só não venceram a Russia graças ao poder econômicos dos banqueiros internacionais e logico das armas enviadas pelos Americanos e aliados, senão depois da vitoria sobre União soviética a bola de vez seria a rainha concerteza e bye bye bye Inglaterra….

É somente uma opinião histórica ok…

Colombelli
Colombelli
10 anos atrás

Wagner, Convenhamos que tinha formas bem mais elegantes e produtivas de a Russia retornar ao protagonismo mundial do que praticar atos ilegais sob o prisma do Direito Internacional, colocando em grave risco a paz mundial e a humanidade. Sobretudo quando o motivo é pífio e denota puro recalque. E veja, não estou aqui fazendo eco ao discurso do ocidente, pois EUA, França e Inglaterra não tem moral alguma pra apontar o dedo sujo para os russos, especialmente os EUA que invadiram em semelhantes circunstâncias Granada, Panamá e o Iraque. Mas um erro não justifica outro, principalmente um erro que põe… Read more »

Reinaldo Deprera
Reinaldo Deprera
10 anos atrás

Colombelli, com todo o respeito. Comparar a intervenção dos EUA nesses países com as intervenções de países como a Rússia, não é desonesto? Você vai fazer isso mesmo? Sem citar o outro lado em, países com facínoras governando versus democracias relativamente livres, como é o caso da Ucrânia.

Não dá para comparar.

Sniper
Sniper
10 anos atrás

Um dos mais importantes vetores para a interpretacao da alma de um povo eh perceber a sua etica de combate em meio a Guerra. Gostaria de lancar um desafio a todos por aqui de conseguirem ler meia pagina do livro “Uma mulher em Berlim” sem congelar a barriga. Nao fossem suficientes os relatos de perversidade apocalipitca, eh consternador que o homem medio na Russia AINDA HOJE se gabe, entre uma dose (ou garrafa?) de vodka e outra daquelas abominacoes cometidas contra mulheres e criancas de uma cidade (e inumeras outras ja dominadas) Deprera lembrou bem, e, de fato, Paton eh… Read more »

Andre Luiz
Andre Luiz
10 anos atrás

Os alemães bateram em uma cobra sem cabeça que era o exercito vermelho no começo da guerra, da metade pro final tomaram surras homéricas. E não foi por causa da ajuda material americana, que representou nem 10% do empregado pelos russos Ah e os bombardeiros aliados ao parque fabril alemão também não influenciaram em quase nada, ironicamente foi auge da produção alemã, pois a maioria das fabricas estavam no leste ocupado.( com mão de obra escrava) E os russos eram ruins e tocaram o terror em Berlim? Sim, mas os alemães pediram por isso, literalmente. E antes que me interpretem… Read more »

Vader
10 anos atrás

Acho ÓTIMO que os russos e seu líder rasPutin finalmente saíram do armário e resolveram mostrar aos Eurobambis sua verdadeira carantonha. Nada mais do que sempre foram: uma ditadura do mal; a continuidade do governo comunista sob uma roupagem neo-czarista. Antes tarde do que nunca. Ainda dá tempo do Tio Sam e da OTAN reagirem e derrotarem DE NOVO os russos. Até porque essa nova Rússia é basicamente uma URSS recauchutada: até as armas são em essência as mesmas. A única coisa que não mudou é a truculência e o desrespeito pelos mais fracos, que continuam os mesmos… Agora as… Read more »

Vader
10 anos atrás

Ah sim: e pra mim essa Rússia Neo-Czarista ainda é uma URSSinha: basta os Eurobambis pararem de dar dinheiro para ela que ela vai à bancarrota… 😉

Sniper
Sniper
10 anos atrás

Nao entendi essa de “surras homericas”, Andre Luiz.
Ate mesmo na iconica batalha de stalingrado, morreram mais russos do que alemaes, numa partida jogada em casa e com um arbitro “comprado” chamado inverno jogando a favor.

Falar de derrota alema, desprezando o fato inconteste de que, na pratica, o conflito era da Alemanha contra as maiores potencias do mundo cruzando-a por todos os lados, enxergando a contra-ofensiva russa como um fato isolado e independente da enorme catalizacao de material humano e recursos absorvidos em outros fronts, nao eh coerente.

saudacoes

Colombelli
Colombelli
10 anos atrás

Reinaldo Na condição de jurista, que sou, digo que sob o ponto de vista legal, do Direito Público Internacional, as intervenções norte americanas no Iraque, em Granada e no Panamá foram tao ilegítimas quanto a russa. O caso do Panamá por exemplo é emblemático. Se Noriega era um traficante isso era problema interno do Panamá. Se ter bandidos no governo fosse motivo para a invasão deveriam ter agido é aqui. Não nos esqueçamos que o EUA também apoiam regimes não democráticos como a arabia saudita e apoiaram o iraniano antes da revolução islâmica, além de países africanos que também tem… Read more »

Rafael M. F.
Rafael M. F.
10 anos atrás

Colombelli 10 de março de 2014 at 23:23 “dentre elas as fábricas de combustível sintético, ” ###### Eu acrescentaria as fábricas de rolamentos de esferas em Regensburg e Schweinfurt, embora estas tenham tido um custo altíssimo para a 8th AF ###### “Nunca gostei das politicas soviéticas e russas” Quem estudou os pogroms e o holodomor sabe o lado sombrio dos russos. Mas, diferentemente da época soviética, a Rússia de hoje está muito mais integrada à Europa e ao mundo em geral, e Putin não fará nada que possa provocar o afastamento dos investimentos na economia russa – e creio que… Read more »

Andre Luiz
Andre Luiz
10 anos atrás

O problema é que nas relações internacionais vale muto aquela máxima do ” eu quero, eu posso” E o direito internacional e o pacifismo jurídico só funcionam a contento quando é briga de torcida de time do interior. Quanto ao front leste na 2GM os russos eram um rolo compressor que não se importava com baixas. Porem naquela etapa já era uma maquina de guerra tao azeitada quanto as werhmacht . Foi assim de Kursk até Berlim, e os alemães eram constantemente enganados pelas manobras de dissimulação. E caramba, os “gênios” táticos alemães não contavam com o inverno? Só russo/mongol/cossaco… Read more »

Sniper
Sniper
10 anos atrás

Andre Luiz, Sua última postagem foi mais detalhada em alguns pontos que ficaram meio nublados no anterior, ao menos pra mim… Sobre o inverno russo, tanto faz se os gênios (não coloco aspas pois eram estrategistas geniais mesmo…) tinham como prever ou não o rigor do inverno nas regiões invadidas, uma vez que como todos por aqui devem saber, toda essa capacidade tática era multiplicada por ZERO com as incessantes interferências do Fuhrer em todas as operações idealizadas pelo seu generalato. Mesmo que o inverno durante a Operação Barbarosa tenha sido o mais rigoroso de que se tem notícia até… Read more »

Reinaldo Deprera
Reinaldo Deprera
10 anos atrás

Não vou elastecer um assunto que está fora do escopo do artigo. Mas, a única coisa que deve impressionar na participação russa na segunda guerra mundial é na contagem dos mortos. Lutou apenas em um front. Em um TO pouco dinâmico, bem convencional e basicamente terrestre. Enquanto isso, as verdadeiras potencias desdobravam suas forças para 2 ou 3 front, cruzavam o globo caçando o inimigo; dando suporte logístico às suas forças e a de aliados como a U.R.S.S; lutavam a guerra área, marítima e terrestre etc A U.R.S.S não tinha capacidade industrial suficiente, mas a criou ao longo da guerra… Read more »

Colombelli
Colombelli
10 anos atrás

Rafael, primoroso vosso comentário. A impressão que se tem é que Putin está agindo assim por pura birra para querer aparecer, uma vez que a Russia é cada vez mais ofuscada pela China. Sob qualquer outro prisma, a aventura na Criméia é contraproducente. Do episódio, se extrai uma lição ao Brasil: nas relações internacionais, a palavra não vale nada sem a espada. Quem quer começar a roncar grosso e tomar posição, tem que ter mínimo respaldo das armas. O direito internacional vale pouco e nada, e é sobrepujado quase sempre pela força. Porém, isso não o invalida como critério do… Read more »

Rafael M. F.
Rafael M. F.
10 anos atrás

Stalin já queria engolir a Europa desde 1936. Foi a habilidade de Francisco Franco que impediu isso.

Sniper
Sniper
10 anos atrás

Vader,

essa da URSSinha foi simplesmente hilariante kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Abraco

Observador
Observador
10 anos atrás

Senhores, Deixo a discussão sobre a Segunda Guerra Mundial de lado – embora goste muito dela – para me concentrar no tema central: a tentativa da Rússia (na verdade, do Putin) em ocupar o espaço antes ocupado pela União Soviética, seja espaço territorial, militar, geopolítico, ideológico, etc. A União Soviética quebrou econômica e financeiramente e desapareceu por procurar ter um protagonismo mundial para o qual simplesmente não tinha meios para sustentar. Ser superpotência é caro. E foi o mesmíssimo erro que levou ao desaparecimento do Império Russo: querer ser maior do que realmente é. Tivesse o Czar ficado quieto no… Read more »

Vader
10 anos atrás

A Rússia tem mais um problema que os amigos ignoraram, esse sim incontornável: a baixíssima taxa de natalidade.

Em duas gerações a Rússia desaparecerá num mar de imigrantes.

Rafael M. F.
Rafael M. F.
10 anos atrás

^^^Acrescento mais dois problemas: a baixa proporção de homens na população russa – duas guerras e expurgos cobraram seu preço sobre a população masculina – assim como a baixa expectativa de vida, que é de 55 anos nos homens russos, principalmente devido ao alcoolismo.

Ou seja: tem russa sozinha e carente. Quem topa ir para lá?

Observador
Observador
10 anos atrás

Rafael M. F.
12 de março de 2014 at 9:40 #

Rêrêrê…

Para quem gosta de mulher barraquenta, interesseira, de tornozelos grossos e bunda chata, é um prato cheio. O rostinho é lindo, mas não compensa.

Palavra de um amigo meu que andou em Moscou. Inclusive, ele acha que a baixa natalidade de lá é culpa exclusiva da mulher russa, de tão ruinzinha que é.

Neste quesito (mulher), ele diz: prefira sempre o produto nacional.

Rafael M. F.
Rafael M. F.
10 anos atrás

Observador
12 de março de 2014 at 23:29

Você fala das moscovitas. Tive um amigo que morou em St. Petersburg e falou que as mulheres de lá são tão lindas quanto a própria cidade.

Mas dizem que St. Petersburg é a mais ocidental das cidades russas. Deve ser por isso.