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Thomas L. Friedman* – The New York Times/O Estado de S.Paulo

Nos anos 70, fiz tanto meu mestrado como meu doutorado em estudos do Oriente Médio moderno, e posso garantir que em nenhum momento questões ambientais ou climáticas apareceram no programa de meus cursos. Hoje, não se pode compreender o despertar árabe – ou suas soluções em cada país – sem considerar tensões climáticas, ambientais e populacionais.

Estive fazendo uma reportagem sobre a conexão entre a estiagem síria e a insurgência para um documentário para o canal Showtime que irá ao ar em abril, mas recentemente nossos pesquisadores toparam com um telegrama do WikiLeaks que antecipa brilhantemente como as tensões ambientais alimentariam a insurgência.

Enviado em 8 de novembro de 2008 da embaixada americana em Damasco ao Departamento de Estado, o telegrama detalha como, à luz do que era uma estiagem devastadora na Síria – de 2006 a 2010 -, o representante da Síria na Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Abdullah bin Yehia, buscava ajuda da ONU contra a seca e queria que os EUA contribuíssem. Eis alguns trechos importantes: “O Escritório da ONU para Coordenação de Assuntos Humanitários lançou um apelo em 29 de setembro requisitando aproximadamente US$ 20,23 milhões para ajudar aproximadamente 1 milhão de pessoas impactadas pelo que a ONU descreve como a pior seca do país em quatro décadas”.

Yehia propõe usar o dinheiro para fornecer sementes e assistência técnica a 15 mil pequenos agricultores do nordeste da Síria num esforço para preservar o tecido econômico e social dessa comunidade rural e agrícola. Se os esforços da FAO falharem, Yehia prevê uma migração em massa do nordeste. Yehia não acredita que (o governo de Bashar Assad) permitirá que algum cidadão sírio morra de fome, mas o ministro sírio da Agricultura já declarava publicamente: “Enfrentar as consequências econômicas e sociais da seca está além de nossa capacidade como país”.

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O que a ONU tenta combater com o apelo, diz o relatório, é o potencial de “destruição social” que acompanharia a erosão do setor agrícola na Síria rural. Essa destruição social conduziria a uma instabilidade política. Sem assistência direta, Yehia prevê que a maioria dos 15 mil pequenos agricultores será obrigada a partir da Província de Al-Hasakah para procurar trabalho em cidades maiores da Síria ocidental.

Aproximadamente 200 mil dependentes – mulheres, crianças e os idosos e doentes – seriam deixados para trás para viver na pobreza. As crianças provavelmente seriam tiradas da escola para buscar uma fonte de renda para as famílias.

Um sistema já sobrecarregado por uma grande população de refugiados iraquianos poderia não ser capaz de absorver outro fluxo de pessoas desalojadas, explica Yehia, particularmente num momento de custos em ascensão, crescente insatisfação da classe média, e um percebido enfraquecimento do tecido social e das estruturas de segurança que os sírios vieram a esperar e a depender.

Visionário. Yehia foi profético. Em 2010, aproximadamente 1 milhão de agricultores e pastores sírios e suas famílias foram obrigados a abandonar a terra e ir para cidades já sobrepovoadas e mal servidas. Esses refugiados climáticos foram amontoados a 1 milhão de refugiados da guerra do Iraque. O regime de Assad não conseguiu efetivamente ajudar nenhum deles, de modo que, quando o despertar árabe eclodiu na Tunísia e no Egito, democratas sírios seguiram o mesmo caminho e rapidamente encontraram muitos recrutas entre todos os desalojados pela seca.

No último 9 de maio, The Times of Israel citou o geógrafo israelenses Arnon Soffer observando que, nos últimos 60 anos, a população do Oriente Médio dobrou de tamanho duas vezes. Agora, imaginem então o que poderá acontecer se a Síria tiver de enfrentar outra seca após boa parte de sua infraestrutura ter sido devastada pela guerra. “No futuro, quem ajudará um país como a Síria na próxima seca se estamos em um mundo onde todos estão enfrentando algum tipo de furacão Sandy, cuja limpeza custou US$ 60 bilhões?”, pergunta Joe Romm, fundador da ClimateProgress.org.

Assim, para Irã e Arábia Saudita, que estão financiando a guerra por procuração entre sunitas e xiitas/alauitas na Síria, o que posso dizer é que vocês estão lutando pelo controle de uma zona de desastre humano/ecológico em potencial. Vocês deviam estar trabalhando juntos para reconstruir a capacidade de regeneração da Síria, não para destruí-la. Ao dizer isso, estou pregando no deserto. Mas não há mais nada que valha a pena dizer.

*Thomas L. Friedman é colunista.

TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK 

FONTE: O Estado de S. Paulo

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