Brasileiro festeja triunfo sobre grupo no Congo, mas ação da ONU segue

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Tahiane Stochero – Do G1, em São Paulo

Sete meses após ser convocado para comandar a missão de paz da ONU na República Democrática do Congo, a única com autorização para atacar rebeldes, o general brasileiro Carlos Alberto dos Santos Cruz, de 60 anos, comemora o fim do confronto com o Movimento 23 de Março (M23), o maior grupo guerrilheiro do país, que anunciou no dia 5 o encerramento da luta armada.

O trabalho no país africano, em que atuam mais de 80 grupos opositores, no entanto, continua. “Não podemos dizer que o Congo está pacificado”, afirmou ao G1.

“O M23 é apenas um dos grupos, que se evidenciou muito no último ano por ter suporte político e ocupar importantes áreas, como a cidade de Gona, que tem 1 milhão de habitantes. Mas há ainda mais dezenas de grupos armados espalhados pelo país, temos muitos outros para enfrentar agora”, disse o general.

Em abril, G1 divulgou com exclusividade o convite para que o general – que estava na reserva e integrava a Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República – chefiasse os 23,7 mil soldados da Missão de Estabilização da ONU na República Democrática do Congo (Monusco).

Desde que assumiu o posto, Santos Cruz deu aval para que as tropas realizassem operações conjuntas com as Forças Armadas do Congo em áreas dominadas há 18 anos pelo M23. Mesmo ciente das dificuldades, o general afirma que se surpreendeu com violações aos direitos humanos e violência dos insurgentes. Em combate, neste pouco tempo, já enterrou um soldado, um major e um tenente, nenhum deles brasileiro.

“Não posso dizer que esta vitória é uma surpresa. Nós entramos no momento oportuno nas áreas dominadas pelo M23, e o resultado foi positivo”, disse Santos Cruz. “Nossa missão é impedir ataques à população, sem tolerância a agressões. E a missão está sendo cumprida, mas o processo de paz continua”.

Conflito étnico em área de mineração

Os embates na República Democrática do Congo começaram após o genocídio em Ruanda, em 1994, quando cerca de 800 mil pessoas – a maior parte da minoria tusti – foram mortos por extremistas hutus, etnia rival, dando origem a grupos guerrilheiros na região. No período mais sangrento, entre 1996 e 2003, aproximadamente 4 milhões de pessoas foram mortas na República Democrática do Congo. Atualmente, cerca de 80 grupos armados atuam no país – o M23 era o maior, com efetivo de 5 mil combatentes, a maioria de ex-rebeldes tutsis.

Criado em 2012, o movimento luta pelo domínio da rica província mineradora de Norte-Kivu, no leste do país. Em novembro, após uma série de operações conjuntas entre os capacetes azuis da ONU e soldados congoleses, o grupo anunciou que abandonava a rebelião armada, mas que iria “prosseguir, com meios puramente políticos, a busca de soluções” para as suas causas. O M23 quer a deposição do presidente, a quem acusa de fraude eleitoral e de não cumprir com um acordo de paz de 2009, que pretendia reintegrar ex-guerrilheiros ao Exército.

A ONU e o governo de Congo acusam os vizinhos Ruanda e Uganda de apoiar os rebeldes. Os dois países negam colaborar. Um acordo de paz, que deveria ser assinado no dia 11, foi adiado por falta de acordo entre as partes envolvidas.

“Na parte militar, o M23 foi derrotado dia 5, quando abandonaram as últimas bases em Chanzu e Runyonyi. Antes de fugirem, explodiram um paiol de munição. Os últimos combatentes desertaram, alguns se entregaram e muitos atravessaram a fronteira e foram para Uganda e Ruanda”, afirmou o general. Cerca de 1.500 integrantes do M23 fugiram para Uganda.

“O M23 tomou atitudes agressivas e realizou ataques em área urbana, provocando mortes e deixando feridos [nas regiões de Banagana e Chanzu]. Tive que usar a brigada de intervenção para bloquear o acesso dos rebeldes a cidades e neutralizar as armas e posições de onde eles estavam atacando a população”, explicou o general sobre a estratégia usada.

Em março deste ano, após uma série de ataques a civis, o Conselho de Segurança, em uma situação inédita na história da ONU, criou na Monusco uma “brigada de intervenção” – um grupo de 3 mil homens, incluindo Forças Especiais, com aval para “neutralizar” grupos armados, impedir ataques a populares e usar “todos os meios necessários” para recuperar as áreas dominadas pelos guerrilheiros.

‘Não pacifiquei nada

“Eu não fui diferencial nenhum aqui, só estou cumprindo meu trabalho. O comandante é quem dá a intensidade das operações. É eu que corro todos os riscos, seja quando dá certo, seja quando dá errado, pois a responsabilidade de assumir o risco é minha. Não pacifiquei nada”, disse o brasileiro.

“Eu procuro fazer as coisas de forma simples, focar no que precisa ser feito. Se começar a focar na dificuldade, ficar raciocinando na complexidade do problema, acaba perdendo tempo”, afirmou. “Há um planejamento, e temos que colocar em prática. Eu dou o rtimo, de forma mais rápida, ou menos. Mas temos que andar pra frente, a coisa tem que ter dinamismo”.

ONU usando a força

Em relação ao Haiti, onde também comandou tropas, o general afirma que a situação atual é completamente diferente, devido à dimensão do país (86 vezes maior) e à dimensão do problema, que envolve um conflito histórico e étnico. “As raízes e o nível de violência aqui são completamente diferentes. É uma situação muito complexa e está sendo um grande aprendizado, principalmente na experiência do uso da força”.

Entre 2007 e 2009, o oficial comandou as tropas multinacionais no Haiti, onde o Brasil mantém desde 2004 mais de 1,3 mil homens. Na época, liderou a pacificação de Cité Soleil, uma das áreas mais violentas do país caribenho.

Ao criar a brigada de intervenção na República Democrática do Congo, o Conselho de Segurança da ONU afirmou que o caso teria uma “base excepcional” e não criaria precedentes. A decisão foi criticada por vários países e órgãos internacionais, por acreditar que a ONU estaria agindo sem imparcialidade, ao interferir em uma guerra dentro de um país.

“Não dá para dizer que, depois do Haiti e do Congo, esta situação de imposição da paz será feita em outros casos. Não tem como generalizar e achar que haverá um padrão. A ação proativa aqui é importante para defender a população. Isso será estudado lá em Nova York (a sede da ONU) para ver o que é possível fazer em outros conflitos”, afirmou Santos Cruz.

FONTE: G1

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