Espionagem e imperialismo
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Diante da revelação de que vinha sendo espionada pelos Estados Unidos, a primeira-ministra da Alemanha, Angela Merkel, afirmou: “não se faz isso entre amigos”. De fato, entre os amigos existem certas normas não escritas que devem ser sempre obedecidas, senão perdemos o amigo. Mas será que existem Estados-nação amigos? Ou todos os países consideram os demais seus adversários?
Quando eu me declaro nacionalista econômico, muitas vezes as pessoas se surpreendem. Não seria o nacionalismo uma atitude política ou uma ideologia “superada”? Não viveríamos em uma sociedade global na qual os Estados-nação perderam relevância?
Estas são perguntas originárias da ideologia neoliberal e globalista que foi hegemônica no mundo entre 1979 e 2008. Viveríamos em um mundo “sem fronteiras”.
Na verdade, tratava-se de mera estratégia de dominação. Em sua qualidade de potência imperial do nosso tempo, ou de “Hegemon”, como seus ideólogos preferem, os EUA propagaram a tese de um Ocidente democrático e amigo que teria que enfrentar alguns “inimigos” necessários -antes, a União Soviética (o que fazia algum sentido), hoje, a Rússia e a China.
A espionagem realizada pela NSA é uma evidência do quão absurda é essa tese. Revela mais uma vez o nacionalismo dos americanos e seu governo. Os EUA estão voltados para seus próprios interesses -os de sua “segurança nacional”, que justifica tudo, e os interesses das grandes empresas, a base de sua riqueza.
Diante da espionagem americana revelada por Edward Snowden (um “traidor”, segundo os EUA), os demais países, principalmente os europeus, supostamente os “amigos íntimos”, se declararam indignados. Mas nada fizeram, diferentemente da presidente Dilma Rousseff, que cancelou sua visita de Estado aos Estados Unidos. Nada fazem porque sabem qual é a regra do jogo.
Esta regra é a do interesse nacional, do “realismo”, que justifica inclusive a espionagem generalizada.
Quando a competição entre os Estados-nação é uma relação entre iguais, a expressão “realismo” é suficiente. Quando é entre o poderoso e o fraco, precisamos falar de imperialismo por parte do dominante e de nacionalismo por parte daquele que está ameaçado de dominação.
Os grandes países europeus pensavam-se iguais aos Estados Unidos. Na verdade, sempre que a relação é entre o forte e o fraco, há imperialismo, e a única forma de contê-lo é o nacionalismo: é a nação se unir diante das pressões da potência imperial; é a nação não se submeter ao mais forte.
Hoje só existe uma potência imperial mundial: os Estados Unidos. As demais são regionais. A França é imperial em relação ao Norte da África e ao Oriente Médio. O Brasil e a Argentina são imperiais em relação ao Paraguai e à Bolívia.
O imperialismo de uns e o nacionalismo necessário de todos não impede a colaboração entre as nações e a construção de instituições internacionais sólidas. A regra não é apenas competir; é competir e colaborar. Mas a solidariedade necessária entre os seres humanos não pode ser confundida com dependência ou subordinação.
Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor emérito da Fundação Getúlio Vargas, onde ensina economia, teoria política e teoria social. É presidente do Centro de Economia Política e editor da “Revista de Economia Política” desde 2001. Foi ministro da Fazenda, da Administração e Reforma do Estado, e da Ciência e Tecnologia. Escreve a cada duas semanas, aos domingos, na versão impressa de “Mundo”.
FONTE: Folha de São Paulo
Me dá arrepios quando acadêmicos usam termos FORTES como IMPERIALISMO e NACIONALISMO de forma tão simplória, até irresponsável.
Me pergunto pq ninguém da imprensa ou da academia não levanta a questão de se “FAZER O DEVER DE CASA”?
Por que ninguém levanta a bola de que: Se vc quiser latir, antes vc tem que ter dentes e estar disposto a usa-los.?
Sds.
Parei de ler o artigo quando vi o nome desse senhor.
Cansei dos teóricos extremamente hábeis para escrever, traduzir livros e dar aulas mas, que quando são convocados para colocar a mão na massa deixam tanto a desejar que nem parecem que foram autores de alguma coia algum dia, principalmente na área econômica.
Vide atualmente o atual ministro da educação, sempre em evidência como economista mas nunca chamado para ocupar um cargo no governo nessa área e o atual ministro da economia que dispensa apresentações.
Eu também cansei de alguns teóricos Antônio. Um deles é o FHC, sociólogo que, questionado sobre as divergências entre seus escritos e suas atitudes quando presidente teria proferido: “Esqueçam o que eu disse; esqueçam o que eu escrevi”. Tem tamanho hábito de negar o passado que nega até a autoria dessa frase.
De resto, apesar de não endossar o governo Dilma, não acho errado o cancelamento da visita naquele momento. A visita é interessante e importante mas naquele momento não teria sido nada menos que ridícula.
Mayuan,
desculpe, mas o cidadão que desdiz o passado quando muda de situação prova pelo menos duas coisas:
1. A primeira é que é realmente muito fácil ser pedra, duro mesmo é ser vidraça. O PT dia após dia queima a língua, nesses 12 anos de governo, embora sempre tente querer fazer os outros acreditarem que eles é que estão certos, porque fazem a mesma coisa com “verniz social”
2. As pessoas amadurecem e podem mudar de opnião. O que não pode, é uma vez voltando a ser oposição, querer voltar à velha ladainha, como se nada tivesse acontecido.
Erabreu, Não há necessidade de desculpas. Acho que você tem razão e que as pessoas realmente tem o direito de ter opinião e de mudar de opinião. Só que, dependendo do grau da virada radical fica bem feio pra quem a faz. Observe que nesse bolo coloco tanto FHC quanto Lula e Dilma. De fato é muito fácil ser pedra e muito difícil ser vidraça. Eu nunca espero perfeição de nenhum político e nenhum partido por saber que eles nunca se propõe a isso. Lula e Dilma de fato de fato procederam da mesma forma que FHC ao dizer e… Read more »