Entrevista da Segunda: Adilson Paes de Souza, 49
LAURA CAPRIGLIONE MARLENE BERGAMO DE SÃO PAULO
O tenente-coronel Adilson Paes de Souza, 49, passou 28 anos na Polícia Militar do Estado de São Paulo. Há um ano, apresentou dissertação de mestrado em direitos humanos na Universidade de São Paulo, elaborada sob orientação do jurista Celso Lafer. A experiência vivida “de dentro” somada ao ferramental acadêmico resultou em um diagnóstico sombrio: “O modelo de segurança existente não funciona mais.”
Na semana que vem, Paes de Souza, na reserva desde 2012, lançará o livro “O Guardião da Cidade –Reflexões sobre Casos de Violência Praticados por Policiais Militares” (Escrituras, 222 páginas, R$ 35), em que expõe sua explicação para os repetidos casos de violações aos direitos humanos cometidos por PMs: “Soldados garantiram que o homicídio do marginal ainda é visto como uma importante arma de trabalho. Eles chegaram a declarar que se fossem impedidos de matar, ficariam sem condições de trabalho”.
Folha – Qual a causa dos violentos protestos contra a atuação da PM, vistos recentemente em São Paulo e no Rio?
Adilson Paes de Souza – A sociedade, em grande parte, está dizendo: esse modelo que está aí não é eficiente. E está dizendo isso de uma maneira violenta. Ela não tem mais a quem recorrer. Não estou dizendo com isso que a violência seja um modo legítimo de responder à violência [policial], mas sim que esta talvez seja a única maneira de ela se sentir ouvida e notada.
Como um rapaz de boa índole sai da escola da Polícia Militar e transforma-se em um assassino de grupo de extermínio?
Entrevistei soldados envolvidos com grupos de extermínio. Eles não acreditam no sistema. Perguntam-se: Por que eu vou levar um sujeito preso para a Polícia Civil se eles serão soltos em seguida mediante o pagamento de propina? Eu me arrisco, levo para delegacia e ele é solto? Eles tomam a decisão de prender, acusar, sentenciar e matar.
Como esses policiais lidam com o assassinato?
O homicídio do marginal é visto como uma importante arma de trabalho. Eles chegaram a declarar que se fossem impedidos de matar, ficariam sem condições de trabalho. É a lógica da doutrina da Segurança Nacional, segundo a qual estamos lidando com inimigos. E o inimigo no campo de batalha você tem de aniquilar.
Como se chega a isso?
Eles disseram que antes da prisão eram tidos como exemplo de bons policiais. Linha de frente. “Eu era premiado como policial do mês. Ganhei medalha”, ouvi de um deles. E, de repente, estavam presos. Eles não entendiam.
O senhor está dizendo que eles recebiam incentivos para serem violentos?
Se não se falava abertamente “pode matar que eu seguro, eu acoberto”, havia o estímulo por vias indiretas, premiando o policial violento. Mas o governo não admite isso. Toda vez que acontece uma tragédia, e que isso é descoberto (hoje muito mais do que antes, porque todo mundo está gravando e filmando tudo), quando vaza e dá no “Fantástico”, por exemplo, a polícia diz que é uma “falha individual”.
E não é?
O problema é que temos muitas “falhas individuais”. Várias por dia. A partir do momento em que eu digo que é uma “falha individual”, estou admitindo que o sistema é perfeito. E isso gera um descrédito enorme na polícia. A sociedade diz: “Mais uma falha individual?” E a quem interessa o crescente descrédito da polícia? A gente perdeu o referencial histórico do que vem a ser autoridade.
Exercer a autoridade virou ser truculento, arbitrário, brutal. Isso é uma forma totalmente errada de traduzir o que significa a verdadeira autoridade. E o problema é que quando se sedimenta essa incompreensão da autoridade, entramos na fase do “todos contra todos”.
O que o senhor acha dos programas policiais vespertinos?
Longe de querer fazer censura à mídia, eles carecem de responsabilidade. Associam truculência e arbitrariedade com o exercício de autoridade. Eu queria que fôssemos capazes de ficar transparentes. E assim, transparentes, entrássemos nos quartéis. Em qual canal todas as televisões estão ligadas? Nos canais desses senhores. O efeito terapêutico dessas falas nos policiais militares é terrível. A ponto de a população temer a polícia e não respeitá-la.
Por que não se consegue resolver a crise da segurança pública? Bogotá, com problemas de guerrilha e narcotráfico parece ter solucionado o problema…
Porque falta vontade política. É um assunto que num primeiro momento não vai render muito voto, já que os resultados demoram um ou dois anos para aparecer. Agrava a situação o fato de mexer com lobbies poderosíssimos, como o lobby das empresas de segurança privada –quanto mais grave for a situação da segurança pública, mais eu faturo na segurança privada.
Muitas organizações sociais defendem a desmilitarização da PM. O que o senhor acha disso?
É um tema que provoca reações bem fortes. Os fatos comprovam que o modelo de segurança existente não funciona mais. Dados da Secretaria de Segurança Pública mostram que apenas três em cada cem inquéritos de crimes violentos resultam em condenação. De outro lado, a PM de São Paulo matou em cinco anos mais do que todas as forças policiais de segurança norte-americanas. Se eu tenho de um lado uma comprovada ineficiência e do outro lado uma comprovada brutalidade, eu tenho de mudar. Mas isso não pode ser feito pela mera subordinação da PM à Polícia Civil, como se esta fosse modelo de respeito aos direitos humanos.
O ministro Gilberto Carvalho disse que os “black blocs” têm de ser entendidos e ouvidos. Qual a sua opinião?
Eles têm de ser entendidos, sim. Não quer dizer que não devam ser reprimidos. Mas o que leva um grupo de pessoas a se reunir e praticar esse tipo de ato? Será que ao não prover os direitos sociais básicos previstos na Constituição o Estado também não auxiliou esses grupos a surgirem? Foi com esse tipo de diálogo que se avançou na Colômbia. E isso não é coisa de esquerda. Quem fez isso na Colômbia foi um governo de direita com forte apoio norte-americano. Eles viram que o modelo de repressão pura e simples não estava dando certo. Era morte para tudo quanto é lado. Quando se cansaram da mortandade, a solução começou a surgir.
FONTE: Folha de S. Paulo via Resenha do Exército
Respeito a opinião do coronel mas, o caso da Colômbia não é tão simples assim.
Ao adotar formalmente a postura de aliado aos EUA, a Colômbia ganhou muitos mais críticas e desafetos da maioria da AL e Central ao se aliar ao “grande satã do norte”. Depois foram anos e anos, gastou muita bala contra a guerrilha, houve a questão dos sequestros por parte das FARCs, dos ataques que mataram importantes lideranças da guerrilha que sempre respondeu a altura. Somente depois de um tanto combalida, um tanto desmoralizada principalmente por causa dessas mortes de líderes importantes e do resgate de Ingrid Betancourt que mais recentemente o novo governo acenou com o dialogo e eles cederam a isso mas, na minha opinião algo temeroso pois esse tempo poderia dar fôlego a guerrilha para se fortalecer novamente.