Operação na Somália revela limites da elite militar dos EUA
Captura de suspeito foi impossibilitada por possível traição
O capítulo mais recente dos esforços do presidente Obama para combater a Al Qaeda e organizações ligadas a ela foi a história de duas operações militares, uma que deu certo e outra que fracassou.
A captura de Nazih Abdul-Hamed al Ruqai, mais conhecido como Abu Anas al-Libi, diante de sua casa em Trípoli foi uma vitória que os EUA buscavam havia muito tempo. Mas o fracasso de uma missão na Somália enfatizou as limitações do poderio americano, mesmo no caso de uma de suas unidades militares mais célebres.
Graças em parte à operação da Equipe Seis dos Seals (equipes de mar, ar e terra da Marinha americana) em 2011 em que Osama bin Laden foi morto, muitos americanos se acostumaram a assistir a triunfos das forças especiais americanas, vendo-as como substituto das operações militares em escala mais ampla que caracterizaram as guerras do Iraque e do Afeganistão. Os resultados obtidos recentemente em dois pontos do norte da África destacaram as incertezas e os perigos de qualquer forma de guerra.
Representantes da administração reconheceram o fracasso da operação na Somália. “Ela não alcançou seu objetivo”, disse um funcionário, exigindo anonimato para comentar o assunto. Os EUA estão tentando, segundo ele, decifrar quem traiu quem.
Militares veteranos disseram que os resultados contrastantes refletem os desafios do contraterrorismo. “É difícil pensar em uma missão mais complexa que uma operação anfíbia em território fortemente controlado pelo inimigo”, disse o general Carter F. Ham, chefe aposentado do comando militar dos EUA na África. Apenas um dos alvos foi capturado, mas nenhum americano saiu ferido. “A realidade é que não existe sucesso de 100%, a não ser no cinema. Foi um dia melhor que a média.”
As operações aconteceram num momento em que Obama está tentando retirar tropas do Afeganistão e reduzir o uso prolífico de ataques com “drones” (aviões não tripulados) na guerra ao terror, algo que vem caracterizando sua Presidência. As operações na costa africana também mostram que o terror está se afastando geograficamente de seus epicentros no Oriente Médio e no sul da Ásia.
Elas podem também ter criado outro precedente, na medida em que os EUA deixaram claro que têm pouca confiança nos serviços de segurança líbios. “Essa parece ser a primeira operação unilateral realizada sob autoridades militares para capturar alguém fora de zonas de guerra ou lugares sem governo, como a Somália”, disse Jeremy Bash, que atuou como chefe do Estado-Maior no Pentágono e na CIA sob Obama.
Para Washington, porém, a Líbia hoje é, em grande medida, um espaço sem governo. Bash disse que é possível que partes do governo líbio tivessem conhecimento da operação, não obstante os protestos oficiais. Mas, afirmou, “nossos interesses nem sempre estão alinhados com os deles. Às vezes precisamos agir porque falta a eles a disposição, a capacidade ou as duas coisas”.
A operação na Líbia tem suas origens em 2012, segundo um funcionário da administração. Indiciado em 2000 por sua atuação nos ataques contra embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia em 1998, Libi era um alvo cobiçado.
A operação na Somália foi idealizada mais recentemente. Até agora, a administração vem dependendo de tropas de outros países africanos para combater as forças do Al Shabaab na Somália. Mas o ataque de setembro num shopping center de Nairóbi levou alguns setores do governo a reavaliar a capacidade do Al Shabaab de semear o caos fora da Somália.
Em termos de relações diplomáticas, a ação na Somália foi decidida com mais facilidade. “No caso de uma operação na Somália, a preocupação é menor, pois já existe uma infraestrutura estabelecida e muita cooperação no combate ao Al Shabaab”, disse o funcionário da administração. “No caso da Líbia, com um governo novo e frágil, as preocupações eram diferentes e muito reais. Tivemos que pesar os riscos e benefícios disso para o governo e para a situação de segurança de nosso pessoal em campo.”
Na Líbia, a administração ainda está procurando os responsáveis pelo ataque do ano passado à representação diplomática americana em Benghazi, no qual o embaixador J. Christopher Stevens e outras três pessoas morreram.
Na Somália, de acordo com um funcionário americano, os Seals procuraram um comandante do Al Shabaab conhecido como Ikrimah. Este teria ligações com dois agentes da Al Qaeda envolvidos nos ataques às embaixadas em 1998, além dos ataques de 2002 contra um hotel e uma companhia aérea em Mombaça, no Quênia.
Um porta-voz do Al Shabaab disse que os militantes foram avisados de antemão da chegada dos Seals. Após uma troca de tiros, os Seals foram obrigados a abandonar o local. Autoridades em Washington disseram não ter certeza se a unidade tinha matado o alvo que deveria capturar, mas que isso parecia pouco provável.
FONTE: The New York Times, via Resenha do EB (tradução da Folha de São Paulo)
FOTO: USN (meramente ilustrativa)