vinheta-clipping-forte1O combate global para acabar com a pobreza ficou mais militarizado nos últimos anos. Embora os países ricos tenham ficado ainda mais ricos, a proporção da ajuda que eles dão para os mais pobres diminuiu em relação ao que suas economias produzem, segundo o relatório Investimento para o Fim da Pobreza, da ONG Development Initiatives.

O estudo mostra que os países em desenvolvimento recebem transferência bilionárias dos mais ricos através de diversos meios, que vão das remessas feitas pelos imigrantes aos seus países de origem (US$ 343,4 bilhões) passando por investimentos militares (US$ 211,4 bilhões) e pela chamada Ajuda Oficial ao Desenvolvimento – uma nomenclatura usada para definir quando o objetivo exclusivo da atividade é o de estimular o desenvolvimento e o bem-estar de um país.

Módica em relação aos investimentos militares e às remessas, a Ajuda Oficial – que inclui ambiente, educação, saúde, entre outras – assistiu a um crescimento significativo do componente de Governança e Segurança, mostra o relatório.

Os gastos com o setor de governança e segurança cresceram 136% entre 2002 e 2011, em comparação com 78% do total da ajuda oficial para o desenvolvimento. Em 2011, do total de US$ 148,7 bilhões investidos nesse tipo de ajuda, US$ 17,4 bilhões foram em Governança e Segurança.

Os dados do relatório foram apresentado na abertura da 68ª Assembleia Geral das Nações Unidas, que tem como tema principal de sua pauta este ano decidir sobre quais serão as políticas e metas para fazer do mundo um lugar melhor para se viver – com erradicação da miséria, controle de poluentes e objetivos gerais para a saúde dos 7 bilhões de habitantes do planeta. Essa discussão foi batizada de “pós-2015”, ano em que vencem os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

O documento busca, principalmente, identificar os investimentos feitos pelos países ricos para ajudar os mais pobres.

Segurança para combater a miséria

Com o crescimento da última década, a modalidade de governança e segurança passou a liderar, em conjunto com a saúde, a maior proporção do que realmente é enviado como assistência ao desenvolvimento.

– Providenciar segurança e estabilidade pode ser essencial para tirar as pessoas da pobreza e evitar que elas voltem à miséria novamente. Nos países afetados por conflitos, a assistência oficial ao desenvolvimento vai ser frequentemente necessária, seja como ajuda humanitária ou em outras formas, inclusive às vezes em colaboração com o setor militar – afirma Mariella Di Ciommo, uma analista da ONG que desenvolveu o relatório.

Entre esses investimentos de ajuda estão, por exemplo, a estruturação de um Judiciário mais eficiente e a formação de forças policiais e de segurança. A maior parte dos recursos não vai para o setor público, mas para organizações multilaterais ou do terceiro setor que podem transferir esses recursos para o Estado ou contribuírem com projetos próprios.

Di Ciommo afirma que o relatório não busca fazer uma avaliação de qual forma de ajuda é a melhor. Segundo ela, provocar uma discussão sobre como a ajuda ao desenvolvimento é organizada é crucial para que mundo consiga erradicar a miséria, ou diminuí-la ao máximo.

Líderes globais discutem eliminar a pobreza até 2030. A estimativa mais pessimista é de que haja 1 bilhão de miseráveis no mundo nessa data, e, a mais otimista, de 108 milhões. A ONG de Di Ciommo, entretanto, se mostra otimista e afirma que é possível acabar com a pobreza extrema de vez, mas que é preciso, para isso, conduzir os recursos com esse objetivo. Atualmente, cerca de 1,25 bilhões de pessoas vivem em pobreza extrema, com menos de US$ 1,25 por dia.

Interesse humanitário e militar

Fernando Luz Brancoli, mestre em Estudos Estratégicos que pesquisa a a indústria militar privada americana na Guerra do Afeganistão, afirma que os últimos anos viram uma crescente mistura entre ações militares e humanitárias.

Segundo ele, isso ocorre por dois motivos. Primeiro, porque o componente militar é visto como solução para os mais variados problemas, que vão de refugiados ao acesso à água. E, segundo, devido ao aumento da percepção de que os inimigos são atores não estatais que não podem ser derrotados exclusivamente pela força dos exércitos, mas podem, por exemplo, ser vencidos pelo combate à pobreza.

– Isso faz, por exemplo, que militares americanos sejam, hoje, responsáveis pela construção de escolas, hospitais, programas de vacinação e treinamento de tropas locais. O mais interessante é que essas verbas provêm de múltiplas fontes, que muitas vezes se sobrepõem: o mesmo ator, um militar, está atuando em campanhas de saúde e treinando tropas locais. Isso seria humanitarismo ou auxílio de segurança? – questiona Brancoli.

Ele lembra ainda que a Líbia dos anos 2000, com Muamar Kadafi ainda no poder, recebeu financiamento expressivo de países europeus – caracterizado como ajuda para o desenvolvimento – que foi convertido em estruturas para supostamente impedir que migrantes africanos saíssem da Líbia rumo à Europa.

Atualmente, a República Democrática do Congo e Afeganistão, dois países que enfrentam grupos não estatais armados, estão entre os que mais recebem ajuda oficial para o desenvolvimento.

Comércio global mais justo e educação

Apesar disso, há cada vez mais dinheiro para acabar com a pobreza e um certo consenso global de que a miséria não é uma consequência da escassez, mas um problema de identificação e de distribuição de recursos. Porém, se em 1960 os países doadores enviavam 0,5% de seus PIBs para a ajuda, em 2012 esse percentual não chegou a 0,3%. A participação começou a cair no início dos anos 1990 e voltou a crescer, lentamente, após 2001, indica o relatório

O presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais, embaixador Luiz Augusto de Castro Neves, acredita que o fenômeno pode ser entendido como um reflexo do fim da Guerra Fria, quando a ajuda para o desenvolvimento era para que “o país não passasse para o outro lado”.

Ele entende que o atual cenário é de instabilidade e imprevisibilidade, o que leva os países a buscarem um aumento de sua segurança e ofereçam ajuda nessas condições Mas alerta que os dois temas estruturais são educação e um comércio global mais justo.

Nenhum país do mundo se desenvolveu com base na ajuda. Todos tiveram que investir pesadamente em educação. O grande desafio é colocar todo mundo como parte do processo produtivo mundial.

FONTE: EXTRA

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