Luiz Guilherme Gerbelli, de O Estado de S.Paulo
augusto_nardes_rdax_187x281O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Augusto Nardes, diz que a falta de gestão pública é o grande gargalo para o desenvolvimento do Brasil. No dia 8 de outubro, o órgão vai assinar um acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para facilitar a contribuição do TCU e de entidades de fiscalização de diversos países no fortalecimento da boa governança. A seguir os principais trechos da entrevista concedida ao Estado.

Como o sr. avalia a gestão pública no País?

Augusto Nardes: O grande gargalo do desenvolvimento brasileiro é a gestão pública. Existem algumas instituições com grande dificuldade de entregar um produto para a sociedade, como uma boa educação e uma boa saúde, por exemplo. Inclusive, nesse sentido, o Tribunal de Contas da União (TCU) está fazendo uma auditoria em conjunto com 30 tribunais de Conta dos Estados e municípios. Nós planejamos em dezembro do ano passado uma auditoria sobre a questão educacional para mostrar os gargalos da gestão pública brasileira. Para isso, montamos um planejamento em todo o Brasil. Neste ano, portanto, estamos focando em educação e também no meio ambiente em toda a Amazônia legal. São nove Estados. Isso se chama auditorias coordenadas.

E o que vocês estão percebendo?

Augusto Nardes: O que estamos vendo nas áreas de conservação ambiental é que existem gargalos imensos, mas não é só nessa questão. Ela se dá em toda a estrutura brasileira, seja na área ambiental, de saúde ou na educação. O tribunal faz todos os anos uma avaliação das obras públicas mais importantes do País, chamada Fiscobras. Nós apontamos quais são os problemas mais sérios. O Fiscobras dá um retrato da gestão pública brasileira. Por exemplo, 53% das obras analisadas no ano passado têm problemas de falta de projeto básico, não têm um planejamento adequado. Dos indicadores de obras, 52% delas têm sobrepreço por causa da falta de um bom projeto-base e, como consequência, os preços sempre estão muito mal planificados.

Qual é a evolução que o tribunal está fazendo diante desse cenário?

O tribunal faz anualmente o relatório das obras públicas e mostra para o Congresso quais são as que têm problema. Agora, vamos fazer anualmente um relatório também com a educação, se os indicadores estão evoluindo. Por isso, chamamos os 30 tribunais. Estamos fazendo tudo isso com eles. Para isso, nós treinamos os tribunais dos Estados e municípios para trabalhar conosco. Vamos ter uma fiscalização não somente das obras, e essa é uma grande evolução do tribunal, de partir para a especialização da gestão pública. Nós também já procuramos a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, e a da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, porque estamos assinando em 8 de outubro um acordo de cooperação com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O que prevê esse acordo?

Augusto Nardes: O objetivo do projeto com a OCDE é facilitar a contribuição do TCU e das demais Entidades de Fiscalização Superiores dos países participantes (Estados Unidos, França, Canadá, Chile, África do Sul, Coreia do Sul, Índia, México, Polônia e Portugal), além da Comunidade Europeia, no fortalecimento da boa governança e da sólida gestão pública por meio de seu trabalho de auditoria e aconselhamento. O estudo fará uma análise das boas práticas internacionais de governança pública, para compreender como as entidades superiores podem contribuir para o fortalecimento dos processos de formulação, implementação, monitoramento e avaliação de políticas públicas. Ao mesmo tempo, esse conjunto de boas práticas pode ser aproveitado mais diretamente pelo poder executivo, criando condições para o aprimoramento imediato das condições de governança em torno da ação de governo destinada à sociedade. Assim, tanto o Brasil pode aproveitar as melhores práticas dos outros participantes como servir de espelho para os demais países em determinada política.

De quem partiu a iniciativa com o convênio da OCDE?

Augusto Nardes: A iniciativa partiu do TCU. Vamos aplicar isso em todo o Brasil e fazer uma avaliação do desenvolvimento em cada Estado, sobre as boas práticas de governança. Nesse evento, de 8 de outubro, estou convidando os governos estaduais e alguns municípios com melhores práticas paras eles serem observadores desse projeto. E, como assumimos a presidência da Organização Latino-Americana e do Caribe de Entidades Fiscalizadoras Superiores (Olacefs) – o Brasil assume a presidência pela primeira vez -, vamos lançar no ano que vem para toda a América Latina. Já estamos fazendo algumas auditorias na área de petróleo com países da América Latina, e o TCU coordena tudo isso para ver onde é que vai o dinheiro do petróleo.

O Brasil é o primeiro país a ter esse tipo de projeto?

Augusto Nardes: É o primeiro país a levar esse projeto da OCDE em termos de auditorias coordenadas com Estados e outros países. No projeto sobre a educação, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) está dando o apoio. Para poder responder a questão do Brasil, é necessário melhorar a cultura do planejamento e trabalhar a quatro mãos para desatar o nó da burocracia do Brasil, que dificulta o desenvolvimento da nação. Infelizmente, o Estado brasileiro está ainda num estágio analógico, enquanto a sociedade está num momento digital. Por isso, ocorreram as manifestação. O Estado tem dificuldade de responder. E eu não estou acusando o governo federal ou os estaduais. Estou falando do Estado como um todo.

Por que existe a falta de cultura da gestão pública no Brasil?

Augusto Nardes: Por falta de padrões de governança e de planejamento. O planejamento não funciona a médio e longo prazo. Infelizmente, os governantes nos três níveis (municipais, estaduais e federal) têm um mandato com muita pressão e se preocupam em resolver os problemas do dia a dia. Nós últimos cinco anos, nós tivemos uma economia de trabalho preventivo de R$ 102 bilhões. Somente com a intervenção na Copa do Mundo – sem deixar parar a obra -, fizemos uma economia de R$ 650 milhões. Hoje, com a estabilidade econômica já podemos pensar tanto no curto, médio e longo prazos. É por isso que o TCU tem trabalhado no projeto de governança com os três níveis com as auditorias coordenadas. Não é um projeto para curto prazo, é para médio e longo prazos.

Como se combate o mau gestor?

Augusto Nardes: Na última eleição, nós entregamos para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) 6,8 mil condenados que não tiveram as contas aprovadas. Esse número é bastante alto, e nele estão incluídos governadores, ministros, parlamentares, senadores, prefeitos. Ou seja, todos os gestores públicos, não somente no nível do legislativo. Isso mostra que no caso da má gestão falta, além de planejamento, o conhecimento. Muitos prefeitos não estão bem assessorados, preparados. Falta uma cultura de planejamento e a concentração do poder em Brasília, sem uma discussão de um pacto federativo, nos leva a centralizar muito o poder e, como consequência, isso cria um elo maior de burocracia no País.

O recente fracasso do leilão da BR-262, a lentidão para o governo colocar os projetos de concessão de pé, e a ausência de grandes empresas no leilão de Libra podem estar relacionados com a falta de projetos base de qualidade?

Augusto Nardes: A qualidade dos estudos de demanda, de engenharia, ambientais e econômico-financeiros é peça-chave para o sucesso das concessões de infraestrutura. Deficiências ou incertezas nesses estudos podem gerar riscos significativos ao poder público, na medida em que tarifas ou valores de outorga ficam distorcidos, e aos investidores privados, pois o negócio pode não corresponder à lucratividade mínima aceita pelo mercado. Por esse motivo, o Tribunal, acompanha de forma concomitante esses processos de concessão, com foco especial na análise do EVTEA (estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental) antes da publicação dos editais. Nesse processo auditorial, a análise técnica e independente do TCU corrige tempestivamente eventuais impropriedades e traz uma segurança razoável aos investidores de que os estudos não apresentam distorções e/ou erros relevantes. Sobre os projetos de concessões de infraestrutura em vigor, é importante destacar que cada setor tem uma realidade econômica e maturidade de negócios distintas. O modelo de rodovias, por exemplo, é conhecido pelo mercado e pelo governo, os estudos que foram submetidos e aprovados pelo TCU passaram por uma evolução de qualidade quando comparados aos das rodadas passadas.

Assim, não é possível fazer uma correlação direta entre a qualidade dos estudos e o fracasso do leilão da BR-262, por exemplo. Outros fatores podem ter contribuído que fogem dos estudos, como o desinteresse pela rodovia a ser concedida, a falta de fôlego dos investidores (há muitas oportunidade em projetos de concessão e os recursos das empresas são limitados), ou até mesmo a percepção pelo mercado de riscos políticos ou regulatórios relacionados ao projeto. De toda sorte, a qualidade dos projetos é sim ponto fundamental para o sucesso de qualquer leilão de infraestrutura, e o TCU busca com sua atuação contribuir com o Executivo na melhoria e no aperfeiçoamento desses estudos.

FONTE: O Estado de S. Paulo

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Marcos
Marcos
11 anos atrás

Pois é, cadê a grande gestora????

Blind Man's Bluff
Blind Man's Bluff
11 anos atrás

Pergunta pro giltger, parece que ele é o único que sabe. kkk

Marcos
Marcos
11 anos atrás

Vou dizer qual o problema do Brasil: é que os GF federal, estuais e municipais arrecadam dinheiro demais.

Renato Oliveira
Renato Oliveira
11 anos atrás

Descobriu a roda.

Prezado Marcos, o problema não é a arrecadação excessiva, o problema é a má gestão do dinheiro.

Um aparte: adorei o novo visual do ForTe. Mal posso esperar para toda a Trilogia ter esse visual.

Guilherme Poggio
Responder para  Renato Oliveira
11 anos atrás

Prezados Renato Oliveira e Rogério

Agradecemos os elogios, mas ainda estamos estudando o próximo formado. Vocês poderão experimentar algumas mudanças que estamos fazendo online.

Abrs

Blind Man's Bluff
Blind Man's Bluff
11 anos atrás

Porquê eu fui embora do Brasil em 2004, através das palavras de um redator do “The Economist”.

The economy
The price is wrong
Why Brazil offers appalling value for money

FROM $30 CHEESE pizzas in São Paulo to $250-a-night windowless, smelly hotel rooms in Rio, the lasting memory from a visit to Brazil in recent years has been shock at how expensive it is. When Lula came to office in 2003 a dollar bought 3.5 reais; by mid-2011 it bought just 1.53 reais, barely a third of the 2003 figure in real terms, because inflation in Brazil during the period was much higher than in the United States. Since then the exchange rate has fallen to 2.3 reais to the dollar, but that has undone little more than half the past decade’s gains. In any case, the causes of Brazil’s competitiveness problem go far deeper than the exchange rate. The strong real actually helped keep prices down by making imports cheaper. It did, however, give foreign visitors a chance to experience something the locals know so well that they have a name for it: the custo Brasil (Brazil cost).

Compared with other middle-income countries, Brazil is astonishingly poor value for money. Large domestic appliances and cars cost at least 50% more than in most other countries. For everyday items such as toothbrushes and children’s toys the difference is often a lot more. Among the 48 countries tracked by the Big Mac index, The Economist’s lighthearted currency-comparison tool, a burger in Brazil costs more than in only a handful that are much richer (Norway, Sweden, Switzerland) and one that is dysfunctional (Venezuela). Burgers should be cheaper in poorer places because wages are lower: in Brazil, less than a quarter of European or North American levels. Allowing for that, a Brazilian Big Mac costs an indigestible 72% more than it should do, and the real remains one of the world’s more overvalued currencies.

The IMF’s broader cost-of-living figures show that Brazil’s high prices are no mere quirk of burgernomics. In most less well-off countries people find their money goes further than market rates would suggest because non-tradable goods are cheaper. Averaged across all goods and services, a Mexican’s spending power, for example, is 45% higher at home than if he bought dollars and shopped across the border. But a Brazilian can buy little more at home than he can in the United States.
The causes of Brazil’s cost problem are legion. Start with taxes. At 36% of GDP, the total tax burden is far heavier than in other developing countries. Payroll taxes, at 58% of salary, are higher than in any other big economy. Consumption, too, is heavily taxed, which explains why a Brazilian-made car costs up to 45% less in Mexico than it does in Brazil itself. High tariffs push up the price of imports even more. A smartphone costs about 50% more than in the United States. Most cars imported from outside the Mercosur trade block and Mexico attract not only a 35% tariff but an extra 30% on top of the normal sales tax.

The complexity of the tax code also raises compliance costs. A mid-sized Brazilian firm takes 2,600 hours to prepare its annual tax return, almost ten times the global average. Rigid labour laws make it hard to deploy workers efficiently and lead to costly court cases, 3.2m last year alone. Many businesses prefer to hide in the informal sector. A 2006 McKinsey report estimated that by remaining in the shadows a retailer could more than triple its profit margin, but at the cost of forgoing investment and economies of scale. A simplified regime for small firms introduced since then has persuaded many to register, but the resulting efficiency gains are limited by a new problem: too many “Peter Pan” firms unwilling to grow up and lose their privileges.

A plethora of other costs help drive up prices. Poor roads and a limited rail network make for high freight charges. High crime rates have bred a private army of 650,000 security guards. Prime office rents in big cities are vertiginous; Rio’s are the highest in the Americas, north or south. A low savings rate, high bank-reserve requirements and the government’s considerable funding needs (it runs a budget deficit each year, despite that 36% tax burden) make credit expensive. FIESP, São Paulo’s association of industrialists, says firms’ financing costs make up 5% of the end price of manufactured goods.

Retailers manage to keep selling by accepting payment in instalments. The hyperinflationary years taught Brazilian consumers not to worry about the total cost, just whether they can afford the monthly payments. But the effect is to push up the sticker price, since the cost of waiting for full payment and the risk of default has to be built in. Corners are also being cut on quality. In Mexico the bottom-of-the-range VW Gol, made in Brazil, is a 1.6-litre, four-door affair with air-conditioning. In Brazil it has a 1-litre engine and two doors, with air-conditioning extra.

Shopping around

Brazilians respond to whopping price differences by going on foreign shopping sprees. Brazilian tourists spent $22.2 billion abroad last year, a record, and seem set to go even higher this year. Direct Luxury Group, a consultancy, estimates that four-fifths of Brazilians’ spending on upmarket goods takes place abroad. Miami has been getting so many Brazilian shoppers in recent years that many stores there have hired Portuguese-speaking staff. TAM, a Brazilian airline, says it takes on extra fuel on the return leg of that route to allow for excess baggage.

The story of the custo Brasil is decades old. Now soaring pay is adding a new chapter to it. Since 2003 the country’s unit labour costs have doubled, compared with inflation at 67%. In dollar terms they have trebled, thanks to currency appreciation. One reason is the scarcity of well-educated workers. Manpower Group, an employment agency, says Brazil is the world’s second-hardest place for firms to find the skills they need, behind only ageing Japan. At the top end, headhunters say multinationals often have to pay their Brazilian executives more than their bosses in London or New York earn. But the main reason is a decade of big increases in the minimum wage, which sets a trend for all pay negotiations. At the start of 2003 it was 200 reais a month; now it is 678 reais, almost twice as much in real terms (see chart 2). The government is committed to above-inflation increases until 2015.

Raising the minimum wage had its merits at first, says Gray Newman of Morgan Stanley. In the years before Lula took office its value had eroded, creating room to shift profits from capital to labour. High interest rates kept inflation in check, and the weak currency ensured that exports remained competitive even if prices did rise a bit. Higher incomes, helped by somewhat more accessible consumer credit, boosted consumption, creating more jobs in a virtuous cycle.

But the policy has now pushed costs beyond what either the foreign or the domestic market is willing to bear. Household consumption, one of the economy’s few bright spots in the past two years, has levelled off. Consumers are overstretched, with 21.5% of household income going to service debts. Despite some of the world’s highest tariffs, imports are taking a bigger share of the manufactured products Brazilians buy. Exports of manufactured goods are slipping. After several years of price rises close to 10%, demand for services is losing steam. “After a long boom driven by credit and consumption, Brazil has ended up looking in some ways like southern Europe,” says Tony Volpon of Nomura Securities, a broker. Only the rising value of its commodity exports saved it from ballooning current-account deficits.

In the short term a weaker currency will help, as long as tight fiscal and monetary policy prevent it from fuelling inflation. The real is now 11% lower than at the start of this year, having touched 20% in August, though after taking inflation into account it is still well above its long-run average. A cheaper real will make Brazilians poorer by lowering their wages in foreign-currency terms and do nothing to get to the roots of the custo Brasil. But it will protect jobs by making exports cheaper and imports pricier, and by reducing the price of services compared with tradable goods.
In the longer term Brazil needs to boost its productivity. A recent study by the Boston Consulting Group estimated that three-quarters of Brazil’s growth in the past decade has come from adding more workers and only a quarter from productivity gains. Since there is little room for the workforce to grow further, that needs to change. Other developing countries, and plenty of rich ones too, are doing far better. Regis Bonelli and Julia Fontes of the Fundação Getulio Vargas, a university, calculate that in 2000 Brazil achieved 19% of United States productivity levels, but by 2012 this had dropped to 18%. Over the same period the Chinese figure leapt from 6% of that in the United States to 17%.

A closer look at the productivity figures points to some explanations. In the past two decades “total factor” productivity—the part left over after accounting for growth in inputs such as labour, education and physical capital—has fallen in Brazil but grown in most other countries: in China by 2.8% annually, in India by 2.3%. That suggests Brazil missed out on gains other countries saw from investments in both human and physical capital, or that other improvements that generally come with such investments somehow failed to materialise.
The World Bank’s annual report on doing business in various countries reads like a productivity to-do list for Brazil: make it simpler to start up and wind up companies; cut and streamline taxes; increase domestic savings and investment. For more hints, the country might turn to one of the few sectors where productivity has grown steadily in recent years: agriculture.