Novo Livro Branco de Defesa da França: Exército diminui e as ambições também
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A França se prepara para as futuras guerras com ambições reduzidas, segundo jornal Le Monde – haverá grandes cortes de pessoal afetando as três armas, mas principalmente o Exército, segundo jornal Le Figaro
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Nesta segunda-feira (29 de abril), com quatro meses de atraso, foi recebido pelo presidente francês François Hollande a nova edição do Livro Branco de Defesa da França, para publicação. Hollande deverá se pronunciar a respeito da nova política de Defesa em 24 de maio. O livro, que deveria estar pronto no final de 2012 após um trabalho de um comitê e um debate nacional, na verdade acabou sendo reescrito pelo Ministério da Defesa, com o desafio de manter um esforço substancial de segurança nacional numa economia “miserável”, segundo o jornal Le Monde.
As três ameaças apresentadas no livro são conflitos gerados por potências como a China, conflitos gerados por “estados falidos” e, por fim, os riscos trazidos pela globalização sob forma de terrorismo e ataques no ciberespaço.
A questão que mais se destaca, porém, é o orçamento e os cortes em pessoal e bases que ele traz. No período 2014-2020, será realizado um esforço para manter o orçamento de Defesa em 1,76% do PIB, o que estaria nos padrões da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte. Mas isso é o valor total: exluindo pensões, o número cairá em 10 anos para 1,3% do PIB, em relação aos 1,56% de hoje.
O orçamento será congelado por dois ou três anos, o que um amigo próximo do ministro da Defesa Jean-Yves Le Drian disse ser um “modelo de grande rigor.” Com os cortes necessários segundo o Le Monde, a França diminui não só seu pessoal e equipamentos, mas com eles as suas ambições de projeção de poder no exterior.
Até 2019, 24.000 empregos na Defesa deverão ser eliminados, além dos 10.000 que já correspondem à reforma do período 2009-2015. A maior parte será cortada do Exército Francês, segundo o jornal Le Figaro. Toda uma brigada será suprimida, assim como parte de seus carros de combate Leclerc e de seus helicópteros.
A repartição final das reduções de pessoal e equipamentos ainda será anunciada, mas espera-se que o “Armée de Terre” perca um total de 9.000 homens além do já programado, sendo a principal vítima dos cortes. A dissuasão nuclear foi preservada, assim como programas e navios da Marinha, embora a Força Aérea tenha que renunciar a dois esquadrões (perto de 50 aeronaves). Um general afirmou: “O Exército não tem os mesmos poderosos lobbies que a Marinha e a Força Aérea possuem”.
Em relação aos 30.000 homens que o Exército poderia mobilizar em operações externas em 2008, o número vai cair para apenas 15.000. Estes terão o apoio de 45 caças da Força Aérea e da Marinha (ao invés de 70) prontos para mobilização imediata ao exterior. Cinco mil homens desses 15.000 estarão em alerta para crises internacionais, 2.300 deles prontos para ação imediata num raio de até 3.000 km. Uma brigada de 7.000 soldados deverá ser capaz de atender a duas ou três opeações de gerenciamento de crise ao mesmo tempo.
Ainda que o poder industrial tenha pesado, houve um esforço de ajustamento. Em comparação com o que se esperava em 2008, os créditos alocados a programas de armas serão reduzidos em 40% em cada ano. Assim, serão comprados menos helicópteros e jatos militares de transporte A400M. Na Força Aérea, o Rafale terá que se ombrear nos céus por mais tempo com caças mais antigos. A Marinha continuará com seu porta-aviões para respostas rápidas, e o núcleo de “capacidades críticas” (submarinos de ataque e esquadrões nucleares) será usado para operações convencionais.
Os cinco pontos principais do Livro Branco de Defesa
- Orçamento de 179,2 bilhões de euros por seis anos (2014-2019). Isso manteria o mesmo nível anual de 2012/2013, de 31,4 bilhões e 1,5% do PIB. Porém, na realidade, parte desse orçamento anual ainda dependeria de receitas excepcionais com vendas de participação estatal em indústrias, entre outras.
- Supressão de 34.000 postos no total pela Defesa. Os cortes de 54.000 postos entre 2009 e 2015 foram amplificados com esses novos cortes, representando a perda de 24.000 postos ao longo dos próximos seis anos (entre os cortes que já estavam programados para os próximos anos pelos cortes anteriores e esses novos, a soma chegará a 34.000 postos de trabalho a menos na Defesa de agora até 2020).
- A dissuasão nuclear é intocável (um santuário). Essa dissuasão consome 3,5 bilhões de euros anuais, com seus componentes aerotransportados e baseados em submarinos. Os investimentos nos submarinos lançadores de mísseis nucleares para substituir a classe “Le Triomphant” prosseguirá, assim como o programa do míssil M51 e os estudos para renovação dos mísseis aerotransportados ASMPA (que entraram em serviço em 2009).
- Diminuição das encomendas de caças Rafale para 225 caças (ao invés de 286), mais tempo de serviço para os jatos Mirage 2000D, que passarão por retrofit (modernização / revitalização) e aquisição de drones táticos Watchkeeper. Há negociações para adquirir o drone norte-americano Reaper.
- Defesa Cibernética entre as prioridades, buscando um novo campo estratégico em matéria de defesa cibernética e de proteção de sistemas de informação. A França também construirá dois satélites para observação ótica e para desenvolver uma nova capacidade de interceptar, caracterizar e localizar emissões eletromagnéticas desde o espaço.
FONTES / FOTO / INFOGRÁFICOS Le Monde e Le Figaro (compilação, tradução e edição, pelo site das Forças Terrestres, a partir de originais em francês)
NOTA DO EDITOR: para acessar arquivo em pdf de 160 páginas do Livro Branco de Defesa da França 2013, disponibilizado pelo jornal francês Le Figaro, clique aqui.
Em toda a sua historia moderna – a França jamais (enfase em jamais) comprou a quantidade planejada em algum programa militar, sempre cortou um quarto das encomendas no final.
Estes cortes alinham a França ao padrao militar Europeu, uma pequena força capaz de apenas dar uma participaçao modesta em operaçoes militares encabeçadas pelos EUA, e para realizar campanhas nas regioes mais pobres da Africa aonde o que eles tem da conta do recado.
Thomas,
Se formos levar em conta a diminuição nas encomendas pretendidas de caças Rafale, dá mais do que um quarto.
Isso porque, inicialmente, pretendia-se comprar 320 caças – isso falando só do Rafale, segundo um jornal francês. Depois, o livro Branco de 2008 falava num máximo de 300 aviões de combate, e agora está em 225. Assim, o corte já é superior a 1/4.
Para o bem da indústria francesa, é bom que não cortem ainda mais, o que inclui outros programas.
Porém, algumas coisas eles estão mantendo e que não alinham a França a outros países europeus de pequena força, destacando bem os franceses em relação a potências menores: por exemplo, a manutenção do porta-aviões e de três navios de projeção e controle, sem falar na frota considerável de aviões reabastecedores (necessários por causa da parte aérea da doutrina de dissuasão nuclear) e de submarinos nucleares (4 equipados com mísseis nucleares e 6 de ataque).
Ainda estão na frente dos demais europeus nesses e outros quesitos, mas, certamente, com menos ambições do que antes. A Ásia e as Américas (onde ainda têm resquícios coloniais) antigamente estavam dentro de suas ambições de projetar poder, e isso agora parece que ficou mais restrito ao mapa mostrado por um dos infográficos: a África que você citou, mas também o Mediterrâneo e o Oriente Médio.
Em comum com o resto da Europa, certamente está a escolha do componente terrestre para pagar o pato da maior parte das reduções orçamentárias.
Não se pode esquecer que os países da Europa, individualmente, representam apenas um pequeno percentual do PIB norte-americano e por isso, uma pequena participação nas atuais aventuras militares de Washington.
Se o sonho da União Européia, uma economia, uma força militar conjunta tivesse vingado, esta seria a maior economia do mundo, com um PIB de ~16 trilhões.
No final das contas, o banqueiro enriqueceu, o dinheiro sumiu e todos os países estão se estrangulando. Inocente quem acredita que o Brasil sairá ileso dessa.
O mundo está mudando e entrando em atrito. Como o Nunão comentou, a França e as outras potências têm cada vez mais focado seus recursos na estratégia naval, sobretudo, na manutenção da doutrina de dissuasão nuclear. Esse é também o objetivo da China, que ha mais de 50 anos vêm desenvolvendo tal tecnologia e, em breve, a Índia.
Interessante também outro assunto tocado pelo artigo, que diz respeito à ameaça vinda de estados falidos, cada vez maior a medida que os últimos recursos emergenciais, como a austeridade e os imensos resgates aos bancos, vão se esgotando com pouco ou nenhum resultado.
Li recentemente um estudo realizado para o Congresso norte-americano, a respeito das implicações políticas de uma operação independente israelense contra o Iran e, o que mais me chamou a atenção, foi a frase que dizia que, operacionalmente, tal campanha teria como único resultado, atrasar em alguns poucos anos o [b]inevitável[/b] programa nuclear para fins bélicos iraniano. Quando questionados, autoridades israelenses declararam que este é justamente o objetivo dessa aposta: ganhar tempo na esperança que o regime teocrático iraniano caia. O certo é que todas as analises que li sobre esta operação, resultavam num inevitável conflito regional de proporções imprevisíveis, forçando as potencias, hoje falidas, a intervirem.
Inevitável é só a morte. Se o Irã insistir em manter seus projetos nucleares, irá arcar com as consequências. Simples assim.
No tópico, achei um plano bastante realista da França. Uma força enxuta e capaz.