…Fernando Henrique foi Castello Branco e Lula, outro Médici. O ciclo econômico do regime militar se repete

 

Samuel Pessoa

vinheta-clipping-forte1No Brasil, nem a sociedade nem as elites que tomam as decisões têm convicção de que os mercados precisam de liberdade para funcionar bem. A adoção de políticas favoráveis a essa liberalização vem e vai em ciclos. Normalmente, um ciclo desses começa por causa de um cenário externo, que nos joga em direção à liberalização. No entanto, choques também externos que atinjam a economia servem de pretexto para que o penoso processo seja abandonado. A elite dirigente se volta, então, ao remédio de sempre: o Estado.

Que fique claro, não o Estado em sua função fundamental de tributar a sociedade e, em troca, oferecer serviços de seguro social, que protejam o cidadão das oscilações e riscos naturais de uma economia de mercado. Não o Estado que exerça seu saudável papel de reduzir as desigualdades herdadas do passado e as construídas pelo funcionamento do mercado. O Estado que se busca como remédio teria a capacidade de promover o desenvolvimento. Teria a capacidade de vislumbrar, por algum critério, quais setores produtivos são prioritários e dirigiria a eles os esforços públicos e privados.

Diferentemente do que se pensa, há conflito entre os dois Estados. O Estado de bem-estar social e o Estado desenvolvimentista disputam verbas do orçamento público. Não é por outro motivo que, dos anos 1950 aos 1970, no período do nacional-desenvolvimentismo, o Estado brasileiro investiu, em média, ridículo 1% do PIB em educação fundamental. Ao mesmo tempo, a taxa anual de crescimento da população beirou 3%. A conseqüência desse subinvestimento em educação foi a tragédia social dos anos 1980: favelização das grandes cidades, deterioração dos espaços públicos e explosão da criminalidade.

A falta de convicção da elite dirigente, à direita e à esquerda, nas instituições liberais de regulação econômica produz ciclos que se repetem com surpreendente semelhança. Não se requer do analista capacidade superior de observação para enxergar a repetição compulsiva, nem se trata de repetição burlesca de tragédias anteriores. Trata-se de repetição simples, como se a sociedade teimasse em não aprender. Nos últimos 50 anos, vivemos dois ciclos idênticos, em que um cenário externo leva à liberalização econômica. Depois, retomamos o crescimento, o cenário externo muda, recuamos nas reformas, estatizamos a economia e, no fim, reduzimos novamente nosso potencial de crescimento.

O primeiro desses ciclos iniciou-se no governo do presidente Humberto de Alencar Castello Branco (1964 a 1967), em seguida ao golpe que instituiu a ditadura militar. Os Estados Unidos e a Europa Ocidental cresciam vigorosamente. O Programa de Ação Econômica (Paeg) do novo governo brasileiro, entre outras medidas, promoveu uma reforma tributária, trabalhista, creditícia e monetária, além da redução das tarifas de importação, o que abriu a economia ao comércio exterior. Um conjunto enorme de leis e emendas constitucionais somente possíveis em períodos de exceção criou as bases para a retomada posterior do crescimento. A maturação das reformas institucionais do Paeg, em associação com um ciclo de crescimento da economia mundial, produziria as fortíssimas taxas de crescimento observadas no período do “milagre econômico”, até os anos 1970.

Mas o primeiro choque externo do petróleo, em 1973, interrompeu o período do milagre. A resposta da política econômica, sob o presidente Ernesto Geisel (1974 a 1979), foi expandir o papel do setor público na função de promotor do desenvolvimento. Uma solução alternativa teria sido permitir a desaceleração ou até o encolhimento da economia, por certo período, para que os diversos setores absorvessem a perda de renda. Essa perda era real, já que o que o Brasil importava (petróleo) se tornara relativamente muito mais caro do que o que o país exportava. Mas admitir essa realidade estava fora de questão. Naquele momento, a sustentação política do regime de exceção dependia do crescimento.

O governo lançou um segundo Programa Nacional de Desenvolvimento (II PND). O plano exigia atrair capital externo, para compensar a falta de poupança doméstica e manter o ritmo dos investimentos. Houve forte endividamento de empresas privadas, com aval do Tesouro Nacional, para bancar projetos duvidosos. Futuramente, essa dívida seria estatizada. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) passou a atuar mais intensamente. Ficaram famosos os empréstimos do banco com juros nominais prefixados, num período de inflação ascendente. Começou um descasamento no balanço do setor público: seu ativo – ou os créditos que acumulava com o setor privado – era expresso nominalmente, em moeda nacional. Seu passivo – ou a dívida com o setor privado doméstico e externo – era atrelado a algum índice de preços ou ao dólar. À origem do problema era clara: o governo e agências do governo tomavam dinheiro pagando juros mais altos e emprestavam dinheiro cobrando juros mais baixos.

Além da mão pesadíssima do Estado na direção do investimento e seu envolvimento financeiro direto, assumindo riscos monumentais, houve um processo de convivência com a inflação e diversas tentativas de controle direto de preços. Outro elemento importante do pacote foi a adoção, nos projetos incentivados pelo setor público, de objetivos ambiciosos e irrealistas de conteúdo nacional e de internalização praticamente de toda a indústria de bens de capital. A economia se fechou ao comércio internacional. O resto da história é conhecido e triste. Tornamo-nos, nos anos 1980, uma nação comparativamente mais pobre, desigual e atrasada.

Diversos estudos mostram que a aceleração do crescimento no período do milagre econômico foi essencialmente um fenômeno de produtividade. Ou seja, com um mesmo nível de crescimento do uso do trabalho e do capital, a economia passou a ser capaz de crescer mais. A precedência temporal do Paeg e a natureza do crescimento no período posterior – resultante de forte avanço da produtividade – sugerem que o milagre econômico resultou da melhora institucional promovida pelo Paeg. Há toda uma literatura teórica e empírica recente que sugere que a produtividade resulta de melhoras institucionais.

Estamos agora no ponto ruim de um segundo ciclo, igual àquele encerrado nos anos 1970. Observamos a aceleração de crescimento na passagem do governo de Fernando Henrique Cardoso para o governo Luiz Inácio Lula da Silva. A aceleração, de pouco mais de 1,5 ponto percentual, foi integralmente fruto da aceleração da produtividade. Não houve aceleração nas taxas de crescimento das horas trabalhadas nem do estoque de capital. Não coincidentemente, a aceleração do crescimento foi precedida por um período de liberalização da economia, desta vez bem mais longo que o do governo Castello Branco. A reforma feita na democracia é mais custosa e lenta do que na ditadura, mas também mais sólida.

O longo período de reformas da economia que abriu o novo ciclo iniciou-se antes do governo FHC, com a abertura no governo Fernando Collor de Mello. Terminou nos primeiros três anos do governo Lula, quando, com Antonio Palocci à frente do Ministério da Fazenda, muitas reformas elevaram a eficiência da intermediação financeira e permitiram o funcionamento de diversos mercados. A crise deflagrada pelas hipotecas de má qualidade nos Estados Unidos, em setembro de 2008, serviu de justificativa para que houvesse forte inflexão na política econômica. Isso nos jogou na fase final do ciclo. Entre outros elementos, a mudança na política econômica inclui:

– alteração no regime de câmbio flutuante para fortemente administrado. Nos últimos anos, vigora na prática o regime de câmbio fixo;

– tolerância com inflação maior. Há percepção generalizada de que o Banco Central trabalha com uma meta informal de 5,5% ao ano de inflação;

– controle de preços para tentar conter a inflação. Isso é visível nos combustíveis e na política de desoneração tributária;

– expansão do papel do BNDES na intermediação do investimento. Como nos anos 1970, as opções do banco são altamente questionáveis. Não há literatura que sustente que a política de criar empresas campeãs nacionais alavanque o crescimento;

– tendência a fechar a economia ao comércio internacional;

– direcionamento da política de desoneração tributária a alguns setores ou bens, em vez de estendê-la de forma equitativa a todos os setores produtivos;

– aumento do papel do Estado e da Petrobras no setor de petróleo. Isso ocorreu com o novo marco regulatório para o pré-sal. Ele dificulta os novos leilões de áreas a explorar;

– aumento da dificuldade do governo federal para desenhar leilões de concessão de serviços de utilidade pública.

Esse conjunto de medidas de política econômica responde, em parte, pela redução do potencial do crescimento da economia a que temos assistido nos últimos anos. Desde a saída de Palocci do Ministério da Fazenda, completou-se a última etapa da repetição: a excessiva intervenção do Estado reduz a eficiência da economia e nos leva de volta a níveis baixos de crescimento.

Essa interpretação é de um pesquisador que se filia à visão institucionalista do desenvolvimento econômico. Um pesquisador formado na tradição do estruturalismo latino-americano considerará essencialmente correto o pacote de políticas adotado desde a inflexão na condução de política econômica de 2008. A convivência de diferentes visões de mundo ou ideologias é inerente à ciência social. A complexidade do fato social impede que haja experimento empírico capaz de dirimir divergências.

Do ponto de vista da economia política, não há, na sociedade brasileira, uma sólida base de apoio e consenso favorável ao Estado desenvolvimentista. Há, sim, forte consenso favorável ao Estado de bem-estar social. Suas bases foram estabelecidas na Constituição de 1988 e, eleição após eleição, têm sido referendadas pelos eleitores. Não enxergo a possibilidade de qualquer grupo político ter como agenda a redução do Estado de bem-estar social. Mas, se persistir a dificuldade do novo desenvolvimentismo em produzir crescimento, é natural esperarmos uma ou mais candidaturas defendendo um modelo mais liberal na economia.

FONTE: Revista Época via Resenha do Exército

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Marcos
Marcos
11 anos atrás

Quem vai ser o novo Bigode?

aldoghisolfi
aldoghisolfi
11 anos atrás

Lula o ‘outro’ Médici… ârgh…

Nem de brincadeira o nome do General Médici deveria ser encostado no outro!

Nem me animei a ler o texto p’rá não me irritar.

Corsario137
Corsario137
11 anos atrás

Um bocado sofista, pra não dizer completamente.

Acho até corajoso da parte do escritor defender tão entusiasticamente a liberalização econômica quando, estranhamente desde 2008, somos todos Keynesianos.

Drcockroach
Drcockroach
11 anos atrás

Nao subscrevo o texto, mas penso sim que eh possivel fazer um paralelo entre o Geisel e a Dilma, ambos acreditando, erroneamente, no Estado como promotor do desenvolvimento; o Brasil tem politicas anacronicas.

Prezado Corsario137, favor me excluir do “somos todos keynesianos” depois de 2008, muito antes pelo contrario.

[]s!

edurval
edurval
11 anos atrás

Otima analise, mais discordo do resultado.

O Brasil de Geisel e bem diferente do Brasil de Dilma, o principal diferencial no meu ponto de vista se refere a Matriz Energetica.

Os gargalos energeticos de hoje são menores, e no meu ver o maior problema do Brasil é relativo a educação.

Diferente dos analistas sou otimista com o futuro e acredito que um governo com foco no bem-estar social pode funcionar.

Marcos
Marcos
11 anos atrás

Já que evocaram Keynes…

A teoria de Keynes funciona muito bem em dadas situações, o problema é que estamos fora dessa condição.

Corsario137
Corsario137
11 anos atrás

Dr. Barata,

Não entendi. O Sr. já era Keynesiano?

Sds,

Corsario137
Corsario137
11 anos atrás

EUA: Injeção de USD $ 1 trilhão na economia (isso só pra falar da medida mais espantosa, se é que se pode afirmar isso.

UE: Troika, Plano de Austeridade, seja lá o nome que queiram dar.

Japão: Anunciou recentemente um plano de inflação, isso mesmo, um plano de inflação. Vão imprimir outro trilhão de dólares para resgatar a economia que agoniza a quase 2 décadas.

Hora, se isso não é intervenção do Estado na economia eu não sei mais o que é.

Falar que o Brasil pratica política de “estado de bem estar social” é uma piada. Não o é nem na prática nem no orçamento. O que o Brasil faz é Bolsa Família e outros programas assistencialistas baratos (no sentido de vagabundos mesmo), que nem ajudam o cidadão e muito menos oneram significativamente nosso Tesouro. Discussão sobre “bem estar social” só se aplica a países como Alemanha, França, os nórdicos entre outros onde a despesa para a manutenção dessas políticas é o grande gargalo da despesa pública e onde portanto faz sentido o debate.

Aqui no Brasil a gente gasta uma miséria com o povo. O que come o orçamento aqui são os juros da dívida, mamatas, regalias e falcatruas.

Drcockroach
Drcockroach
11 anos atrás

Corsario137,

“Não entendi. O Sr. já era Keynesiano?”

Vc acertou a primeira parte.

[]s!

giltiger
giltiger
11 anos atrás

Para um povo que ANTES nada recebia, o POUCO assistencialista desprezado pelo corsário fez (e faz) uma BAITA DIFERENÇA !

Que o diga 3 mandatos seguidos…

Comparação econômica interessante mas politicamente esdrúxula…

Fica a curiosidade quem se candidatará a ser o próximo Figueiredo do prendo e arrebento ???

giltiger
giltiger
11 anos atrás

Foi só a Thacher morrer que desencavam um monte de neoliberal adomercido…

Essa foi de doer…

giltiger
giltiger
11 anos atrás

Dificuldade para o atual governo “assistencialista”, SE existe, num contexto internacional de crise geral, terminará com a progressiva entrada de receitas JUSTAMENTE da exploração nacional no pré-sal pela PETROBRÁS de forma única ou associada que igualmente tornará desnecessários os amados “leilões” que o autor tanto lamenta dificultados pelo novo marco regulatório do pré-sal…

Corsario137
Corsario137
11 anos atrás

Prezado Giltiger,

Acho que você não me entendeu, não sou contra o Bolsa Família. Não fosse ele muitas famílias teriam perecido, porém este é um programa assistencialista e não uma política de bem-estar social. Não cabe aqui um juízo de valor, não se trata de ser pior ou melhor, é apenas uma coisa e não outra.

E sim, o Brasil PRECISA de programas assistencialistas, pelo menos enquanto não houver uma geração inteira com boa formação educacional nos níveis fundamental. médio e superior. O Bolsa Família é a tentativa da correção de 500 anos de abandono de políticas públicas.

Corsario137
Corsario137
11 anos atrás

Meu Caro,

Se formos esperar o pré-sal para resolvermos o problema da crise estamos ferrados! Não que eu desacredite na Petrobras, porém dados os gargalos logísticos e de operação existentes hoje, esse pré-sal está a cada dia mais caro e distante. Talvez lá pra 2016 ou 17 a gente comece a sentir o cheiro desse dinheiro.

Vader
11 anos atrás

giltiger disse:
9 de abril de 2013 às 16:26

Na boa cidadão, vou te dar um fato: seu desgoverno do PT arrombou a Petrobrás fazendo trapalhada atrás de trapalhada, comprando refinaria nos EUA por US$ 2 bilhões e vendendo por US$ 100 milhões, loteando ela entre os cumpanhero, arrebentando com um marco regulatório que era bom e vinha dando pra lá de certo já havia mais de década, e rifando o patrimônio da empresa pra controlar o preço da gasolina e conter a inflação galopante que ele não faz a menor idéia do que fazer.

E com esse marco regulatório “super atrativo” engendrado pelos gênios do PT o capital externo que poderia quiçá interessar-se por investir no tal pré-sal picou a mula e foi “pusistêiti”…

Sabe quando que a PeTrossauro agora vai ter dinheiro pra investir de verdade no tal pré-sal?

Daqui há uns 20 anos, isso se os cumpanhero saírem hoje do poder e parar a sangria da empresa.

Senão parceiro, pegue seu banquinho e sente pra esperar aparecer o tal dinheiro do pré-sal que o Mulalelé contou como se fôssemos virar a próxima Arábia Saudita…

Vader
11 anos atrás

Petrobrás?

PRIVATIZE JÁ!

Vader
11 anos atrás

Ah, e tem mais:

É bom a sociedade, os partidos políticos, as Forças Armadas, a FIESP, a CNBB, a OAB, o Congresso Nacional, o governo do PT (que foi quem fez a caca), enfim, todo mundo, abrir o olho:

Os EUA, maiores compradores de petróleo do mundo, em 2020 se tornam auto-suficientes em petróleo; por volta de 2030 poderão se tornar exportadores. Isso sem contar que irão mudar a matriz energética principal, abandonando gradativamente o petróleo.

Com a ENORME queda do preço do petróleo que vem por aí voltará a ser economicamente INVIÁVEL a exploração do petróleo da camada pré-sal cujas reservas, diga-se de passagem, já são conhecidas desde o Regime Militar, mas não foram exploradas desde então exatamente por não compensar sua exploração com o petróleo a menos de 100 dólares o barril.

OU SEJA: com o arrombo e a descapitalização da Petrossauro feita pelo PT e com o arregaço promovido no marco regulatório, que espantou o investidor externo pra outras plagas, a demora em explorar de vez as tais reservas do pré-sal pode transformar o “sonho de uma noite de verão” do Mulalelé Omar de um Brasil-“Arábia Saudita” em mera retórica populista.

E o pré-sal irá ficar lá no fundo do oceano por toda a eternidade…

Para alegria e glória do ParTido no poder…

aldoghisolfi
aldoghisolfi
11 anos atrás

Corsário, acompanho o Drcockroach, não entendo que Keynes tenha a razão quanto à intervenção do Estado na economia, mesmo porque existem condições ideais para isso.
De outra banda, acho que pré-Sal, antes de 10 a 15 anos, nem pensar, exatamente pelos gargalos técnicos e financeiros apontados e, em nível tal, que nem sei se comportaria os investimentos necessários. A acelerada mudança da matriz energética vai, necessariamente começar a diminuir a importância do combustível fóssil e isso não pode deixar de ser levado em conta.
Acredito, sim, na livre iniciativa e gostaria que começássemos a implementar a nossa ‘OPEP’ dos alimentos na qual e pela qual poderíamos ser autônomos e grandes exportadores de commodities.

Corsario137
Corsario137
11 anos atrás

Caro Aldo,

Quanto a Keynes a história está aí, não se trata de acreditar ou não. Os EUA salvaram seus bancos, deixaram a mão do Adam Smith de lado e colocaram a mão do FED, fim de papo.

Quanto a um cartel agrícola, não vejo isso como possível ou viável. Pelo contrário, temos que continuar investindo em produtividade para ter uma oferta cada vez maior, investir em logística para escoar a produção e deixar nosso produto tão mais competitivo do que já é, que inviabilizaremos a maioria dos mercados altamente subsidiados como o Europeu.

Ao contrário do petróleo, praticamente qualquer país pode produzir alimentos, a diferença é o custo. Exemplo: plantar soja em Goiás ou no deserto da Austrália?

Vader
11 anos atrás

Corsario137 disse:
9 de abril de 2013 às 21:03

“Quanto a Keynes a história está aí, não se trata de acreditar ou não. Os EUA salvaram seus bancos, deixaram a mão do Adam Smith de lado e colocaram a mão do FED, fim de papo.”

Um erro terrível do qual o mundo e, principalmente, os EUA, ainda se arrependerão amargamente. Um erro que só foi possível porque um democrata frouxo e com tendências populistas como Barack Obama estava no poder, num momento em que o povo americano estava fragilizado e cansado por causa de duas guerras mal ajambradas.

Se a crise acontecesse no governo de um Reagan a solução jamais teria sido a dada.

É da ESSÊNCIA do capitalismo falhar. Como na evolução das espécies, só os fortes sobrevivem no capitalismo. Empresas/bancos que não prestam ou foram mal administrados deveriam quebrar, doa a quem doer. E ao governo caberia punir os responsáveis e tratar os efeitos dando dinheiro/recursos para os trabalhadores necessitados, e não para banqueiros ladrões e falidos.

Essa é a m. do populismo. Ele sempre leva o político canalha e sem convicções a procurar a solução mais fácil para seus problemas (os problemas de um político normalmente se resume a manter-se e perpetuar-se no poder), ainda que com isso se penhore, às vezes irremediavelmente, o futuro de uma nação ou mesmo de um sistema de produção.

E essa é a diferença de um político para um líder.

Os americanos ainda verterão lágrimas de sangue por sua estapafúrdia segunda adesão ao “keyneseanismo”. E o mundo sofrerá junto.

Sds.

Rafael M. F.
Rafael M. F.
11 anos atrás

Vader disse:
9 de abril de 2013 às 17:21

“Ah, e tem mais:

É bom a sociedade, os partidos políticos, as Forças Armadas, a FIESP, a CNBB, a OAB, o Congresso Nacional, o governo do PT (que foi quem fez a caca), enfim, todo mundo, abrir o olho:

Os EUA, maiores compradores de petróleo do mundo, em 2020 se tornam auto-suficientes em petróleo; por volta de 2030 poderão se tornar exportadores. Isso sem contar que irão mudar a matriz energética principal, abandonando gradativamente o petróleo.

Com a ENORME queda do preço do petróleo que vem por aí voltará a ser economicamente INVIÁVEL a exploração do petróleo da camada pré-sal cujas reservas, diga-se de passagem, já são conhecidas desde o Regime Militar, mas não foram exploradas desde então exatamente por não compensar sua exploração com o petróleo a menos de 100 dólares o barril.

OU SEJA: com o arrombo e a descapitalização da Petrossauro feita pelo PT e com o arregaço promovido no marco regulatório, que espantou o investidor externo pra outras plagas, a demora em explorar de vez as tais reservas do pré-sal pode transformar o “sonho de uma noite de verão” do Mulalelé Omar de um Brasil-”Arábia Saudita” em mera retórica populista.

E o pré-sal irá ficar lá no fundo do oceano por toda a eternidade…

Para alegria e glória do ParTido no poder…”

—————————————————————–

Felipe, acredito que o mais importante de tudo será que o poder decisório que a OPEP atualmente possui se enfraquecerá.

Só não sei se isso será bom ou ruim, pois a maioria dos países integrantes da OPEP são islâmicos, e o enfraquecimento político da elite local poderia estimular a ascensão de organizações fundamentalistas.

Quanto à queda no preço do petróleo, enquanto os Estados Unidos mudam sua matriz energética, a China se torna cada vez mais dependente, mesmo com todos os seus investimentos em energia verde (e não mencionei a Índia). Acho que esse preço se manterá por um bom tempo ainda. Mesmo depois do Estados Unidos recuperarem a auto-suficiência.

Opinião minha: ainda há um bom horizonte para o pré-sal.

Corsario137
Corsario137
11 anos atrás

Vader,

Discordo totalmente. Está se tomando o efeito pela causa.

A causa da crise foi o excesso de liberalização introduzida na era Bush, ele sim foi populista ao permitir que os pobres tomassem a quantidade de crédito que tomaram.

E dai a Cesar o que é de Cesar, o salvamento do Bears Stern, do BofA e de outros foi ainda em 2008, ou seja, no mandato Bush.

Concordo que os responsáveis devem ser punidos porém aquela altura não havia outra saída. A “mão invisível” funciona perfeitamente, concordo, mas a que preço? Não ia ser um banco que ia falir e o governo “ajudaria” os cidadãos e ponto, os derivativos contaminaram todo o sistema, era papel podre, lastreando papel podre. O sistema iria colapsar e nem o governo teria como fazer nada, os EUA (estado, empresas e individuos) entrariam na mais absoluta miséria de um dia pro outro! Não foi uma opção, era a única coisa a se fazer.

Vader
11 anos atrás

Corsario137 disse:
10 de abril de 2013 às 7:51

Caro Corsário, informe-se melhor, quem rebaixou as exigências para concessão de crédito e amainou a fiscalização legal que permitiu as negociatas com o sub-prime foi um tal de Bill Clinton. Não teve dedo republicano nisso aí, a não ser no fato de que poderiam ter mudado a coisa e não o fizeram.

Democratas, como bons populistas, são isso aí: eles criam o problema pra vender a solução lá na frente.

No mais, respeito sua opinião, mas que me desculpem as velhinhas e os fundos de pensão que botaram seu rico dinheirinho na mão de larápios, mas ninguém mandou não fiscalizarem quem cuidava de suas economias.

Quebrar, cair e levantar são da essência do capitalismo e ajudar empresa e banco falido só serve para perpetuar a cultura de incompetência e má-gestão.

O governo Obama plantou uma bomba relógio que ainda vai destruir os fundamentos da economia americana, na medida em que da próxima vez que der a m. (e IRÁ dar) vão todos correr atrás do governo pedindo pelamordideus me ajude; e como se criou o precedente o governo não vai poder negar tal ajuda.

E mais incompetência e má-gestão será gerada; e o ciclo vicioso se repetirá até que o país tenha perdido o dinamismo de sua economia.

Esmola parceiro, é a pior coisa do mundo. Torna o competente vagabundo, na medida em que premia o vagabundo como se ele fosse competente. E convence o vagabundo de que ele está certíssimo em ser vagabundo.

Os EUA só são o que são hoje, fortes, dinâmicos e poderosos, porque a crise de 1929 lhes ensinou a dura lição que ensinou. Perderam a lição de 2008. Resultado: irão declinar, inevitavelmente.

Sds.

Requena
Requena
11 anos atrás

Rapaz, os generais se mexeram dentro do caixão com essas comparações… 🙂

Luiz Paulo
Luiz Paulo
11 anos atrás

Dada essa discussão, deixo minha contribuição. É um artigo muito completo que versa sobre as recessões econômicas (a escola austríaca parece sempre a mais sensata) e a crise dos EUA.

No fim das contas parece ter sido mesmo o que o Vader falou: “Bill maravilha” começa a meleca, Bush finge que não vê, e pimba! Tá lá 2008!

Vale a pena. Como não dá pra ver os gráficos aqui, segue o lá embaixo.

“O traço singular das crises econômicas desde o início do século XIX é a dificuldade de entrever com precisão a causa ou causas que as deflagram. No passado, as depressões podiam ser imputadas claramente a guerras, revoluções ou catástrofes naturais. A economia capitalista moderna é diferente. Quando tudo parece estar indo bem, inexplicavelmente emergem estranhas convulsões de seu bojo, que não podem ser explicadas por esse ou aquele evento específico. Como não poderia deixar de ser, os estudiosos do assunto aventaram ao longo do tempo inúmeras hipóteses para a compreensão das flutuações econômicas.

Todos conhecem ao menos vagamente a teoria marxista que atribui ao capitalismo contradições imanentes e inexoráveis cada vez mais graves e que, ao fim e ao cabo, levariam à sua superação pelo comunismo. A hipótese de Marx pertence ao gênero das teorias da superprodução, segundo as quais o capitalismo seria tão produtivo que haveria um encalhe de mercadorias em vista da incapacidade das massas para adquiri-las. A outra teoria mais conhecida é a de Keynes, que integra o grupo do subconsumo. Para o inglês, que divisava contradições internas no capitalismo muito parecidas com as de Marx, as crises são o reflexo da insuficiência de poder de compra por parte da população. Os seguidores de Marx e os discípulos de Keynes divergem entre si em detalhes, mas concordam no principal: a economia de mercado é intrinsecamente instável e perversa. É imperativo para a felicidade geral da humanidade que ela seja abolida tout court, conforme os marxistas, ou reformada e estritamente controlada pelo estado, segundo os keynesianos.

Marx e Keynes diziam que sob certas condições a escassez — a impossibilidade de ter tudo ao mesmo tempo — poderia ser suprimida e os povos ingressariam então no nirvana terrestre da abundância. Bastava superar a propriedade privada dos meios de produção, no caso do alemão, ou reduzir a zero a taxa de juros, conforme o britânico, para que esse feliz estado de coisas substituísse o desnecessário vale de lágrimas de dura labuta que aflige os homens desde a expulsão do paraíso.

Em outras palavras, os dois mais famosos e influentes economistas dos últimos cento e tantos anos acreditavam em Papai Noel e no coelhinho da páscoa. Que sejam justamente esses embusteiros os dois mais famosos e influentes economistas sintetiza muito bem a confusão moral e o descalabro intelectual vigente.

Marx e Keynes não foram homens de ciência, e sim expoentes do grupo mais nefasto de todos os tempos, o dos intelectuais socialistas militantes, que superaram com folga os estragos pretéritos de conquistadores sanguinários como Átila, Tamerlão ou Cortez. Suas teorias acerca dos ciclos são tão desonestas e erradas que já nasceram refutadas. Num debate célebre na época, início do século XIX, o economista francês Jean-Baptiste Say conseguira demonstrar os erros cabais de seu colega inglês Malthus, que formulara uma teoria das crises econômicas que depois viria a ser requentada e enfeitada por Marx e Keynes, cada um a seu modo.

De sorte que, para quem quer compreender o que está ocorrendo com a economia global no presente, deve em primeiro lugar descartar in limine as explicações dos economistas marxistas e keynesianos. No Brasil, terra em que 99% dos economistas têm Marx no coração e Keynes na cabeça, isso significa desprezar quase in totum as análises dos pseudo-especialistas. Tampouco há como levar a sério os palpiteiros baratos e propagandistas vulgares como Veríssimo, Sader e similares. Para entender o que está se passando é preciso recorrer às análises e pesquisas de estudiosos sérios.

Como os chamados monetaristas da Escola de Chicago. Para eles, em resumo, a estabilidade econômica depende da relação entre a quantidade total de dinheiro em circulação e a quantidade total de bens e serviços produzida. Enquanto houver equivalência entre ambas essas magnitudes, de modo que uma terceira magnitude, o nível geral de preços, permaneça estável, tudo irá bem. Os problemas decorrem da queda ou do aumento excessivo da oferta de moeda, gerando deflação ou inflação. Para os monetaristas, a razão principal da grande depressão dos anos 1930 teria sido o mau gerenciamento monetário do Banco Central americano, que permitiu uma queda abrupta da quantidade de dinheiro — deflação — e assistiu a uma quebradeira geral de bancos (cujos depósitos à vista — dinheiro — deixaram de existir) sem nada fazer.

A crítica que se faz aos monetaristas é que eles raciocinam em termos de agregados, ou seja, adotam uma teoria macroeconômica dos ciclos que acaba não diferindo muito da macroeconomia keynesiana, e padece de limitações semelhantes. Ademais, tanto na crise americana atual quanto na corrente estagnação japonesa, velha de dez anos, a teoria monetarista falhou na previsão das crises, pois o nível geral de preços em ambos os casos estava mais ou menos estável, e também na correção delas, pois não houve quebras bancárias e deflação e mesmo assim o problema continuou.

Em defesa dos economistas de Chicago, contudo, deve ser dito que eles ajudaram a humanidade derrotando os keynesianos numa grande batalha teórica nos anos 1960 e 1970 centrada nas origens e causas da galopante inflação de preços da época, bem como que eles em geral criticam ferozmente o intervencionismo econômico do protecionismo, monopólios, subsídios, déficits e controle de preços.

Mas a economia não trata de agregados imaginários, meros entes de razão, e sim de seres humanos, suas ações e escolhas num mundo de escassez, imperfeições e incerteza. Nesse plano mais concreto, chamado de microeconomia, alguns teóricos, como Joseph Schumpeter, foram pesquisar a dinâmica das crises econômicas. Esse grande economista partiu do modelo conhecido como equilíbrio geral walrasiano para concluir que a única variável capaz de perturbar esse equilíbrio e deflagrar as crises seria a inovação tecnológica. A teoria da destruição criativa, como ficou conhecida, é muito interessante, mas peca por assumir os postulados irrealistas e insatisfatórios do equilíbrio geral e por concentrar a inovação em determinados períodos, seguidos de calmarias técnicas, quando se sabe que no mundo real ela está ocorrendo o tempo inteiro.

A teoria articulada por Ludwig von Mises sobre antigos insights da escola monetária inglesa do século XIX e sobre as investigações acerca do capital e do juro feitar por Bohm-Bawerk e Wicksell, e depois desenvolvida por Friedrich Hayek e outros, evita as armadilhas da macroeconomia e da microeconomia walrasiana. Mais ainda: fornece a mais completa ilustração das flutuações econômicas. Passemos a testá-la.

A ênfase é na moeda, como é o caso dos monetaristas, porém a abordagem é primariamente microeconômica, concentrando-se nos efeitos que o advento de moeda-crédito nova provoca nos agentes econômicos. Os economistas austríacos notaram que as crises revelam subitamente que a maior parte dos empresários e investidores erraram em suas estimativas do estado futuro do mercado, de modo que suas expectativas de lucratividade foram frustradas. O erro empresarial é normal (afinal, errar é humano) e acontece o tempo todo, pois o futuro é, por definição, incerto. Mas a singularidade das crises está na enorme quantidade de erros de avaliação simultâneos por parte de empresários experientes e especuladores astutos. Entender a causa desse conjunto de erros é a chave para decifrar o mistério das crises.

Em um mundo em que tudo é heterogêneo, só o dinheiro é homogêneo. A moeda tem a função vital de expressar as razões de troca entre as mais variadas coisas — os preços — numa única unidade de conta apta a permitir o cálculo econômico racional. Os preços monetários transmitem informações aos agentes econômicos sobre a escassez relativa dos fatores de produção e dos bens de consumo; e com base nessas informações, os agentes traçam seus planos e tomam suas decisões. Caso esse delicado mecanismo de transmissão de informações via preços seja danificado, os agentes estarão mais propensos a planejar de acordo com dados fictícios e ilusórios de realidade e, portanto, a tomar decisões erradas.

Para haver investimento, é preciso antes ter havido poupança, a diferença positiva entre o que as pessoas produzem e o que consomem. A poupança agregada reflete uma inclinação geral das pessoas de adiar o consumo no presente em troca de mais consumo no futuro. Se, ao contrário, ocorrer uma preferência generalizada pelo consumo no presente, a poupança agregada é reduzida ou até mesmo substituída pelo consumo do capital existente, o que resultará em consumo futuro declinante e queda do padrão de vida.

Em uma economia de mercado desenvolvida, a poupança chega às mãos dos investidores mediante complexos sistemas de intermediação, e o preço que equilibra a procura e a oferta de poupança existente é o juro. Esse preço é absolutamente fundamental para o cálculo econômico dos empresários, que não investirão em linhas de produção cuja rentabilidade seja menor do que os juros que terão que pagar sobre os recursos tomados. O juro sinaliza a escassez de poupança e informa que não dá para produzir tudo no momento, mas apenas os bens de consumo mais urgentemente desejados pelos consumidores.

Outra informação vital fornecida pela taxa de juros é sobre o tempo a ser consumido no projeto de investimento até que os bens de consumo estejam prontos para serem oferecidos no mercado. Um projeto que consome tempo demais para sua maturação corre o risco de morrer na praia por falta de recursos para mantê-lo, pois até que se comece a vender e lucrar há que pagar os salários dos empregados, os fornecedores de insumos etc.

Se, porém, os bancos decidem emprestar além das suas reservas, eles falsificam dinheiro (pois depósitos sujeitos a cheque criados ex nihilo são dinheiro em circulação), criam uma pseudopoupança e consequentemente a taxa de juros, reduzida artificialmente, deixa de ser um sinal confiável. Os empresários e investidores são induzidos a acreditar que há mais poupança real do que efetivamente existe. Todas as crises são precedidas de períodos de prosperidade febril caracterizada por amplos investimentos em bens de capital e de maturação lenta. Por outro lado, o dinheiro falso bombeado pelos bancos na economia termina por alimentar grandes movimentos especulativos nas bolsas de valores e em outros mercados (como o de imóveis). O estimulante dessa febre ilusória de otimismo eufórico é o crédito artificialmente barato provido pelo sistema financeiro sob o comando dos governos.

A distorção na cadeia produtiva que se segue decorre do fato de que a criação de dinheiro falso não implica que os fatores de produção e bens de consumo também possam se materializar magicamente. Eles continuam limitados e escassos como antes. E como há mais dinheiro comprando as mesmas coisas, os empresários passam a disputar ferozmente entre eles os fatores de produção, cujos preços sobem.

De outro ângulo, a remuneração desses fatores, como os salários dos empregados, começa a ser despendida em bens de consumo, cujos preços tendem a subir. A inflação monetária pode ser contrabalançada por um aumento da produtividade (queda dos preços de alguns bens de consumo pelo aumento da oferta), de modo que o nível geral de preços permaneça relativamente estável, como ocorreu nos anos 1920 e nos anos 1990 nos Estados Unidos. Entretanto, a expansão do crédito fatalmente distorce, além da poupança real, também a alocação de recursos. O aumento da demanda por bens de consumo força os empresários dos setores mais próximos do consumo final a competir com os setores mais distantes pelos fatores de produção. A farra do crédito barato, contudo, gera inflação e estende demais o endividamento dos agentes econômicos, de modo que, mais cedo ou mais tarde, o governo e os bancos são forçados a elevar os juros e restringir a oferta de crédito.

Chega de emprestar; a hora agora é de cobrar as dívidas. O aumento dos juros e dos preços dos fatores subitamente deixa nus com a mão no bolso os empresários do setor de bens de capital. Eles se dão conta de que suas previsões estavam erradas, que não conseguirão recuperar o que investiram. E aí começa o salve-se quem puder do corte de custos e demissões. As crises sempre começam nos setores da estrutura de capital mais afastados do consumo final, como nas indústrias pesadas, e só mais tarde vão derrubando o resto.

A recessão, na ótica da teoria austríaca, é o acerto de contas inevitável com o complexo de decisões erradas tomadas no passado com base no falso sinal dos juros baixos. Os empresários têm que ajustar seus planos ao nível de poupança efetivamente existente. Muitos quebram e são excluídos do rol dos empreendedores. Os assalariados empregados nas indústrias insustentáveis perdem seus empregos e têm que procurar outros em setores mais sólidos. O desemprego sobe dramaticamente. Os investimentos em bens de capital e terra não conversíveis são sacrificados. Não há outro jeito.

Quanto menor for a intervenção externa nesse necessário processo de regeneração do organismo econômico, mais rápida será a sua recuperação. A tremenda crise mundial de 1921 foi superada em apenas um ano. Já a crise similar de 1929 se prolongou por mais de dez anos e a convulsão japonesa de 1992 se arrasta até hoje. Isso porque os governos resolveram intervir e só agravaram os problemas. Medidas protecionistas para “preservar empregos”, gastos deficitários estatais para “gerar empregos”, barateamento do dinheiro com juros zero ou até negativos (“reflação”), controle de preços, subsídios às indústrias periclitantes, seguro-desemprego para sustentar a “demanda efetiva” e medidas do gênero impedem a recuperação e prolongam a recessão, transmutada desnecessariamente em depressão.

A economia de mercado é construída por milhões de contratos entre sujeitos livres, ou seja, pela cooperação voluntária e mutuamente vantajosa para as partes segundo suas valorações pessoais e intransferíveis. A base desse sistema incrivelmente complexo é uma atmosfera geral de confiança (daí “crédito”) em que os contratantes cumprirão as obrigações pactuadas. Ao contrário do que pregam os enfadonhos intelectuários socialistas, o capitalismo pressupõe uma moralidade social saudável. O elo que possibilita e liga economicamente todas essas relações privadas é o dinheiro. Ora, se o dinheiro é sujeito à manipulação fraudulenta pelos governos e bancos, violando a regra moral básica de não roubar, a imoralidade é infundida no próprio coração do sistema, corrompendo-o gravemente. A inflação é uma espécie de leucemia econômica, em que o sangue do corpo econômico é deliberadamente envenenado. É claro que mais cedo ou mais tarde os órgãos aparentemente saudáveis começarão a falhar e o paciente descobrirá de repente que está seriamente doente.

A propósito, é abordando o problema do ponto de vista ético que se constata mais facilmente o absurdo das propostas keynesianas para evitar ou curar as depressões. Para Keynes e seus sucessores, o estado se subtrai às regras morais válidas para as criaturas comuns, pois ele não só pode como deve gastar mais do que arrecada (onerando assim o patrimônio de terceiros contra a vontade deles) e falsificar dinheiro em bases permanentes. Essas falcatruas oficiais são conhecidas pelos eufemismos de “política monetária” e “política fiscal”. Ora, o estado é uma abstração. O que ontologicamente existe são indivíduos investidos dos poderes de governo. Não pode ser fecundo um sistema social em que vige uma moral para uns e outra inteiramente contrária para outros. A tendência é a imoralidade dos que estão por cima contaminar todo o corpo social, o que de fato tem acontecido sistematicamente.

A inflação é como as drogas. O primeiro passo para curar um viciado em drogas é parar de tomar a substância. Depois virão os sintomas da crise de abstinência que o indivíduo terá que suportar até limpar seu organismo para poder então levar uma vida sã. A medicina keynesiana, todavia, recomenda atulhar o paciente com a mesma droga em que ele se viciou além de outras igualmente nocivas! Não admira que tantos “pacientes” sujeitos a essa terapia charlatanesca tenham chegado perto de bater as botas. O Brasil é um desses pacientes e os charlatães keynesianos fervilham em torno dos candidatos à presidência, os já famosos quatro cavaleiros do apocalipse.

– A crise americana do início da década de 2000 –

Encerrado esse breve esboço teórico das crises econômicas, passemos agora a examinar a atual recessão à luz dessa teoria. Os anos 1990 foram tempos de grande prosperidade nos Estados Unidos, a mais forte economia do mundo. No comando estava o “senhor dos mercados”, Alan Greenspan, chefe do Banco Central americano. É curioso que analistas sérios possam ter acreditado que a saúde econômica mundial dependesse da batuta de maestro de um único homem. Dá para crer que a inacreditavelmente intrincada complexidade da economia global pudesse ser conduzida intuitivamente por um super-homem, que quando sentia uma dorzinha ominosa nas articulações baixava os juros e quando ouvia uma misteriosa voz interior os aumentava? Pois é nisso que a mídia dominante quis que se acreditasse. A verdade é bem outra.

Greenspan pisou no acelerador da expansão monetária em meados dos anos 1990, aumentando a quantidade de dinheiro em 10% ao ano e depois em 15% ao ano. Por que fazer isso? Porque politicamente é interessante; os políticos têm horizonte de curto prazo e fazem qualquer negócio para que a economia cresça, mesmo que esse crescimento seja insustentável. Seus sucessores que se virem com a crise.

Gráfico 1: crescimento nominal da quantidade de dinheiro na economia americana (1995-2000)

Essa orgia de dinheiro barato desencadeou os investimentos de longo prazo insustentáveis previstos na teoria austríaca dos ciclos, bem como jogou gasolina nas brasas da especulação desenfreada. As ações da Nasdaq foram à estratosfera, muito embora fosse público e notório que as novas empresas “pontocom” levariam anos, e até décadas, antes que começassem a operar no azul. Greenspan começou a falar em “exuberância irracional” na época, mas era ele quem estava abrindo as comportas da irracionalidade.

Como reza essa teoria, a expansão monetária não pode durar para sempre, sob pena de a inflação destruir a economia. Greenspan então falava em “pouso suave” do nível de atividade econômica, excessivamente aquecido, e aumentou a taxa de juros em 1999, reduzindo o crescimento monetário para menos de 8% anuais. A contração nos setores de bens de capital prevista pelos austríacos já tinha se iniciado quando o pouso suave virou uma aterrissagem forçada assustadora. A bolha da Nasdaq estourou, reduzindo a pó as economias de milhões de investidores. Quase seiscentas empresas “pontocom” faliram. A recessão chegou para valer no ano de 2001 e continua bastante séria até o momento. É claro que a crise nos Estados Unidos afeta o mundo inteiro.

Gráfico 2: taxa anual de crescimento de quantidade de dinheiro na economia americana (1996-2000)

Outro ponto de comprovação da teoria austríaca é a corrente epidemia de fraudes contábeis em grandes empresas e bancos americanos. É óbvio que jamais aconteceu uma assembléia geral de grandes empresários para combinar uma maquiagem contábil generalizada. Essas coisas são feitas no maior segredo. Cada empresa tomou sozinha a decisão de mentir ao público. O fato de que tanta delas tenham feito a mesma coisa ao mesmo tempo reflete o desespero comum de cada um desses conglomerados diante do complexo de estimativas erradas induzidas pela política monetária traiçoeira de Greenspan.

Não se trata aqui de relativizar e desculpar os crimes cometidos por esse pessoal. Um erro não justifica o outro e a desonestidade deles tem de ser punida. Mas não se pode esperar que um sistema imoral gere moralidade. De maneira que a recente declaração de Greenspan contra a “ganância infecciosa” é farisaica e tem por meta tirar o dele da reta. E a grande imprensa mundial engoliu essa isca com a maior sofreguidão, pois, eterna cortesã do estado que é, não poderia admitir que o “senhor dos mercados” não passa de um super-trambiqueiro e fraudador emérito.

Por outro lado, a revelação das fraudes demonstra a superioridade da ordem de mercado, pois não se pode enganá-la por muito tempo. A triagem dos lucros e perdas é implacável, cedo ou tarde os prejuízos produzem seus efeitos. Já as maquiagens contábeis estatais são muito mais difíceis de detectar, muito mais vultosas e onerosas e no fim não dão em punição para os políticos e burocratas. Punição mesmo só para os contribuintes que pagam a conta.

O fato é que a crise está posta e seus desdobramentos para o bem ou para o mal dependerão das ações futuras do governo dos Estados Unidos. Seguir o caminho trilhado por Hoover e Roosevelt nos anos 1930 é receita segura para uma depressão de grandes proporções. Naquele tempo, o governo americano fez tudo o que se poderia imaginar de pior para abortar a recuperação. Instituiu altíssimas tarifas alfandegárias, arruinando o comércio internacional, duplicou os impostos, descarregou subsídios sobre setores ineficientes, desvalorizou o dólar, contraiu déficits fiscais enormes, inflacionou a moeda e interveio no mercado de trabalho. A recessão inicial então se eternizou como uma brutal depressão. Infelizmente, as autoridades americanas não aprenderam a lição do passado, pois estão seguindo trilha semelhante no presente.

Greenspan “reflacionou”, voltando a bombear crédito em doses cavalares na economia americana com juros de quase zero. Não adiantou nada, é claro. Bush e o Congresso estão unidos na política de subsídios e no protecionismo, o que vai naturalmente gerar retaliações dos outros países e blocos comerciais. Uma guerra comercial agora seria um desastre, como foi nos anos 1930. Adotando as indefectíveis recomendações dos keynesianos, que nessas horas sempre retiram o velho pangaré da “política fiscal” de suas nauseabundas estrebarias, Bush elevou dramaticamente os gastos públicos americanos, o que gera déficit, que tem que ser financiado via inflação ou endividamento, e a dívida pública americana não é baixa. Estimulados pelo abundante crédito ao consumo e pela ideologia keynesiana da gastança como meio de encorajar a “demanda agregada”, os americanos se endividaram muito e estão poupando pouquíssimo. Os investimentos estão muito dependentes de poupança externa, que está melindrada pela crise de credibilidade do mercado americano e ameaça fugir para pousos mais seguros. O déficit comercial está alto e aumentando. De resto, o belicismo do governo Bush pouco contribui para a estabilidade mundial. O cenário é lastimável e alimenta o pessimismo.

Para piorar, os políticos estão fazendo a costumeira demagogia lançando empresários fraudadores aos leões para encobrir sua própria culpa no cartório pela situação atual. Fala-se em regulamentações mais severas e draconianas, o que só pode entravar ainda mais um mercado que, ao contrário do que se pensa, já é excessivamente cerceado por copiosas leis e regulamentos. Tudo isso é fumaça. Fraudar a contabilidade sempre foi crime e já existem rígidos mecanismos de prevenção que falharam porque o estado costuma falhar. É da natureza da burocracia ser ineficiente. Nem se fosse possível designar um policial para seguir como uma sombra todos os contadores do país daria jeito no problema, pois quem garante que os policiais não seriam por sua vez incompetentes ou sujeitos à corrupção? Teria que haver um fiscal do policial do contador, e depois um fiscal do fiscal do policial do contador e assim por diante.

Para não ficar somente na sinistrose, vale lembrar que aparentemente não há no horizonte próximo a ameaça de ideologias insensatas como o nazismo e o comunismo, que nos anos 1930 ainda tinham o frescor da novidade e não tinham sido testados e reprovados pela experiência histórica. A realidade ensinou duras lições aos políticos que se encantaram pelo marxismo e pelo keynesianismo, de modo que prevalece ainda um certo consenso de que a economia de mercado deve prevalecer, mesmo que pesadamente obstruída pelas “políticas públicas”.

O que se pode assegurar é que os ciclos econômicos continuarão a se repetir enquanto existir a manipulação política da moeda, e não há sinal de que isso possa mudar no futuro previsível. A arquitetura monetária do capitalismo moderno é um castelo de cartas sujeito a desmoronar parcial ou totalmente a qualquer momento.”

http://www.mises.org.br/Article.aspx?id=1564

Vader
11 anos atrás

Luiz Paulo disse:
10 de abril de 2013 às 14:26

Prezado, artigo SIMPLESMENTE P E R F E I T O!

Parabéns. Aliás, fica a dica aos editores: este comentário deveria virar post!

Uma aula de economia, e uma aula de capitalismo.

Em suma:

1. keynesiano é aquele médico idiota que quer curar a obesidade com uma dieta à base de gordura;

2. marxista é aquele médico safado que como não sabe como curar o doente propõe que a família o mate.

A única ressalva que coloco é que o autor está bastante enganado se acha realmente que o comunismo como idéia de controle dos mercados desapareceu. Ele está muito enganado: a humanidade ainda não se livrou dos idiotas, eles estão vivos, disfarçados de várias coisas (inclusive de keynesianos), e até por isso mais perigosos do que nunca.

Saudações.

Corsario137
Corsario137
11 anos atrás

Gente,

Genial? Fala sério…

Textinho safado e batido dos liberais do interior dos EUA. Nada contra os liberais, keynesianos e outras correntes da economia mas sejamos ao menos razoáveis.

Pros amantes do liberalismo, vou pegar um texto aqui da Economist que tenho guardado que é ao menos um pouco mais crível.

Sds,

Luiz Paulo
Luiz Paulo
11 anos atrás

Corsário, se foi uma vaquinha, um ET ou uma minhoca que escreveu o texto, eu deixo pra lá. Poderia ser até um comuna com alguma doença (no caso dele) que faça o cérebro funcionar e raciocinar. Enfim, o mérito do texto continua 100%.

– A teoria das recessões é precisa. Estado = indivíduos empossados de poderes (legislativo,econômico etc.). Esses indivíduos são pessoas como nós, imperfeitos e limitados que não tem como dizer o que é melhor ou o que e quando consumir ou poupar pois cada indivíduo tem suas necesciades e vontades independentes.e sua ingerência na economia apenas aumenta o acumulo de erros de cálculo econômico (investimentos, oferta monetária,

– O que houve nos EUA foi especulação em cima de especulação estimulada pelo governo achava que era imprimir dinheiro, gastar, e o mundo seria feliz (Exatamente o que os nosso governantes fizeram/fazem hoje aqui). Os dados mostram isso. Oferta monetária que não é regulada pela demanda, uma hora a conta chega. Chegou pra eles, já já chega pra nós.

Se vc trouxer mais dados

Luiz Paulo
Luiz Paulo
11 anos atrás

Aff.. dei enter sem querer ignorem o de cima, rs.

Corsário, se foi uma vaquinha, um ET ou uma minhoca que escreveu o texto, eu deixo pra lá. Poderia ser até um comuna com alguma doença (no caso dele) que faça o cérebro funcionar e raciocinar. Enfim, o mérito do texto continua 100%.

– A teoria das recessões é precisa. Estado = indivíduos empossados de poderes (legislativo,econômico etc.). Esses indivíduos são pessoas como nós, imperfeitos e limitados que não tem como dizer o que é melhor ou o que e quando consumir ou poupar pois cada indivíduo tem suas necessidades e vontades independentes. ASSIM sua ingerência só deforma a economia, aumentando o acumulo de erros de cálculo econômico por meio de geração de demanda artificial de determinados bens, investimentos, oferta monetária, enfim. O conhecimento da economia (o que, como e quando fazer e gastar) está disperso pelo sociedade, nos indivíduos. Quanto mais próximo do indivíduo esta a responsabilidade pelo seu ato (no caso o econômico), mais facilmente ele poderá corrigir seu erro, arcando com suas consequências e atingindo menos terceiros.
Quanto mais longe do indivíduo estiver a responsabilidade pelos atos e mais próximo ao Estado ( mais interferência do Banco Central, Governo, etc), mais dificilmente ele sente o peso da responsabilidade (afinal “foi o governo”), e assim ele pode especular mais, arriscar mais, mentir mais ( além de contar com a mãe BNDES pra salvar), e no fim mais pessoas vão sendo enganadas e prejudicadas pelas distorções geradas.

– O que houve nos EUA foi especulação em cima de especulação estimulada pelo governo achava que era imprimir dinheiro, gastar, e o mundo seria feliz (Exatamente o que os nosso governantes fizeram/fazem hoje aqui). Os dados mostram isso. Oferta monetária que não é regulada pela demanda, uma hora a conta chega. Chegou pra eles, já já chega pra nós.

Trazer novos dados sempre melhora a discussão.

Aviso: não falo “economês”, apenas um abelhudo que gosta de ler e pensar.

Sds.

Drcockroach
Drcockroach
11 anos atrás

O artigo publicado pelo Luiz Paulo eh muito bom, claramente influenciado pelo austriaco Hayek, Nobel de economia, que tanto influenciou outras escolas de economia como a institucional (Premios Nobel Coase, Williason; ambos amigos de Hayek) e Public Choice (premio Nobel Buchanan, tb amigo de Hayek).

Por falar em Hayek, um excelente antecipacao da crise do Euro lah em 1974:

“Though I strongly sympathise with the desire to complete the economic unification of Western Europe by completely freeing the flow ofmoney between them, I have grave doubts about the desirability of doing so by creating a new European currency managed by any sort of supra-national authority. Quite apart from the extreme unlikelihood that the member countries
would agree on the policy to be pursued in practice by a common monetary authority (and the practical inevitability of some countries getting a worse currency than they have now), it seems highly unlikely, even in the most favourable circumstances, that it would be administered better than the present national currencies. Moreover, in many respects a single
international currency is not better but worse than a national currency ifit is not better run. It would leave a country with a financially more sophisticated public not even the chance of escaping from the consequences of the crude prejudices governing the decisions of the others. The advantage of an international authority should be mainly to protect a member state from the harmful measures of others, not to force it to
join in their follies.”

F. Hayek (1974, pag. 24) “Denationalisation
of Money”
http://mises.org/books/denationalisation.pdf

Mas o fundamental aqui eh que economia eh uma ciencia social, nao existe interpretacao unica, consensual; sequer existe p/ crise de 29, imagine p/ a recente de 2008 (antecipada por varios economistas austriacos que descreveram a housing bubble iniciada com a manipulacao dos juros pela unica entidade capaz de faze-lo, o banco central americano).

Achar que a discussao acabou, que eh “o fim da historia”, que existes diagnosticos/prognosticos unicos eh incompreensao da epistemologia economica basica.

Mas nao acho que este seja o forum p/ debater.

[]s!