Nicholas D. Kristof

Novo líder chinês tem a seu favor fato de antecessor ter desperdiçado os últimos 10 anos; há sinais de avanços, mesmo que abertura econômica seja mais rápida que a política

 

As minhas previsões pa­ra a China são as seguin­tes: O novo líder supre­mo, Xi Jinping, comandará uma retomada das reformas econômicas e provavelmen­te também certo abrandamento na área política. Durante o seu mandato, o corpo de Mao será retirado da Praça Tienanmen e Liu Xiaobo, o ganhador do Prêmio Nobel da Paz, será liberta­do da prisão.

Tudo isso não acontecerá de imedia­to – aliás, Xi só tomará posse em mar­ço- e eu posso me enganar completa­mente. Mas meu pressentimento, ao regressar à China, onde vivi por muito tempo, é que as mudanças estão próxi­mas.

Essa é a minha opinião a respeito de Xi como reformador: em primeiro lu­gar, essa tendência está nos seus ge­nes. Seu pai, Xi Zhongxhun, foi um pio­neiro da reestruturação econômica e denunciou publicamente o massacre dos que protestavam em favor da de­mocracia, em 1989. A mãe de Xi prefe­re morar em Shenzen, o enclave mais capitalista da China. Xi é também um dos primeiros líderes chineses que de­cidiu enviar um membro da família aos Estados Unidos para estudar. Sua filha ingressou na universidade em Harvard, refletindo a ênfase dos pais no aprendizado da língua inglesa e sua admiração pela educação americana.

Favorece o novo líder o fato de seu antecessor não ter correspondido à expectativa. Xi sucede ao presidente Hu Jintao, que na China é considera­do em geral um fracasso. Até seus mi­nistros queixam-se de que ele desper­diçou os dez anos em que permane­ceu naliderança do país. A urgência de mudança é muito grande.

Hu, que costuma ler seus discursos, é um robô que se cerca de robôs. Um deles é o assessor Ling Jihua, cujo fi­lho de 23 anos recentemente dirigia uma Ferrari, em Pequim, com duas mulheres seminuas a bordo. O carro se acidentou matando o jovem e ferin­do uma das mulheres e matando a ou­tra. Temendo um escândalo, Ling tra­tou de encobrir o incidente. Foi ao ne­crotério, segundo relato de um funcionário chinês, olhou o corpo e simples­mente negou que se tratasse do seu filho. Nas semanas seguintes, continuou trabalhando como se nada tivesse acontecido. Mas seu plano fracassou e o episó­dio revelou os erros cometidos pela anti­ga liderança: a exibição de uma riqueza de origem duvidosa, o abuso de poder e a falta de compaixão.

Xi quer que o mundo entenda que ele é diferente. Seu primeiro ato, depois de ser escolhido como secretário-geral do Partido Comunista, em novembro, foi reeditar a famosa “viagem pelo sul” de Deng Xiaoping, em 1992, que deu novo stímulo às reformas econômicas. Xi e a sua equipe também assustaram os mem­bros do governo dizendo-lhes que paras­sem de ler discursos vazios nas reuniões.

Outro bom sinal: ouvi dizer que Wang Yang, reformista líder do partido na Pro­víncia de Guangdong, talvez o líder mais competente da China hoje, será nomea­do vice-primeiro-ministro em março.

A nova liderança provavelmente prefe­rirá acelerar a mudança econômica dan­do pouca ênfase ao abrandamento políti­co, mas isso está sendo cada vez mais difícil porque surge na China uma classe média, mais segura de si, dotada de eleva­do nível de educação, conhecedora do mundo. Ao longo dos anos,a maioria dos países vizinhos da China – de Taiwan à Mongólia, da Coreia do Sul à Tailândia – tornou-se mais democrática, e agora até Mianmar está se adequando aos novos tempos. Seriai mpossível que apoderosa China fosse mais atrasada do que Mianmar.

Há 25 anos, visito regularmente a al­deia ancestral da minha mulher na re­gião de Taishan, no sul da China. No começo, os aldeões eram semianalfabetos e viviam isolados. Agora, seu mundo está totalmente transforma­do. Durante a última visita, paramos numa casa de fazenda onde um antigo camponês estava na internet nego­ciando ações com o seu laptop. Sua filha estuda na faculdade e ele assiste aos programas da TV de Hong Kong em seu televisor com tela grande.

Pessoas como ele dificilmente se deixam controlar ou manipular e sua principal preocupação é a crescente corrupção na China. Há 20 anos, um amigo, que é filho de um membro do Politburo, emprestava seu nome em troca de centenas de milhares de dóla­res ao ano a uma companhia chinesa para que ela adquirisse terra mais barata dos governos locais. O tempo foi passando e membros das famílias dos líderes acumulam bilhões de dólares por meio desse sistema.

Os 70 delegados mais ricos do Congresso Nacional Popular da China acu­mularam um patrimônio de US$ 90 bilhões, noticiou a agência Bloomberg News. Mais de dez vezes o ganho de todo o Congresso americano.

Indubitavelmente, há evidências que contestam minha visão otimista. O que mais preocupa é o fato de que as autoridades procuram reprimir a li­berdade na internet. Seria um grande retrocesso, mas acredito que não vin­gará. Neste momento, ocorre um tes­te interessante: um funcionário de al­to escalão encarregado da propagan­da censurou uma mensagem de Ano Novo num importante jornal de Guangdong, e agora os jornalistas exi­gem publicamente sua demissão.

Xi é mais nacionalista do que Hu, e temo que um eventual confronto com o Japão na questão do arquipélago dis­putado no Mar da China possa esca­par do controle – com resultados im­previsíveis.

O fenômeno mais indiscutível do nosso tempo é a ascensão da China. Nos últimos dez anos, ela foi afetada pelafracassadaliderançade Hu. Aposto que nos próximos dez anos de reinado de Xi, ela renascerá.

FONTE: O Estado de S. Paulo – 07/01/2013

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