‘Nenhum país se desenvolveu sem proteção’
Melina Costa
ENTREVISTA
Ha-Joon Chang, professor de economia na Universidade de Cambridge
Para economista, protecionismo não explica processo de desindustrialização no Brasil
O professor da Universidade de Cambridge Ha-Joon Chang é um dos principais economistas heterodoxos do mundo. Em seu livro mais famoso, Chutando a escada: a estratégia do desenvolvimento em perspectiva histórica, ele argumenta que os maiores países desenvolvidos foram intervencionistas um dia e agora tentam impedir que as nações em desenvolvimento façam o mesmo. Chang tornou-se especialista no modelo adotado pela Coreia do Sul, país frequentemente comparado com o Brasil. A nação asiática tinha apenas dois terços da renda brasileira na década de 60 e agora é 2,5 vezes mais rica. Em entrevista por e-mail, Chang alerta para a gravidade da desindustrialização no Brasil e insiste na necessidade de proteção a empresas locais. “O Japão protegeu sua indústria de automóveis por 40 anos. Se a proteção é tão ruim, como a Toyota bateu a GM?” O economista estará hoje em São Paulo para participar de um programa de palestras promovido pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Em sua última visita ao Brasil, o sr. disse estar preocupado com a desindustrialização. Muitos economistas afirmam que esse é um resultado esperado em um cenário de globalização em que a China tomou a liderança no setor industrial. Além disso, o Brasil está cada vez mais concentrado no setor de serviços. Por que o sr. acha que a desindustrialização é um problema?
No curto prazo, não importa muito como você cresce. Porém, no longo prazo, a desindustrialização é um problema porque o setor de manufatura é o mais confiável motor do crescimento. Isso acontece porque na indústria há, geralmente, um maior crescimento de produtividade que em outros setores e, mais importante, é a principal fonte de progresso tecnológico. É onde a maior parte da pesquisa e desenvolvimento é feita e onde a maior parte da inovação tecnológica acontece. Esse ponto pode ser ilustrado pelo fato de que Suíça e Cingapura, países cujo sucesso as pessoas associam ao setor de serviços, são, na verdade, dois dos países mais industrializados do mundo. Eles são o segundo e o terceiro na lista de países com maior valor agregado per capita da indústria no mundo. Estão atrás apenas do Japão.
Qual o problema de o Brasil se concentrar no setor de commodities, onde está sua vantagem comparativa?
Com exceção de minúsculos Estados como o Catar, nenhum país atingiu altos padrões de vida baseado em commodities primárias. A Austrália provavelmente é o país “normal” mais afortunado do mundo em termos de recursos naturais (muito melhor dotado que o Brasil). Mas até a Austrália produz quase 3,5 vezes mais produtos manufaturados per capita que o Brasil. Então, aqueles que argumentam que o Brasil deveria se desenvolver baseado em commodities estão tentando atingir o impossível.
Um dos argumentos liberais é que a desindustrialização no Brasil está ligada ao fato de que nossa indústria tornou-se pouco competitiva. Esse seria um resultado das políticas protecionistas, que têm isolado o País da concorrência há décadas. O sr. discorda disso?
Nenhum país desenvolveu sua indústria sem algum período de proteção, da mesma forma que crianças não podem crescer e se tornarem pessoas produtivas sem irem à escola. A história é prova disso. Os Estados Unidos tiveram as maiores tarifas do mundo por 120 anos até a Segunda Guerra Mundial. Se proteção fosse tão ruim, como os EUA passaram de uma potência agrária de segunda classe para a nação industrial mais poderosa do mundo durante aquele período? O Japão protegeu sua indústria de automóveis por 40 anos. Se a proteção é tão ruim, como a Toyota bateu a GM? Essas pessoas estão dizendo que o Brasil teria a Embraer e a Petrobrás sem o protecionismo? É possível que algumas indústrias tenham sido superprotegidas, mas isso não é o mesmo que dizer que o protecionismo é a razão da fraqueza industrial do Brasil. É, na verdade, a razão pela qual o Brasil tem alguma indústria!
O sr. estudou profundamente a economia sul-coreana. O país é sempre comparado ao Brasil, que ficou para trás na corrida do desenvolvimento. O governo da Coreia do Sul trabalhou de perto com algumas famílias que controlaram as principais companhias. Esse modelo funcionaria em uma democracia forte como o Brasil?
Você está certa sobre a Coreia, mas isso não quer dizer que o modelo de negócios dominado por famílias é incompatível com a democracia. A Suécia é, provavelmente, um dos países mais democráticos do mundo, mas há uma família, do Grupo Wallenberg, que é muito mais dominante que todas as famílias de chaebol juntas (chaebol é o termo usado para definir os conglomerados de empresas sul-coreanas, tais como Samsung e Hyundai). O Grupo Wallenberg tem controle – pelo menos 20% das ações, às vezes 100% – em companhias que representam cerca de um terço das ações na Bolsa de Estocolmo. Eles pagam altos impostos, apoiam o estado de bem-estar social, cooperam com os sindicatos e fazem imensas doações para caridade.
No Brasil, é comum ouvir entre os empresários que as altas taxas de juros e o real valorizado prejudicam a competitividade. O governo atacou os dois problemas no ano passado e, mesmo assim, o País cresceu pouco. O que mais o Brasil precisa fazer?
Boas políticas de taxa de juros e taxa de câmbio apenas proporcionam o ambiente para o desenvolvimento da economia. Elas, sozinhas, não desenvolvem a economia. O Brasil precisa modernizar sua infraestrutura urgentemente, o que requer muito investimento público e parceiras público-privadas. Precisa apoiar a capacitação da mão de obra e a pesquisa e desenvolvimento em indústrias de mais alta tecnologia – isso inclui pequenas e médias empresas em indústrias como a de máquinas, engenharia de precisão, energia alternativa e biotecnologia. O Brasil tem boas empresas públicas que trabalham com companhias orientadas para a tecnologia, como o BNDES, a Embrapa e a Finep. A cooperação com esses órgãos precisa ser reforçada.
FONTE: O Estado de S. Paulo – 07/01/2013
“[…] É possível que algumas indústrias tenham sido superprotegidas, mas isso não é o mesmo que dizer que o protecionismo é a razão da fraqueza industrial do Brasil. É, na verdade, a razão pela qual o Brasil tem alguma indústria! […]”
Interessente a questão histórica apresentada no texto. Cadê a tchurma do(s) Ives Granda? Será que não comentam pelo fato de o autor ser chinês? Ou será que vão acusá-lo de ser comunista ou petista ou sei lá o quê? Agora, argumentos baseados em ciência econômica…
Comparar os EUA de 150, o Japão de 60 e e a Coréia do Sul de 40 anos atrás, com o Brasil atual, é um tremendo de um erro. É olhar para trás e não para frente.
Pode-se dar os tratos à bola que se quiser: a diferença de hoje é que o mundo e as economias estão integradas pelas comunicações. É um fato. Proteger empresas através de reserva de mercado só lhes tirará a competitividade, na medida em que o mundo é muito maior, avançado e interconectado. É como meter o doente em uma bolha de plástico: você lhe prorrogará a vida, mas lhe tirará qualquer chance de que ele viva com qualidade.
No mais, enquanto não reduzirmos o custo-Brasil e a insegurança jurídica, a dependência das grandes empresas do Estado irá continuar e aumentar; e não iremos crescer, na medida em que o dinheiro fácil do tesouro tira das empresas o incentivo pela inovação.
Esse cara falou tudo. E concordo com o Vader, se tinha que ter reserva de mercado, esse bonde já passou.
O problema do Brasil todos sabem, mas ninguém quer colocar a mão dentro do vespeiro e cutucar isso.
Reformas jurídicas, reforma na infraestrutura e reforma política já fariam o Brasil decolar.
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Mudando de saco pra mala, alguém pode me explicar porque que existem “partidos políticos” no Brasil e pq que o mandado de um político é na verdade do partido e não da própria pessoa?
Pq não acabar com partidos e o mandato ser da pessoa em si?