Cristiano Romero

Há muito se fala da decadência do “império americano”, hipótese que teria se tornado mais visível neste século graças às consequências da crise financeira de 2007/2008 e à emergência econômica de potências como a China. Sem perder tempo, a intelligentsia americana tem se debruçado sobre o tema não só para compreendê-lo, mas também para indicar caminhos que ajudem os Estados Unidos a manter a hegemonia.

Um desses esforços está sendo empreendido por dois dos principais “think tanks” (numa tradução livre, usinas de ideias, embora centro de influência seja o conceito mais adequado): o Center for a New American Security (CNAS) e o German Marshall Fund of the United States (GMF). As duas entidades criaram projeto, batizado de “Swing States” (Estados decisivos), para examinar como os EUA e seus aliados europeus podem se aproximar de quatro países emergentes para fortalecer a ordem internacional.

Em estudo intitulado “Global Swing States: Brazil, India, Indonesia, Turkey and the Future of Internacional Order”, Daniel M. Kliman e Richard Fontaine advogam a tese de que essas quatro nações emergentes têm peso suficiente para influenciar de forma decisiva a trajetória da atual ordem mundial. O que eles sugerem é que o governo americano, bem como seus aliados europeus e asiáticos, coloque esses países no topo das prioridades da política externa.

Entidades sugerem que EUA e aliados deem prioridade ao país

Por que Brasil, Índia, Indonésia e Turquia? A explicação: os quatro possuem uma grande e crescente economia – juntas, somam PIB, medido pelo conceito de paridade do poder de compra (PPP), de quase US$ 8 trilhões -, localização estratégica em suas regiões e compromisso com instituições democráticas. Para Kliman e Fontaine, sua abordagem na ordem mundial é mais fluida e aberta que as da China e Rússia.

“(…) Todos são cada vez mais influentes nos níveis regional e global, e embora desejem mudanças na ordem internacional, não querem desmontá-la”, afirmam.

A ordem internacional que os EUA colocaram de pé no pós-guerra enfrenta, de fato, vários desafios. Um deles é a decadência do sistema multilateral de crédito, afetado pelo enfraquecimento de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Bird). Outro é a estagnação das negociações comerciais multilaterais. Há também as dúvidas que cercam a emergência da China como potência econômica e política.

Kliman e Fontaine mencionam ainda, como desafios à ordem mundial, as ambições nucleares do Irã e da Coreia do Norte, além da perda de fôlego da democracia em algumas regiões – segundo a Freedom House, o percentual de Estados democráticos caiu de 64% em 2006 para 60% em 2011. Nesse contexto, afetados pela crise, EUA e União Europeia estão sofrendo pressões fiscais e políticas que constrangem sua atuação como principais sustentáculos da ordem global.

Grosso modo, os dois “think tanks” estão propondo ao presidente Barack Obama que atraia para o clube os quatro aliados emergentes, antes que eles tomem decisões que contrariem interesses centrais dos EUA e de seus aliados e, pior, aliem-se a poderes que Washington considera perigosos, pouco confiáveis ou fora de seu controle, casos de Rússia e China.

Kliman e Fontaine definem a ordem mundial por meio de cinco temas: comércio, finanças, questão marítima, proliferação nuclear e direitos humanos. Eles analisam como cada um dos quatro emergentes está lidando com essas questões e recomendam ações concretas de aproximação. É curioso ver como percebem o Brasil, país historicamente amigo dos EUA, mas igualmente relutante a uma aproximação maior, ao contrário do que fazem Índia e Turquia.

O Brasil é visto como uma nação que, nos últimos anos, na esteira de seu relativo sucesso econômico, aprofundou a democracia e reduziu as desigualdades sociais e que, por essas razões, exige reconhecimento internacional. O país aspira a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e a um maior peso nas decisões do FMI e do Bird, pleitos que americanos e europeus nunca consideraram seriamente.

No capítulo do comércio, o Brasil é descrito pelos autores como um país que tem trabalhado para desacelerar a liberalização comercial, adotando medidas protecionistas, ainda que dentro das regras da OMC. É lembrada a tentativa de transformar em disputa comercial as políticas adotadas por China e EUA para “artificialmente” desvalorizar suas moedas. Para os brasileiros, um “subsídio às exportações”.

Na ordem financeira, o Brasil saiu da posição de recipiente para a de doador líquido de recursos de instituições multilaterais. Tornou-se forte defensor da adoção de controles de capital, tendo obtido sucesso em convencer o FMI a repensar suas recomendações nessa área. O Brasil é lembrado, ainda, por defender o fim da predominância do dólar nas relações comerciais.

Na questão marítima, o país é visto como uma nação que tenta driblar regras internacionais, mas que, ao mesmo tempo, dá contribuições para aumentar a segurança marítima. É signatário da Unclos, convenção da ONU para esse setor, e busca, por meio dela, realizar suas ambições. Uma delas é ampliar, como fez em 2008 de forma malsucedida, a zona de segurança em torno de instalações “offshore” (como plataformas de petróleo).

Na questão nuclear, o Brasil é visto como um ator que, mesmo signatário do TNP (Tratado de Não-Proliferação), defende a soberania, opondo-se a medidas para fortalecer esse acordo. O envolvimento fracassado, juntamente com a Turquia, nas negociações com o Irã em 2010 não é visto como prenúncio de futuras ações nessa área. “Pelo contrário, muitos brasileiros veem hoje esse episódio como um tropeço da política externa”, dizem Kliman e Fontaine.

O capítulo de direitos humanos lembra retrocessos do governo Lula (a oposição a resoluções da ONU contra países violadores) e avanços da gestão Dilma, que votou contra os interesses do Irã. A relutância do país em apoiar ações militares contra regimes que cometem atrocidades contra seus cidadãos é lembrada. Aqui, prevalece a ideia da diplomacia brasileira de que direitos humanos não devem ser pretexto para intromissões de caráter geopolítico.

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

FONTE: Valor Econômico – 26/12/2012

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Giordani
Giordani
11 anos atrás

É…mas infelizmente o tripé da economia braZileira começa a se desfazer…e o primeiro passo é a credibilade do tripé e que já está sendo contestada por certas “agências” de investimentos…

Requena
Requena
11 anos atrás

Em resumo, descobriram que o Brasil é o país do futuro 🙁

Potencial tem, o problema são os políticos que existem nessa terra. Se depender deles vamos ser eternamente “the next big thing”…

jacubao
jacubao
11 anos atrás

Na boa,não há lugar para o Brasil nessa nova ordem mundial, principalmente para um gigante sem dentes.

erabreu
erabreu
11 anos atrás

Anotem uma coisa:
os que hoje vociferam e espumam contra os “IMPERIALISTAS YANKEES” um dia no futuro ainda irão sentir saudades.
Estes pelo menos tentam manter um verniz de atenção à opnião publica. Os imperialistas amarelos não terão tanta consideração.
E aí, como disse o amigo Jacubao: os “DENTES” farão muita falta.

Blind Man's Bluff
Blind Man's Bluff
11 anos atrás

@Requena

O problema do Brasil não sao os politicos mas sim os próprios brasileiros.

Blind Man's Bluff
Blind Man's Bluff
11 anos atrás

E ainda digo mais: o maior inimigo do Brasil é o ‘jeitinho brasileiro.’

Giordani
Giordani
11 anos atrás

Concordo. O maldito “jeitinho braZileiro” é a coisa mais odiósa e estúpida que essa nação já produziu!!!! A sociedade exige que as leis sejam cumpridas, mas fura-se fila até de cinema! Quando um gari encontra uma mala recheada de dólares e devolve é taxado de trouxa! Maldito seja a desgraçada da lei de gérson!

Tenho nojo deste comercial!
http://www.youtube.com/watch?v=J6brObB-3Ow

giltiger
giltiger
11 anos atrás

Toda “inteligência” dos think tankers americanos se resumem na seguinte linha referentes aos países-alvo desta “nova política”:

“(…) Todos são cada vez mais influentes nos níveis regional e global, e embora desejem mudanças na ordem internacional, não querem desmontá-la”, afirmam.

NO FIM tudo se resume numa plataforma para MANTER uma ordem internacional onde os EUA e europeus detem a primazia através de migalhas SUFICIENTES a alguns selecionados…

NESTE caso se impões uma velha máxima marinheira, o que mais VALE ser a cabeça da SARDINHA ou o rabo do TUBARÃO ???

O Brasil e estes demais países podem ser os cúmplices (ou os subornáveis) para a manutenção da atual ordem internacional ou os líderes (ou os que arriscarão perder a luta) por uma NOVA ORDEM internacional.

ESTA é a encruzilhada que o Brasil enfrentará neste século…