Análise: THOMAS L. FRIEDMAN, THE NEW YORK TIMES – O Estado de S.Paulo

A guerra entre israelenses e o Hamas, na semana passada, foi o primeiro teste da ordem que se instalou na região após o despertar árabe no Oriente Médio. O Hamas, que se envolveu num duelo de mísseis com Israel e depois pediu apoio aos países árabes, particularmente ao Egito, testou não apenas o Cairo, mas também Israel.

A questão que o Hamas apresentou aos egípcios foi simples: o Egito realizou uma revolução democrática no ano passado para se tornar mais parecido com o Irã ou com a China?

Em outras palavras, o Egito estará disposto a sacrificar o acordo de Camp David, a ajuda dos EUA e o desenvolvimento econômico para apoiar o programa radical, pró-iraniano do Hamas, ou não? A resposta do Cairo foi não. O presidente Mohammed Morsi, do partido da Irmandade Muçulmana, não quis ser forçado a um rompimento total com Israel em favor do Hamas e, por isso, usou a influência do Egito para intermediar um cessar-fogo.

Mas isso suscita uma questão ainda mais intrigante daqui para a frente – a possibilidade de Morsi usar seu prestígio para um avanço na situação entre Israel e os palestinos a fim de o Egito não ser apanhado novamente.

É impossível não se sentir preocupado com o prestígio que Morsi poderia vir a ter no processo de paz, se optasse por apoiar Israel. Exatamente por ele representar a Irmandade Muçulmana, a vanguarda do Islã árabe, e justamente por ter sido eleito democraticamente, se ele usasse sua influência num acordo de paz israelense-palestino, seria muito mais valioso para Israel do que a fria paz que Anwar Sadat proporcionou e Hosni Mubarak manteve. Sadat ofereceu aos israelenses a paz com o Estado egípcio. Morsi ofereceria a Israel a paz com o povo egípcio e, por meio dele, com o mundo muçulmano.

Ironicamente, tudo isso dependeria de Morsi não se tornar um ditador. Agora isso está sendo posto em dúvida pelo fato de Morsi ter-se dotado de mais poderes.

Sem dúvida, o preço de Morsi por sua aproximação com Israel seria a Iniciativa de Paz Árabe – a retirada total dos israelenses da Cisjordânia e do setor leste de Jerusalém, salvo por trocas de territórios segundo acordos mútuos, e o retorno de alguns refugiados. Se Morsi apresentasse essa proposta em conversações diretas com Israel, poderia ressuscitar unilateralmente a ala israelense favorável à paz.

Estarei esperando isso? Tanto quanto espero ganhar na loteria. A Irmandade há muito odeia o Estado Judeu, assim como o pluralismo político e religioso e o feminismo. Portanto, o que espero são mais problemas entre Israel e o Hamas que ameaçarão constantemente envolver o Egito.

O Hamas subordina os interesses do povo palestino ao Irã (e anteriormente à Síria), que quer que o Hamas faça o possível para impossibilitar a solução dos dois Estados, pois isso prenderia Israel numa armadilha mortífera na Cisjordânia, destruindo a democracia judaica, com a finalidade de desviar as atenções da opinião pública mundial do comportamento assassino do Irã e da Síria.

Israel se retirou de Gaza em 2005 e o Hamas teve a possibilidade de escolher: reconhecer Israel e ter uma fronteira aberta, ou continuar negando a existência de Israel, manter a fronteira fechada e contrabandear foguetes. Optou pelos foguetes. A melhor maneira de Israel enfraquecer o Hamas será dando poderes à Autoridade Palestina secular, para que desfrute de uma maior independência e construa uma economia florescente, para que cada palestino possa decidir qual é a estratégia que funciona melhor: trabalhar com Israel ou contra Israel.

Hoje, uma liderança inteligente, corajosa, poderia neutralizar o conflito israelense-palestino, promover a democracia egípcia e isolar os regimes do Irã, da Síria e do Hamas. Uma liderança fraca ou temerária fortalecerá os três. Este é um grande momento. / TRADUÇÃO DE ANNA CAPOVILLA

É COLUNISTA E ESCRITOR

FONTE: O Estado de S. Paulo

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Vader
12 anos atrás

Excelente análise.

Giordani
Giordani
12 anos atrás

“Israel se retirou de Gaza em 2005 e o Hamas teve a possibilidade de escolher: reconhecer Israel e ter uma fronteira aberta, ou continuar negando a existência de Israel, manter a fronteira fechada e contrabandear foguetes. Optou pelos foguetes…”

Pois é. E agora troladores? Negar israel é um grande negócio para o hamas, para a liderança do irã e demais políticos populistas da região! Os trolls tem memória curta ou seletiva. Quando acabou o financiamento do arafat, ele foi correndo buscar a paz…o “$” é, foi e sempre será o deus maior!

Drcockroach
Drcockroach
12 anos atrás

Bom artigo, mas curioso que o autor nao se dedica a Arabia Saudita e o Qatar, os grandes financiadores do Hamas; alias, o Emir do Qatar esteve em Gaza apoiando a administracao do Hamas apenas duas semanas antes do inicio do conflito.

Os foguetes do Hamas sao do Iran que tem interesse em abrir uma frente contra Israel, jah testando uma retaliacao as instalacoes iranianas, mas se o fluxo destes foguetes eh recente ou ainda do estoque de alguns anos atras, nao sei. O Hamas tinha amplo apoio da Siria e do Iran, mas o Hamas eh Sunita, inimigo historicos dos xiitas iranianos (e iraquianos) e, fazem alguns anos, houve um rompimento entre o Hamas e o Iran, que ainda apoia o Hezbollah (xiita): os conflitos na Siria, Bahrain, Libano (limitadamente) exemplificam bem isto.

O melhor jornalista brasileiro sobre estes temas, que tenho conhecimento, eh o Guga Chacra do Estadao, ele eh simplesmente leitura obrigatoria. Alis, ele entende muito da politica dos EUA tb, nao somente Oriente Medio.

http://blogs.estadao.com.br/gustavo-chacra/

[]s!

Renato Oliveira
Renato Oliveira
12 anos atrás

Dr, sua indicação do blog foi excelente, estou adorando a leitura.

Quanto ao seu comentário do artigo, merece apenas uma cítica (a primeira que eu me lembre contra seus comentários): o artigo é um lixo. Não é surpresa nenhuma. O autor, Tom Friedman, é um completo ignorante sobre o Oriente Médio, apesar de escrever regularmente sobre o assunto no NY Times.

Claro que mesmo do lixo se tiram coisas boas, como a parte destacada pelo Giordani no seu post.

Como o Dr mesmo mencionou, o artigo não cita a Arábia Saudita e Qatar. Prova da ignorância de Tom. Dizer que a Autoridade Palestina/Fatah/PLO (os três são presididos por Abbas!) seria parceiro de negociação é no mínimo uma imbecilidade e na pior das hipóteses uma escolha perigosa.

Quem acompanha o assunto com um pouco mais de interesse, como eu, sabe que a fala dos árabes em inglês é uma, de moderação, negociação e paz. Dizem que apenas parte deles lutam, outros são apenas políticos.

Mas a fala para o público interno é completamente diferente.

Há sites muito sérios que traduzem matérias e vídeos a partir do árabe/farsi/etc. para inglês. Claro que ler a tradução da tradução não é bom, mas a essência da notícia não se perde.

Em TODAS as falas e vídeos oficiais – ao longo de muitos anos e muitos países muçulmanos – o discuro dos governantes é constante. E fazem ressoar os 3 ‘nãos’ a Israel, provenientes da Resolução de Khartoum, de 1967, assinada embaixo por praticamente todos os países muçulmanos: não à paz; não à negociação; não ao reconhecimento.

Os discursos, desde textos, vídeos e filmes oficiais a programas infantis e pregações nas mesquitas, são praticamente constantes em sua essência: Israel E os judeus devem ser destruídos.

Os únicos pontos em que os muçulmanos divergem é quanto à melhor maneira de fazer isso.

Alguns preferem fazer do jeito tradicional: matar todos eles. Alguns tentam escoder um pouco este desejo, como o Hamas e o Hizballah, que criaram um partido político para ‘fazer de conta’ em termos de diplomacia. Os ditos ‘políticos’ de tais instituições terroristas não fazem mais que distrair a atenção da Europa e dos EUA.

Há muitas fotos recentes de tais líderes usando uniformes militares e andando em meio a outros terroristas armados e em uniformes militares.

Outros muçulmanos preferem um caminho mais ‘suave’: matá-los politicamente. Foi o caminho que Arafat, o terrorista, seguiu a partir da década de 1990, e Abbas, seu braço direito, segue até hoje. Fingem que querem negociar, fazem exigências cada vez maiores, e saem das negociações no último instante, por não terem suas exigências atendidas.

Nas palavras de Arafat, “o teto de uma negociação hoje será o piso de uma negociação amanhã”. Quem acompanha o assunto sabe que as exigências dos árabes tem aumentado ao longo dos anos, e o que era apenas o reconhecimento de um país independente no passado agora inclui os assentamentos (menos de 5% do território ‘palestino’), Jerusalém (por fora falam parte dela, mas na verdade querem o todo), ‘fronteiras’ de 1967 (na verdade eram linhas do armistício de 1949, nnca foram fronteiras), nenhum judeu no futuro território palestino e a volta dos ‘refugiados palestinos’, entre outros absurdos.

Convém abrir um parêntese: a definição de refugiado, dado pela ONU, inclui as pessoas que fugiram de seus países de origem por perseguição religiosa/étnica, guerras, desastres naturais, etc. Os descendentes de tais refugiados serão considerados nativos dos países aonde nascerem. Há um órgão da ONU especificamente para realocar refugiados, o UNHCR/ACNUR, que tem trabalhado com grande eficiência nos últimos 65 anos.

A definição de ‘refugiado palestino’, dado pela UNRWA – agência da ONUque cuida APENAS de ‘refugiados palestinos’, e mais nenhum outro, inclui aqueles desalojados pelas guerras, aqueles que foram embora simplesmente por não aceitarem ser governados por judeus, E OS DESCENDENTES DE TAIS PESSOAS.

Os refugiados judeus, que foram expulsos ou fugiram dos países muçulmanos após a independência de Israel, foram aproximadamente 800 mil. Não há refugiados judeus hoje. Israel absorveu a grande maioria deles, alguns foram para a Europa, EUA, etc., e vivem em tais países, assim como seus descendentes, que são considerados nativos dos países hospedeiros.

Os refugiados palestinos (aqui sem aspas) eram também em torno de 800 mil. Hoje há mais de 5 MILHÕES de ‘refugiados palestinos’, pois ainda há alguns refugiados vivos, mas a imensa maioria é de seus descendentes.

Ou seja, a UNRWA não apenas não resolveu o problema dos refugiados como o tornou em um problema muito, muito maior.

Muitos países, o Brasil inclusive, aceitaram refugiados e ‘refugiados’ palestinos, deram-lhes aulas de idiomas e tomaram outras medidas para absorver tais pessoas.

Mas os árabes não. Os campos de ‘refugiados palestinos’, quase todos situados em países árabes da região, fariam nossas piores favelas parecerem condomínios de luxo. A quase totalidade destes 5 milhões moram em condições sub-humanas. São-lhes negados os direitos mais essenciais do ser humano: cidadania, posses, trabalho, casamento com não-palestinos do país, etc. etc.

Em alguns campos, o único dinheiro que entra é o da UNRWA, através de escolas e outros serviços. A situação é desoladora

Abbas exige a volta de TODOS. Israel, obviamente, não vai aceitar tal quantidade de pessoas em seu território (a população total de Israel, hoje, está em torno de 7 milhões).

O curioso em tal situação é que os árabes e líderes ‘palestinos’ não mexem uma palha para absorver os ‘refugiados’. Prova disso é que há campos de refugiados na Faixa de Gaza e na Judeia e Samaria (região erroneamente chamada de Cisjordânia).

No acordo de paz com o Egito, Israel ofereceu 100% da Faixa de Gaza como parte dos territórios envolvidos. O Egito recusou.

No acordo de paz com a Jordânia, Israel ofereceu praticamente 100% (algo em torno de 95%, e os 5% restantes seraim negociados em outras regiões) da Judeia e Samaria. A Jordânia recusou, embora mais de 70% dos jordanianos sejam de origem palestina.

A visão dos árabes e da liderança ‘palestina’ em relação aos ‘refugiados’ é a mesma: são mais uma opção para destruir Israel.

Os ‘refugiados palestinos’, seres humanos como nós, são tratados como lixo por suas próprias ‘lideranças’ e pelos árabes, sangue do seu sangue e seguidores da mesma religião. Outros países, como o próprio Brasil, foram muito mais acolhedores.

Drcockroach
Drcockroach
12 anos atrás

Prezado Renato Oliveira,

Obrigado pela elogiosa mencao.

Mas seu comentario esta muito extenso, fiquei tonto com tanta informacao…, mas sempre leio atentamente seus comentarios.

Realmente gosto muito do Blog do Guga Chacra, o qual acompanho fazem dois anos.

Um outro tema que poderia ser colocado em discussao eh a questao da super populacao el alguns destas regioes. Existem muitos Palestinos extremamente bem educados, mas tb existe os mais ultra-religiosos (e em outras religioes tb eh o caso).

Conversei uma vez com um Palestino que, ao saber que era brasileiro, comentou que nos, brasileiros, tb tinham familias grandes. Eu disse que nao era meu caso e nem dos meus amigos. Ele contou que ele tinha 6 filhos mas o irmao dele, que mora na Palestinha (nao sei qual territorio) tinha 48 filhos e 3 esposas (e uma estava gravida novamente). Perguntei como seria possivel ele sustentar uma familia tao numerosa e ele respondeu apontando o dedo p/ o ceu… assim fica dificil.

Jah trabalhei tanto p/ judeus como p/ mulcumanos; mas em todos os casos eram pessoas muito bem educadas; o judeus eram bem menos religiosos eh verdade, mas os mulcumanos, em geral, eram educados nos EUA e bem ocidentalizados. Mas evidentemente, existe uma enorme diferenca dependendo do pais de origem e da cultura da pessoa.

Veremos o resultado das negociacoes na ONU hoje.

Um grande abraco!