Quem provocou a nova escalada de violência no Oriente Médio? Existe uma saída diplomática? Por que isso está acontecendo agora?

A BBC ouviu dois acadêmicos – um palestino e um israelense – sobre as origens da onda de violência e as perspectivas para a região nos próximos dias.

Efraim Inbar (à esquerda na foto) é professor de estudos políticos e diretor do centro Begin-Sadat de Estudos Estratégicos da Universidade Bar Ilan, de Tel Aviv.

Mahdi Abdul Hadi (à direita) é diretor da Sociedade Acadêmica Palestina para Estudo de Assuntos Internacionais (Passia, na sigla em inglês).

Confira abaixo o ponto de vista de cada um.

BBC: Quem provocou esta nova escalada de violência?

Inbar: O Hamas. Desde o começo do ano, o Hamas disparou quase mil mísseis no sul de Israel, aterrorizando mais de um milhão de pessoas. Em algum momento, teríamos que pôr fim a isso, como faria qualquer outro país.

Nós nos retiramos de Gaza e a única coisa que queremos é ficar tranquilo. O Hamas é uma organização terrorista que quer destruir o Estado judeu.

Hadi: Israel. Isso começou com o assassinato de Jabari (Ahmed Jabari, chefe da ala militar do Hamas).

Ele era um homem-chave para a segurança dos israelenses. Foi ele quem protegeu (o soldado Gilad) Shalit durante cinco anos. Foi quem negociou a troca de prisioneiros e uma trégua entre Gaza e Israel.

A guerra contra Israel, na verdade, se trata da questão do Irã. Israel quer pôr à prova sua própria capacidade de defesa e a capacidade do Hezbollah, Gaza e Irã. Isso foi provocado por Israel para descobrir a capacidade balística do Irã em Gaza, mas no fim das contas a obsessão do [premiê israelense] Netanyahu é o Irã.

BBC: Por que está acontecendo agora?

Inbar: Nas últimas semanas houve um aumento na quantidade de mísseis lançados pelo Hamas, é difícil resistir à pressão pública para responder.

Hadi: Netanyahu quer se fortalecer antes das eleições. Ele quer passar a imagem de que é o rei de Israel e dar 100% de segurança a Israel.

Em segundo lugar, ele quer ter Barack Obama ao seu lado, antes que seja tarde demais. Já conseguiu fazer com que Obama emitisse um comunicado dizendo que Israel tem direito a se defender.

Terceiro, ele quer apoio da Europa diante da reivindicação dos palestinos (por um Estado próprio) diante da ONU.

BBC: Como você vê o Hamas?

Inbar: O Hamas é uma organização terrorista islamista radical que quer destruir o Estado judeu. Foram eleitos? Hitler também foi eleito pelos alemães.

Hadi: Hamas é parte da sociedade palestina. Ganharam as eleições em 2006, gostemos ou não. Sobreviveram ao golpe de Estado tentado pelo Fatah. Israel chama o Hamas de terrorista, como também chama o Hezbollah e o Irã.

BBC: O que quer cada um?

Inbar: O que o Hamas quer é simplesmente matar judeus. O que nós queremos também é simples: queremos tranquilidade, nada mais.

Não podemos mudar o governo de Gaza, sabemos que o Hamas tem raízes na população palestina, que infelizmente gosta do que eles fazem.

Hadi: A agenda de Israel é a seguinte: conhecer a capacidade militar de Gaza, provar sua própria capacidade de defesa, pôr à prova a posição do governo islâmico do Egito e manter todos os palestinos divididos entre o Hamas e o Fatah.

Em Israel, existem duas escolas de pensamento. Uma é a que tenta enfrentar seus medos, ver como são capazes de administrar essa situação. A outra linha – a linha dura militar israelense – diz: “Temos que eliminar toda a infraestrutura militar de Gaza”.

BBC: Como os palestinos são afetados pelo bloqueio de Israel?

Inbar: O bloqueio foi resposta ao lançamento de mísseis. Somos muito estúpidos de dar água e eletricidade para eles. Permitimos que entre comida e muitas outras coisas em Gaza.

Que eu me lembre, durante a Segunda Guerra Mundial, os americanos não permitiam que entrasse água ou eletricidade na Alemanha. Isso é uma guerra.

Hadi: O isolamento fez muito mal a Gaza. E na Cisjordânia a situação não é melhor. Há 600 postos de controles e meio milhão de colonos israelenses.

BBC: Como você vê a assimetria entre as mortes israelenses e palestinas?

Inbar: Somos melhores que eles na defesa dos nossos cidadãos. Eles se escondem entre os civis, disparam mísseis a partir de concentrações civis. Em uma guerra, há danos colaterais.

É isso que eles querem. Jogam com as mortes civis para pressionar a opinião pública. Eles são moralmente responsáveis pelas mortes em Gaza.

Hadi: Há mais de cem mártires em Gaza e milhares de feridos. A maioria das instituições foram destruídas. O povo sofre e vive em uma cultura de guerra, medo, frustração, pobreza e desemprego.

BBC: Existe uma saída diplomática?

Inbar: Depende do Hamas. Não fomos nós quem começamos isso. Eles precisam parar de lançar mísseis. É simples.

Não falamos em soluções. Não se pode pensar em soluções em um conflito em que uma parte quer destruir a outra. O que se pode fazer é conseguir uma trégua de longo prazo. É difícil usar a diplomacia quando alguém quer te matar.

O Egito tem um papel importante. A Irmandade Muçulmana está no poder, em certos pontos são muito parecidos com o Hamas. Por outro lado, o Egito precisa ter uma relação boa com os Estados Unidos para poder alimentar seus milhões de habitantes. Eles estão divididos entre o desejo de apoiar o Hamas e suas necessidades práticas.

Hadi: Com base na experiência de 40 anos de ocupação israelense, ninguém confia que Israel fará um acordo. Eles firmam um pacto, mas logo agem da forma contrária. Nunca respeitam o que prometem. Em segundo lugar, as garantias dadas pelos Estados Unidos e Europa são muito fracas.

O Egito tem muitos elementos. São 26 partidos políticos que apoiam Gaza e desafiam Israel. Há vários assessores do presidente (egípcio) Mursi que recomendam que ele não se meta em nenhuma guerra. Tudo depende de Mursi.

BBC: Como o mundo vê essa nova escalada de violência?

Inbar: A Europa entende que temos o direito à autodefesa. Acreditam que a violência é algo anacrônico, mas o mundo civilizado está com Israel. O Hamas é a barbárie.

Hadi: Isso despertou solidariedade em todas as capitais europeias e árabes. Pela primeira vez, o tom dos ministros das Relações Exteriores do mundo árabe e dos líderes árabes é diferente.

Os meios cobrem o conflito com interpretações diferentes.

FONTE: BBC Brasil

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hamadjr
hamadjr
12 anos atrás

A lógica sionista é a culpar os palestino porque estão querendo apenas o ter seu estado.
Pode demorar mas o Estado Palestino vai ser criado, com ou sem o Hamas.

Vader
12 anos atrás

Pra que seja criado um Estado Palestino o Hamas tem que ser deposto. Simples assim.

Em algum momento é bem provável que seja criado um Estado Palestino na Cisjordânia, enquanto que a Faixa de Gaza, se continuar com o Hamas, vai continuar a ser o que é: um enclave isolado do resto do mundo.

A Israel cabe fazer o que vem fazendo: destruir a infraestrutura do Hamas. Destruir de novo, se ela for reconstruída. E de novo. E de novo. Até que o povo daquele enclave resolva tomar as rédeas do poder nas suas mãos, extirpando o Hamas da vida pública.

Israel foi muito paciente. Queriam o fim dos assentamentos. Foi feito. Queriam a retirada das tropas. Foi feito. Até água e eletricidade era DOADA por Israel (perguntem se o Egito dava água e energia para Gaza). E o que os “gazeanos” faziam? Utilizavam qualquer material que pudessem por as mãos para cuspir na mão que, literalmente, os alimentava, construindo e atirando foguetes em Israel.

Israel foi muito bonzinho. Espero que o povo israelense tenha entendido que com essa liderança, apoiada francamente pelo Irã e (por parte) da Irmandade Muçulmana Egípcia não há diálogo.

Chega a ser curioso o isentíssimo “especialista” palestino dizer que foi o Fatah/OLP que tentou dar um “golpe de Estado” em Gaza quando, até onde sei, o Fatah/OLP foi expulso a bala do enclave, inclusive tendo vários de seus líderes assassinados pelos terroristas do Hamas.

São uns anjinhos…

Vader
12 anos atrás

Aliás, esse conflito é nada mais nada menos que o primeiro capítulo da guerra contra o Irã:

“Irã confirma uma ajuda “militar” a grupos terroristas de Gaza

O presidente do Parlamento iraniano, Ali Larijani, confirmou nesta quarta-feira que o Irã concede uma ajuda “militar” ao grupo terrorista palestino Hamas, que controla a faixa de Gaza. “Temos orgulho de defender o povo palestino e o Hamas, com ajuda financeira e militar”, declarou, segundo o site do Parlamento Icana.ir. Larijani não detalhou, porém, em que consiste essa ajuda.

Teerã nunca fez mistério sobre sua contribuição material e financeira ao Hamas e à Jihad Islâmica palestina, que lutam contra Israel, mas sempre evitou expor sua ajuda militar. O Irã foi acusado nos últimos dias por Israel de também ter fornecido aos grupos palestinos mísseis Fajr-5, com alcance de 75 quilômetros, usados contra Israel após o início da ofensiva israelense na Faixa de Gaza, em 14 de novembro.

O chefe da Jihad Islâmica, Ramadan Abdullah Challah, reconheceu à emissora Al Jazira na terça-feira que os grupos palestinos de Gaza usavam armas iranianas nos ataques contra Israel, mas não informou o tipo de armamento nem como foram entregues. ”Todo mundo sabe. Não é segredo. As armas da resistência palestina, diante da agressão israelense, são essencialmente de origem iraniana: são armas iranianas ou compradas com financiamento iraniano.”

Leia também: Israel está pronto para um ataque ao Irã, diz Netanyahu

O comandante dos Guardiões da Revolução, o general Mohammad Ali Jafari, afirmou nesta quarta-feira à agência Isna que Teerã “fornece ajuda técnica e tecnológica a todos os muçulmanos que lutam contra a arrogância mundial”, expressão consagrada pela retórica oficial iraniana para designar o Ocidente e Israel.

Contudo, o general acrescentou: “Não podemos ajudar atualmente (a resistência palestina) porque Gaza está sitiada”. Jafari afirmou também que os mísseis Fajr-5 lançados de Gaza contra Israel “não foram fornecidos pelo Irã, mas a tecnologia dos mísseis foi”. “Esses mísseis podem ser produzidos rapidamente pelos grupos palestinos.”

(Com agência France-Presse)

Por Reinaldo Azevedo”

http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/ira-confirma-uma-ajuda-militar-a-grupos-terroristas-de-gaza/

Blind Man's Bluff
Blind Man's Bluff
12 anos atrás

Manhê, foi ele que começou!
Não, foi ele!
Foi ele!
Foi ele!

Giordani
Giordani
12 anos atrás

É apenas um grande e lucrativo negócio lutar contra o povo opressor de israel!
Quando o terrorista arafat teve seu financiamento cortado pelos parceiros, foi correndo buscar a “paz”…
Da mesma forma é câncer tupiniquim travestido de MST. Não é e não há interesse em fazer a RA, pois o câncer perderia a razão de existir no outro dia…e o pior, a sua liderança perderia todas as mamata$ do “guvernu”…

Requena
Requena
12 anos atrás

Blind Man’s Bluff é bem por ai! 🙂

Nessa guerra ninguém tá certo.
Os dois lados estão errados.
E o pior, os dois se acham na razão.
Isso não vai acabar nunca…

Pelo lado militar…
Olhe que interessante essa matéria sobre o Iron Dome.

http://www.reuters.com/article/2012/11/22/israel-palestinians-irondome-idUSL5E8MM5PT20121122

Marcos
Marcos
12 anos atrás

Não sei porque até hoje não criaram um Estado palestino. O Estado tem de ser criado e os palestinos tem de começar a se comportar como gente grande, não como moleques.

A verdade é que a culpa é de ambos os lados. Se de um lado o PCC dos palestinos não param de atacar Israel, de outro lado, quando a coisa está calma, sempre aparece algum político israelense para fazer alguma provocação.

Renato Oliveira
Renato Oliveira
12 anos atrás

Os dois tem culpa no cartório. Isso é inegável.

Por que o cessar-fogo não foi respeitado pelo Hamas, que disparou foguetes ainda na madrugada de 4ª feira, contra a entrada em Kerem Shalom, que é por onde os caminhões entram com materiais em Gaza?

Já que o Egito é tão ‘bonzinho’ e Israel tão ‘malvado’, então como que toda a ajuda que chega é via Kerem Shalom e não Rafah? Porque para os árabes de Gaza é mais fácil entrar em Israel do que no Egito?

Por que os árabes negam direitos básicos aos ‘refugiados’ árabes de Gaza, Judéia e Samaria? O termo refugiados está entre aspas porque, segundo as leis internacionais, os descendentes dos refugiados não são refugiados, e sim cidadãos dos países aonde nasceram.

Exceto na definição da UNRWA, a única agência da ONU que serve apenas para cuidar de um único povo, os ‘refugiados’ árabes. Exceto nas leis dos países vizinhos de Israel, onde os ‘refugiados’ não tem direito à cidadania, nem documentos, nem posses, nem trabalho, nem…

Os refugiados árabes (estes sim sem aspas) são aqueles que ou fugiram por medo ou por vontade própria, ao se negarem ser controlados por Israel – sim, muitos dos que saíram em 1967 saíram apenas para não fazerem parte do Estado de Israel.

Se contarmos as principais guerras – 1948, 1967 e 1973 – teríamos, no máximo, uns 300 mil refugiados. Ao contar seus descendentes, o número passa de 5 milhões. É a estes 5 milhões, e não aos 300 mil, que querem exercer o ‘direito ao retorno’. Obviamente que Israel vai negar, isto é quase a população total de Israel hoje.

Além disso, como pode existir ‘campos de refugiados’, que sempre são lugares que fariam nossas favelas parecerem condomínios de luxo, dentro da Judéia, Samaria e Faixa de Gaza? Se é território ‘palestino’, porque os ‘refugiados’ não são integrados à população local?

erabreu
erabreu
12 anos atrás

Ainda existe um complicador a mais: religião, com os devidos radicais de lado a lado, com as suas intolerâncias e incongruências.
Torço pela resolução pacífica, mas particularmente acho que ela nunca virá.

Renato Oliveira
Renato Oliveira
12 anos atrás

erabreu,

A religião apenas joga lenha na fogueira. Principalmente entre os árabes. Basta ver que, nas rebeliões árabes, cada lado apontava o rival como sendo ‘amigo dos judeus’, o que entre os árabes é mais ofensivo que um tapa na cara.

Para o conflito ser solucionado de forma pacífica, só existe uma forma. Os dois lados tem que se sentar em uma mesa, fazerem concessões, e chegar a um resultado que não será 100% a favor dos árabes nem 100% a favor de Israel.

Qualquer outra saída, como os árabes estão querendo fazer via ONU, só vai complicar as coisas. Os árabes sabem disso. Mas sabem também que o radicalismo, que o próprio governo financia e promove, vai custar as vidas daqueles que fizerem concessões aos ‘macacos/cachorros/porcos judeus’. Tais palavras não são minhas, são tiradas de veículos oficiais de governos árabes e de sermões aos quais altos políticos, como o presidente do Egito, Morsi, prestigiou.

Por aí você vê que o antissemitismo árabe vem do ventre e atinge todas as esferas da população e do poder. O ‘anti-arabismo’, que já foi muito forte em Israel, diminuiu muito nos últimos 20 anos.

Basta comparar o discurso atual do ‘duro’ Netanyahu com o do ‘pacífico’ Rabin. Faça a comparação. Você vai ter um choque ao perceber que a fala mais dura de Netanyahu em tempos recentes é muito mais mansa que a fala mais macia de Rabin.

No mundo árabe, tal mudança não aconteceu, ou pior, o radicaalismo aumentou.