Entrevista: ‘Partido Comunista chinês perdeu a autoridade moral’

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Por CLÁUDIA TREVISAN , CORRESPONDENTE / PEQUIM – O Estado de S.Paulo

O Partido Comunista da China quase não tem mais autoridade moral diante da população e precisa fazer reformas de natureza política para amenizar o risco de instabilidade social, afirma Kerry Brown, diretor executivo do China Studies Center da Universidade de Sidney e autor de vários livros sobre o país, entre os quais uma biografia do atual presidente, Hu Jintao. Segundo ele, a crise moral do partido foi agravada pela reportagem do jornal The New York Times segundo a qual a família do primeiro-ministro Wen Jiabao possui uma fortuna estimada em US$ 2,7 bilhões. Brown estará em São Paulo no próximo mês para participar de conferência organizada pelo Conselho Empresarial Brasil-China. A seguir, trechos da entrevista:

Em que os futuros líderes da China se diferenciam dos atuais?

Eles têm em comum as memórias da Revolução Cultural. A diferença é que a nova geração não é de tecnocratas. Eles têm formação em ciências políticas ou sociais. Outra característica dos futuros líderes é que toda sua carreira foi feita no Partido Comunista. É como uma companhia que só promove as pessoas que estão dentro dela. Podemos nos perguntar onde está a voz das pessoas que não são membros do partido.

Qual o tamanho dessa exclusão?

O partido tem cerca de 84 milhões de membros, o tamanho de muitos países. Mas 93% da população chinesa é de não membros do partido. É uma imensa organização, mas uma pequena minoria na China. Por isso, a maneira como o partido governa a si mesmo e a credibilidade moral que possui diante da sociedade são importantes. Histórias como a que o The New York Times publicou sobre a riqueza da família de Wen Jiabao são o tipo de coisa que prejudicam a imagem do partido. Onde está a autoridade moral?

O partido continua a ter autoridade moral?

O partido quase não tem mais autoridade moral. Ele tem legitimidade histórica e a legitimidade dada pelo crescimento econômico. Mas há um patamar extremamente elevado de cinismo em relação à elite política. A conexão entre o partido e a população está contaminada e essa é uma questão que os futuros líderes terão de enfrentar.

Os líderes atuais deixarão problemas imensos para os sucessores. Eles conquistaram uma coisa, que é o crescimento. Mas eles não deixarão nada em termos de reforma política, estado de direito, sociedade civil. Foi um período muito estéril. Uma crise pode ser suficiente para provocar grande instabilidade, porque o sistema é frágil e há frustração com o fato de a elite política não ter feito um melhor trabalho na área de reformas políticas. Quando olhamos o período recente, a impressão é que a instabilidade foi enfrentada com a expansão do aparato de segurança.

Por que é tão importante realizar reformas?

A nova administração vai ter de enfrentar ineficiências na economia e no governo. No centro disso estão as ineficiências do próprio partido, que tenta administrar uma economia moderna, dinâmica e complexa com um sistema emprestado da União Soviética no século 20.

Como a China pode se tornar um país de renda média com ineficiências como as atuais em termos de processo de decisão, de transparência, de sistema de governo para um país moderno e não para uma organização velha, centralizada e estalinista?

É necessário haver mudanças. Isso não significa que eles devam ter uma democracia multipartidária. Mas eles têm de adotar um sistema que seja mais transparente, previsível e com base em leis.

Qual a probabilidade de que a futura geração realize reformas?

É impossível dizer até que eles cheguem ao poder e provavelmente será difícil dizer por algum tempo. A nova liderança terá de ter muita vontade e capital político para enfrentar as difíceis questões relacionadas às reformas e não sabemos se eles terão isso.

Qual será o legado de Hu Jintao?

Espetacular crescimento do PIB e consenso político. Mas a desigualdade e a reforma política não foram enfrentadas em seu mandato. Se a China se tornar um país de renda média sem grande instabilidade política, sua herança será julgada de maneira positiva. Mas se houver instabilidade, seu período será visto como uma oportunidade perdida.

De que depende o legado?

Do seu sucessor. E é muito cedo para um julgamento. Acredito que há três cenários possíveis. O primeiro é de mudança decorrente de uma crise, o que provocaria rupturas e teria consequências muito negativas para a China e o mundo. O segundo é a manutenção da situação atual. Mas o status quo sempre chega ao fim. É possível que nos primeiros dois ou três anos a situação seja mantida, mas é quase certo que começaremos a ver mudanças depois disso. O terceiro é o que ocorreu em 1978 (com as reformas econômicas de Deng Xiaoping): um big bang, quando algo realmente importante e inesperado acontece.

FONTE: O Estado de S. Paulo

IMAGEM: China Daily Mail

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Observador
Observador
12 anos atrás

Se tirar o “PC” chinês e colocar o “PT” brasileiro, e omitir o nome do ex-presidente, o texto vai ficar quase igual.

Pelo menos lá, quando pegam um corrupto com a boca na botija, enfiam uma bala na nuca dele e pronto.

Êta nois…

O jeito é apelar: Barbosa neles!

Marcos
Marcos
12 anos atrás

“O partido quase não tem mais autoridade moral. Ele tem legitimidade histórica e a legitimidade dada pelo crescimento econômico. Mas há um patamar extremamente elevado de cinismo em relação à elite política”.

Ele está falando de um certo partido de um certo país da América Latina?

Marcos
Marcos
12 anos atrás

“A nova administração vai ter de enfrentar ineficiências na economia e no governo”.

É só “investir” em propaganda, dizendo que tudo é máximo. Mesmo aquelas c… enormes, poderão dizer que é algo esplendoroso.

ricardo
ricardo
12 anos atrás

Muito bom o conteúdo desta entrevista. Parabéns pela publicação da mesma neste espaço.

M.A
M.A
12 anos atrás

Me lembra muito o quadro de um certo país, cuja liderança passou por semelhante ilegitimidade moral, que também começou a implantar reformas político-sociais sob uma nova geração de políticos formados nas ciências políticas e sociais. Este outro país também era uma ditadura de partido único, por sinal, e o dito cujo estatelou-se das próprias pressões internas, bastou o afrouxar das correntes…

Déjà vu?