Análise: As razões para o recuo de Bibi
Por GRAHAM T. ALLISON JR. E SHAI FELDMAN / THE NEW YORK TIMES
Durante três anos, o primeiro-ministro de Israel, Binyamin ‘Bibi’ Netanyahu, e seu ministro da Defesa, Ehud Barak, pareceram unidos na urgência de um ataque militar preventivo às instalações nucleares do Irã. Na semana passada, porém, essa aliança desmoronou, e Netanyahu está acusando Barak de ter conspirado contra ele com o governo de Barack Obama.
Foi uma surpresa, mas olhando o passado recente, houve uma pista: o discurso que Netanyahu fez uma semana antes da Assembleia-Geral das Nações Unidas. Num gráfico em papelão, Netanyahu mostrou uma “linha vermelha” que, segundo ele, Israel não permitirá que o Irã cruze. Mas ele também reconheceu que Teerã não será capaz de cruzá-la antes de meados do ano que vem. Com isso, ele basicamente reviu a urgência de suas advertências e pôs fim às especulações de que Israel poderia montar um ataque unilateral ao Irã antes da eleição presidencial americana do dia 6.
A disputa com Barak ilustrou a magnitude do recuo de Netanyahu e sua dificuldade de explicá-lo. Ele deu a entender que fora surpreendido, se não traído, pelo ministro das Defesa. Mas essa não foi toda a história do recuo.
Na verdade, a reviravolta de Netanyahu resultou de uma revolta em lenta gestação no establishment de segurança profissional de Israel contra a ideia de um ataque preventivo, particularmente sem a aprovação dos EUA.
Durante meses, diretores de comunidades de inteligência e defesa de Israel, na ativa ou aposentados, opuseram-se vigorosa e publicamente à defesa de Netanyahu de atacar o Irã mais cedo e não depois de todos os outros meios terem sido esgotados. Meier Dagan, respeitado ex-chefe do Mossad (o serviço secreto israelense), o fez para um público americano numa entrevista para Lesley Stahl no programa 60 Minutes na rede CBS em março. Em Israel, antes disso, ele havia sido citado dizendo que um ataque desses era “a ideia mais estúpida que já ouvira”.
Além disso, Netanyahu e Barak mostraram-se incapazes de conquistar apoio suficiente de outros membros do governo a uma ação militar preventiva.
Apesar de meses de esforços contínuos, Netanyahu não conseguiu arregimentar uma maioria mesmo do seu gabinete interno informal de nove membros, muito menos do maior gabinete de segurança de Israel, cuja anuência seria necessária antes de um ataque.
Em agosto, o presidente de Israel, Shimon Peres, aproveitou a comemoração de seu 89.º aniversário para rejeitar veementemente qualquer ataque israelense unilateral. Antigo e proeminente estadista do país e pai do projeto nuclear de Israel, ele rompeu com as tradições não políticas da presidência em grande parte cerimonial de Israel para defender que a questão central era o dano que uma ação unilateral causaria nas futuras relações americano-israelenses.
Enquanto isso, na surdina, o governo Obama vem conduzindo uma campanha silenciosa que fortaleceria a visão, já em circulação entre profissionais de segurança israelenses, de que atacar prematuramente o Irã não promoveria os interesses de Israel e prejudicaria as relações de Israel com os EUA. Em vez de tentar rechaçar Israel ou ameaçar uma ação punitiva, o governo aumentou a assistência de segurança americana a Israel – tanto que no início do ano Barak descreveu o nível de ajuda como o maior da história israelense.
Esse aumento se manifestou em todos os níveis: compartilhamento de inteligência que resultou numa convergência de avaliações sobre os esforços nucleares iranianos; ciberoperações conjuntas para desacelerar o programa nuclear do Irã; apoio ao desenvolvimento de defesas antimísseis por Israel e uma abordagem estratégica declarada comum do programa nuclear iraniano. Essa abordagem agora se concentra nos esforços dos dois países para impedir o Irã de obter armas nucleares, enquanto descarta a hipótese de um recuou na contenção e dissuasão de um Irã nuclearmente armado.
Igualmente importante, a maior ajuda americana foi acompanhada por laços institucionais mais estreitos entre as comunidades de inteligência e defesa dos dois países, além de laços pessoais mais estreitos entre os escalões superiores de ambas as comunidades. Em várias reuniões em Tel-Aviv, Jerusalém e Washington, o governo Obama usou essas conexões para transmitir uma mensagem inequívoca: não ataquem antes de todos os esforços não militares para conter o programa nuclear iraniano terem se esgotado.
Laços americano-israelenses ainda mais profundos criaram o que se poderia rotular de um “lobby dos EUA” entre profissionais de segurança israelenses, que agora têm um forte interesse em continuar a parceria estreita. Não é por acaso que as instituições de segurança estão entre os mais francos opositores de um ataque ao Irã. Ninguém sabe melhor do que elas o que está em jogo se ignorarem as preocupações de Washington.
E suas visões fizeram eco do público israelense em geral: uma sondagem de opinião realizada conjuntamente no mês passado pelo Truman Institute da Universidade Hebraica e o Palestinian Center for Policy and Survey Research revelou que 77% dos israelenses hoje se opõem a um ataque militar ao Irã que não seja aprovado por Washington, embora 71% apoiariam um ataque com a anuência americana.
O fato concreto é que o governo Obama alcançou seu objetivo de persuadir Israel a evitar um ataque preventivo sem ameaças explícitas ou implícitas. Em vez disso, ele construiu uma relação mais estreita com a comunidade de defesa de Israel, e a capitalizou. E esse deve ser um modelo para o futuro.
Especialmente quando aliados são tão próximos como Israel e EUA, a relação entre eles não deve depender de a química entre seus líderes ser forte ou fraca. Deve se basear num firme respeito mútuo pelos interesses nacionais duradouros que cada lado tem. Nesse aspecto, podem-se contar com os agentes de segurança profissionais de ambos os lados para pôr as políticas domésticas de lado e tentar encontrar uma abordagem mútua para problemas espinhosos, contanto que eles possam falar francamente, e com frequência, uns com os outros.
Uma conclusão correlata é que o governo americano será mais bem-sucedido quando falar, pública e privadamente, com uma só voz – com a mesma mensagem vinda da Casa Branca, do Pentágono e do Estado-Maior Conjunto. Aí, seus interesses e prioridades serão inconfundíveis para líderes israelenses, que sabem o quanto a generosidade americana é importante para seu país.
Essas são lições importantes não só para o futuro discurso americano-israelense sobre o Irã, mas também na eventualidade de o próximo governo americano, reeleito ou novo, tentar reviver esforços para alcançar uma paz árabe-israelense. Também nesse caso os EUA mais provavelmente ganharão a cooperação de Israel combinando um compromisso demonstrável com a segurança do país com uma articulação clara, inequívoca e sustentada de interesses nacionais americanos.
E, um entendimento sério, multifacetado, entre as elites de segurança nacional em Israel e nos EUA poderá assegurar que os dois países continuem em sincronia, mesmo que seus líderes não estejam. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK
*GRAHAM T. ALLISON JR. É DIRETOR DO BELFER CENTER FOR SCIENCE AND INTERNATIONAL AFFAIRS DA HARVARD KENNEDY SCHOOL
*SHAI FELDMAN É DIRETOR DO CENTER FOR MIDDLE EAST STUDIES NA UNIVERSIDADE BRANDEIS
FONTE: O Estado de S. Paulo