Crise dos Mísseis de 1962: ‘Foi o momento mais perigoso da história’, diz professor de Harvard

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Por Roberto Simon

Decisões “sábias” do americano John F. Kennedy e do soviético Nikita Khruchev, somadas a muita sorte. Foi essa a combinação que salvou o mundo da hecatombe nuclear há 50 anos, afirma o professor de Harvard Graham Allison, autor do clássico The Essence of Decision (A essência da decisão, sem tradução no Brasil), no qual esmiúça os 13 dias em que o mundo vislumbrou o abismo nuclear.

O risco de um confronto “cujas proporções nem Hitler imaginara” mudou a Guerra Fria, disse Allison ao Estado. E as lições de 1962 não caducaram: o programa nuclear iraniano, defende, é uma “Crise dos mísseis em câmera lenta”.

Estado: É possível fazer uma estimativa de quão perto chegamos de uma guerra nuclear em 1962?

Graham Allison: Digo que a Crise dos mísseis foi o momento mais perigoso da história da humanidade – e a maioria dos que estudaram o período concorda comigo. À época, Kennedy calculava que o risco de uma guerra nuclear era de entre 33% a 50%. Nenhum estudo sobre a crise me convenceu de que essa era uma estimativa exagerada. Um confronto nuclear não seria o armagedon, pois não mataria todos os seres humanos. Mas a cifra de mortos seria de centenas de milhares de pessoas – o pior evento da história.

Estado: E, ao final, o que impediu as potências de chegar à guerra?

Graham Allison: Primeiro, as sábias decisões de ambos, Kennedy e Khruchev. Segundo, uma grande sorte, pois, apesar da boa conduta dos dois líderes, havia uma série de fatores fora do controle deles que poderia ter levado à guerra.
Estado: O quê, por exemplo?

Graham Allison: Na segunda semana da crise, tanto Kennedy quanto Khruchev entenderam que pessoas dentro de seus governos estavam tomando decisões técnicas que poderiam levar a reações em cadeia e, no fim, à guerra. Por exemplo, no sábado, dia 27 de outubro, Kennedy foi informado de que um avião-espião U2, que deveria fazer um voo de reconhecimento fora da URSS, havia entrado no território soviético e estava indo em direção a Moscou. E o presidente falou a famosa frase: “Sempre tem um filho da p… que não fica sabendo das coisas!”. Naquela noite, Khruchev enviou uma carta brilhante a Kennedy em que constatava o absurdo de estarem as duas superpotências no mais alto nível de alerta e um avião não identificado se aproximar da capital de uma delas. Se Khruchev decidisse derrubá-lo…

Estado: Como a experiência de outubro de 1962 mudou a Guerra Fria?

Graham Allison: Foi uma mudança paradigmática para Kennedy e Khruchev a experiência de olhar para o abismo nuclear e realmente sentir o temor desse holocausto potencial, no qual o presidente dos EUA e o secretário-geral de Moscou seriam os grandes atores. Lembre-se que o confronto envolveria uma escala de morte que nem Hitler imaginara. Com a Crise dos mísseis, ambas as superpotências disseram “nunca mais isso”. A competição entre ambas passou a ser regulada pelo que Kennedy chamava de “as precárias regras do status quo”. Depois de 1962, foi colocado um telefone direto de Washington a Moscou, permitindo o diálogo entre os líderes. Em seguida, proibiram testes nucleares. Ao final, vieram os acordos para reduzir os arsenais atômicos.

Estado: O sr. afirma que o programa nuclear iraniano equivale a uma “Crise dos mísseis em câmera lenta”. Como é isso?

Graham Allison: Costuma-se dizer que, com a questão do Irã, o presidente dos EUA se aproxima de uma encruzilhada: ou atacará as instalações de Teerã para frear o programa ou aceitará a existência de um Irã nuclear. Eram exatamente essas as opções que os assessores da Casa Branca deram a Kennedy em 1962. O presidente, porém, rejeitou ambas – uma era pior que a outra.

Atacar Cuba levaria à 3.ª Guerra Mundial e aquiescer faria Khruchev tentar algo ainda mais ousado, provavelmente em Berlim, o que também levaria a um confronto. Nessas circunstâncias, Kennedy começou a buscar uma opção “menos terrível” que aquelas duas. Ao olhar para a crise iraniana hoje, devemos nos questionar se não há opções mais inteligentes do que a adotada atualmente pelos EUA.

FONTE: O Estado de S. Paulo

NOTA DA EDITORA: Essa entrevista é parte do especial do Estadão marcando os 50 anos da Crise dos Mísseis

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