Indígenas ajudam Exército a defender fronteira do Brasil
Situado na fronteira do Brasil com a Colômbia, o Pelotão Especial de Fronteira de São Joaquim é a base militar mais remota da Amazônia brasileira. Suas trincheiras e casas vermelhas de madeira ficam separadas de uma aldeia de índios Kuripaco por uma cerca e uma pista de pouso de 1.200 metros, raramente usada pela Força Aérea.
Grande parte dos 100 militares que trabalham no pelotão é de origem indígena. Eles são o exemplo de uma tendência adotada pelo Exército brasileiro: contratar índios para defender e patrulhar a floresta amazônica.
Os indígenas atualmente representam cerca de 70% dos 1.400 militares da 2ª Brigada de Infantaria de Selva, que agrupa sete bases avançadas nas fronteiras com a Colômbia e a Venezuela, além de um complexo militar na maior cidade do extremo norte do Amazonas: São Gabriel da Cachoeira, de 38 mil habitantes.
Eles são recrutados entre os cerca de 30 mil índios de 14 etnias que habitam a região do alto rio Negro.
São Joaquim, uma dessas sete bases avançadas, está situada a 326 quilômetros de São Gabriel da Cachoeira e a 90 quilômetros do vilarejo colombiano de Mitú, ambos embrenhados na floresta equatorial.
Essas distâncias ficam ainda maiores quando se leva em conta que o deslocamento na região é feito majoritariamente pelos rios, pois não há estradas e não é possível andar longas distâncias pela selva fechada.
A viagem de barco dura em média quatro dias. Ela é realizada em pequenas embarcações equipadas com motores de 40hp conhecidas como “voadeiras” – que precisam ser carregadas nas costas nos sete trechos em que o rio forma cachoeiras maiores.
O pelotão foi instalado em 1988 para defender o rio Içana, que nasce na Colômbia e deságua no rio Negro, no Brasil, funcionando como uma via de ligação fluvial – não muito utilizada – entre os dois países.
Ele não passa de uma pequena vila militar com algumas fortificações e um posto de saúde atendido por um médico, um farmacêutico e um dentista. Não há telefone, apenas estações de rádio.
Dialetos
Apesar da existência de uma pista de pouso na localidade, os voos da Força Aérea que abastecem o pelotão com equipamentos e comida não são frequentes. Por vezes, o aeródromo fica mais de um mês sem receber voos.
Isso significa que quando o clima instável da região não permite o pouso do avião, os militares que moram na base ficam sem comida. Uma solução é fazer o trajeto de barco de quatro dias.
Mas, o mais comum é o recurso a um sistema de trocas de combustível por alimentos com os cerca de 8.000 índios das 46 aldeias Kuripaco e Baniwa situadas ao longo do rio Içana.
Na hora de negociações como essa, a presença do militar indígena é fundamental, segundo o Exército.
“Às vezes a comunidade ajuda com o transporte dos materiais. Às vezes trocam coisas com o pelotão, como peixe e farinha (de mandioca) por gasolina para gerador e para as rabetas (motores de popa)”, disse o soldado Edgar Alves Cardoso, de 24 anos, militar da etnia Pira-tapuya, que trabalha no pelotão e vive com a mulher, uma índia Kuripaco, na aldeia ao lado da base.
Segundo ele, em toda a região do alto rio Negro, cada aldeia fala um dialeto diferente, de acordo com a etnia de seus habitantes. Contudo, a maioria das populações ribeirinhas fala o “tukano”, que funciona como uma espécie de língua comum. Os militares índios atuam então como tradutores e negociadores para seus oficiais.
Habilidades
Mas não é apenas a facilidade com os dialetos que torna os indígenas militares de alto valor para o Exército.
“O militar de origem indígena tem muita facilidade para realizar as tarefas relacionadas à vida e ao combate no interior da selva, por estar completamente integrado nesse ambiente”, afirmou o general Luiz Sérgio Goulart Duarte, comandante da 2ª Brigada de Infantaria de Selva.
“São excelentes exploradores e guias; têm bastante experiência em pilotar embarcações, o que é uma característica essencial para quem navega no alto rio Negro, onde existem muitas corredeiras e bancos de areia”, disse o general.
“Os indígenas conhecem os lugares por onde passar a voadeira nas cachoeiras. Sabem onde são as comunidades (indígenas), quantas pessoas moram lá, suas crenças. Têm conhecimento de plantas medicinais e podem dar amparo a qualquer ferimento que aconteça nas missões”, disse o soldado Cardoso.
As técnicas indígenas de sobrevivência e combate na selva – herdadas de comunidades nativas da Amazônia e que incluem desde a obtenção de alimento a técnicas de acampamento, natação e localização- não são usadas apenas no dia-a-dia das bases militares de fronteira. Foram incorporadas pelo Exército e hoje são ensinadas nos cursos do CIGS (Centro de Instrução de Guerra na Selva).
A unidade, sediada em Manaus, forma militares de elite do Exército e se tornou referência internacional em técnicas de combate em ambiente de floresta.
FONTE: BBC