A crise da União Europeia à luz de Friedrich Hayek

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José Alexandre A. Hage

A crise da União Europeia fornece dados para que ela seja interpretada por meio de clássicos do pensamento econômico. Na leitura marxista a crise é compreendida como esgotamento do sistema produtivo. Vale dizer, a máquina capitalista do Velho Continente haveria perdido vigor na reprodução do lucro, uma vez que os meios propícios para tal, o mercado mundial, teria sido ocupado por concorrentes mais hábeis, como a China na acumulação de capital.
Ainda que o marxismo, ao menos o setor mais tradicional dele, como os partidos comunistas, tenha decaído em virtude do fim da União Soviética, em 1991, não é conveniente ignorar o ímpeto político que a esquerda passou a ter nos últimos meses. Para isso, é lícito observar as eleições mais recentes, por exemplo, na Grécia, onde a esquerda marxista saiu vencedora.

Também clássico é John Maynard Keynes, considerado mais apropriado para o jogo político do pós-Segunda Guerra Mundial, pois admite reformas no sistema capitalista, o que anula radicalismos. Assim, para compreender a atual crise econômica, tanto da Europa quantos dos Estados Unidos, economistas keynesianos, a exemplo de Paul Krugman, defendem a opinião de que a crise atual resulta da falta de regulação do Estado, que há mais de 50 anos passou a trilhar caminho sem volta.

Há sinais de que o economista não se sentiria confortável com a evolução da União Monetária Europeia.

O caminho sem volta do Estado keynesiano é a coordenação sobre trocas econômicas, substituindo premissas do período livre-cambista, do padrão ouro do século XIX. Naquele tempo, a saída para crises era deixar que o mercado se autorregulasse, como se fosse um corpo orgânico que absorve um micróbio. Mas o combate à doença seria feito pelo próprio corpo. Isso porque a intromissão de remédios externos (política) ao corpo (economia) poderia piorar a situação.

Mas há um autor que também se preocupou com a saúde da economia internacional, sobretudo a europeia. O economista austríaco Friedrich Hayek havia escrito e procurado advertir os países industrializados que procuravam combater inflação e desemprego, males estruturais do capitalismo, com instrumentos contraproducentes, como a intervenção do Estado na economia.

Ao escrever, em 1944, seu mais conhecido livro, “O Caminho da Servidão”, Hayek havia criticado dois dos principais países industrializados, Grã-Bretanha e Estados Unidos. No entender do economista austríaco, os meios com os quais Londres e Washington usavam para dinamizar suas economias eram perigosos porque, de alguma forma, reproduziam aqueles usados pelos nazistas.

Vale dizer, para Hayek o crescimento do Estado na economia seria um erro que resultaria no fim da liberdade. O instrumento apontado pelo professor da London School of Economics, aplicado com sucesso pela Alemanha nazista, era o planejamento governamental; também denominado planificação pelo autor.

Nesse ponto, Hayek escreve que mesmo resolvendo problemas de inflação, desemprego e outros males, o planejamento cobra caro pelo seu sucesso. E para ele a cultura política americana e britânica parecia ignorar essa advertência – até gostava do erro, apesar do passado recente marcado por guerras. Embora fosse de esquerda, escalada do Partido Trabalhista Inglês no poder seria sinal do crescimento desmesurado do Estado na limitação dos direitos individuais e da liberdade de criação.

Ainda que não haja opiniões de Hayek sobre a integração europeia, mesmo assim, há sinais de que o autor não se sentiria confortável com a evolução daquilo que se passou a chamar União Monetária Europeia dos anos 1990, bem como a ascensão de burocracia pública centralizada legislando sobre países. Isso seria justamente a emergência de um controle supranacional na vida das economias nacionais que o autor não deixaria de ver como expansionista.

Em seu “O Caminho da Servidão”, Hayek procura interpretar as relações econômicas internacionais de seu tempo. Ele não demonstra descontentamento com a ideia de federação, de complementação entre países europeus. Mas chama a atenção para que tal engenharia política seja feita por meio de membros estáveis politicamente, pertencentes à mesma coluna cultural e sem fortes assimetrias econômicas.

O austríaco não negaria a integração regional, mas há sensação de que ele não ficasse à vontade com os arranjos convencionais da União Europeia que tem seu núcleo controlado pela burocracia de Bruxelas e pelas combinações de interesses entre Alemanha e França. De igual modo, há também sinais de que o príncipe dos liberais (assim apelidado por Norberto Bobbio) negasse as regras pré-estabelecidas que praticamente engessam o jogo políticos dos países-membros.

Regras pré-estabelecidas pelos maiores países da União Europeia, admissão de assimetrias econômicas, como as encontradas entre Alemanha e França, de um lado, e Grécia e Portugal de outro, seriam questões que Hayek não aceitaria como válidas na procura de um sistema econômico internacional melhor. Embora seja conhecido como líder do neoliberalismo, Hayek dá a impressão de ser mais preocupado com a autonomia dos países do que socialistas e socialdemocratas da atual União Europeia. Isto porque a integração é boa, desde que não arruine a soberania de seus membros.

Evidentemente que aqui apresentamos o pensamento de Hayek de modo muito rápido. Mas suas ideias são de grande interesse para alimentar o debate sobre a atual crise do sistema capitalista e o impasse vivido pela Europa; um ensaio de federalismo que o austríaco poderia gostar de início. A saber, gostar de início, mas se desgostar depois à medida que a máquina burocrática do bloco passasse a fazer aquilo que, no fundo, nem os governos nacionais haveriam de fazer.

José Alexandre Altahyde Hage é doutor em Ciência Política pela Unicamp e professor do departamento de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). É também membro do Núcleo de Análise da Conjuntura Internacional da PUC-SP.

FONTE: Valor Econômico – 27/06/2012

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