Marcos Leôncio Sousa Ribeiro

O governo limita nossa ação. O Congresso não prioriza leis contra a lavagem de dinheiro. Temos menos gratificações e cargos de chefia que a Funai. Combater o crime organizado e a corrupção não têm sido os únicos desafios diários na Polícia Federal.

Para vencer a criminalidade, antes é preciso driblar os cortes no orçamento, a falta de pessoal, a capacidade operacional reduzida e a indefinição de postos estratégicos na administração.
Do jeito que as coisas andam, parece milagre a PF ainda conseguir realizar operações de vulto como Vegas e Monte Carlo. Certamente, isso só tem sido possível graças à determinação e ao comprometimento daqueles que, mesmo com as dificuldades, não abrem mão da missão de ser policial federal.

Para concluir as investigações que culminaram com a prisão do bicheiro Carlinhos Cachoeira, os policiais federais se desdobraram em jornadas de trabalho que chegavam a 15 horas diárias, de segunda a segunda. Por falta de pessoal, o mesmo policial que trabalhava no monitoramento telefônico também tinha que ir a campo fazer diligências.
Houve policial que teve seu filho nascendo durante a operação e não pode se ausentar um dia sequer. Esse é um retrato da Polícia Federal que o Brasil desconhece e que o governo finge não ver.

E a situação tende a piorar. O governo determinou que todas as diárias sejam submetidas à autorização prévia. Inclusive exigiu explicações da Polícia Federal, pois o órgão teria extrapolado o limite imposto.
Ora, tais limitações são impraticáveis. O pagamento das diárias é o que viabiliza o deslocamento dos policiais federais para a realização das operações. Se continuar assim, a Polícia Federal acabará fechando as portas para balanço.

Aliás, a omissão do Ministério da Justiça, que deveria defender a PF junto ao governo, tem provocado efeitos desastrosos.
Além de não garantir os investimentos mínimos necessários para a realização das operações policiais, Defesa das fronteiras e segurança nos grandes eventos, desde 2009 nenhum projeto estratégico para o órgão mereceu atenção.
No Congresso, não foram priorizados os projetos legislativos de reforma do Código de Processo Penal, de combate ao crime organizado, de lavagem de dinheiro e a Projeto de Lei Orgânica da Polícia Federal, fundamentais para nós.

No meio disso tudo, uma pergunta parece inevitável: a quem interessa o sucateamento da PF e a desmotivação dos policiais?
Temos salários inferiores ao das polícias legislativas do Senado e Câmara e das polícias civis de vários Estados. Nossa gratificação de chefia é dez vezes menor do que a Polícia Civil do Distrito Federal. Temos menos gratificações e chefias do que a Funai.

Além disso, falta uma estrutura administrativa adequada, não há reposição salarial da inflação e há a demora na implantação de benefícios para os policiais lotados nas fronteiras. Com tudo isso e com a iniciativa legislativa de esvaziamento da aposentadoria policial, a PF ruma para um quadro de descontentamento generalizado.
As consequências são imprevisíveis, mas de antemão a criminalidade agradece.

A Polícia Federal, patrimônio do Brasil, está ameaçada. Um patrimônio que precisa ser valorizado e reconhecido pelos governantes e pelo Estado brasileiro, para manter o padrão de qualidade duramente conquistado e continuar promovendo a prevenção e a repressão qualificada ao crime organizado e à corrupção.

Que o governo reconheça o que o povo brasileiro atento já o fez: a Polícia Federal é um patrimônio de todos nós.

MARCOS LEÔNCIO SOUSA RIBEIRO, 38, é presidente da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF) e membro do Conselho Nacional de Segurança Pública

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