A mesmice ou a coragem, qual será nossa escolha?

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Washington Novaes

Todos os dias, ao defrontar-se na comunicação com o noticiário do País sobre a administração, o mundo da política, o andamento dos negócios públicos, o cidadão (inclusive o autor destas linhas) com certeza se sente perplexo e desorientado, perguntando-se o que pode e deve fazer para que mude tal quadro. Mas não encontra respostas fáceis nem imediatas.

Pode-se começar pelo Executivo federal, no qual tudo parece semiparalisado (na melhor das hipóteses), pois nada anda se não houver acordo entre as diversas forças – partidos, alas e grupos – que compõem a aliança majoritária no governo e no Congresso Nacional. E como as divergências a respeito de tudo são a regra, não se avança, para não perder o apoio dos que se sentirem descontentes. Parece melhor até manter no cargo um ministro sobre quem pesam acusações, ou nomear outro que já sobe flechado por numerosas suspeitas, do que correr o risco de perder a maioria em votações.

E com isso as grandes questões nacionais nem sequer chegam à pauta. Como a de se discutir que modelo de gestão convém: o do crescimento puro e simples dos indicadores econômicos, passando por cima das graves questões ambientais, da discussão sobre a matriz energética, da possibilidade de o Brasil ser uma potência ambiental, rica em recursos, no momento em que os economistas começam a dizer com clareza que já estamos confrontados pela finitude de recursos? Ou seguir pelos caminhos tradicionais, ditados pelos países industrializados, que deles se beneficiam há séculos, transferindo para os demais os custos ambientais e sociais?

Como na prática a última opção parece evidente, seguimos perplexos com decisões no comércio exterior, na política financeira, na área energética que precisam ser rediscutidas com urgência. E deixamos de lado questões avassaladoras, como a de metade da população não contar com rede coletora de esgotos, metade do lixo urbano continuar indo para lixões, ou o sistema de saúde estar em frangalhos em quase toda parte, o panorama da educação/analfabetismo/analfabetismo funcional causar arrepios, a inovação tecnológica quase não sair do terreno da ficção, muito menos políticas eficientes para os dramas das metrópoles, para a insegurança coletiva. Muito mais poderia ser enumerado, mas nem é preciso – embora se deva lembrar que o quadro é praticamente o mesmo na imensa maioria dos Estados e municípios.

Chega-se ao Legislativo, em Brasília, e se verifica que o tema central é o do acordo ou desacordo entre as forças majoritárias e a semiparalisia reinante, com projetos vitais esquecidos há anos, até décadas. Quem ouve falar em apressar a reforma fiscal, embora as políticas localizadas em Estados e municípios tendam a levar quase todos eles à falência e à inércia, concedendo incentivos fiscais que teriam – só na letra da lei – de ser aprovados pelo Conselho de Secretários da Fazenda? Na falta do acordo, as receitas estaduais ou municipais se tornam insuficientes para cobrir as despesas necessárias nos setores vitais – embora a carga geral de impostos no País, em tese, seja muito alta.

Não bastasse tudo isso, acordos abertos ou velados permitem mudar no Legislativo projetos como o da Lei da Ficha Limpa, para, trocando uma palavra, dificultar a identificação de quem é ou não inelegível. E ainda sem o Senado retornar o projeto à Câmara dos Deputados, como seria obrigatório, diante da modificação no texto. Esperteza repetida no projeto de lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos, ao excluir do texto aprovado na Câmara que a incineração de lixo (inconveniente, inadequada e cara) só seria admitida na impossibilidade de qualquer outra solução.

Vai-se ao Judiciário, para constatar que processos vitais para a sociedade e o avanço das instituições estão há anos à espera de decisões – como o caso do “mensalão”. Que milhares e milhares de pessoas esperam há décadas que se cumpram precatórios em casos já apreciados em última instância pelo Judiciário – e estes cidadãos ainda são felizes, porque o acúmulo de processos nas várias instâncias torna a lentidão marca característica desse Poder fundamental da República, que impede milhões de processos de chegarem à fase decisória – até por insuficiência mesma das estruturas. Mas também porque em quase toda parte muita gente está mais empenhada em obter vantagens pecuniárias pessoais do que recursos para que o Poder funcione melhor. E ainda se revoltando quando uma voz no Conselho Nacional de Justiça apregoa aos quatro ventos certas coisas.

Mas que fará o cidadão? Que pode fazer a sociedade? Parece não fazer parte das nossas tradições a organização de novos movimentos, capazes de discutir todas essas questões e depois levar suas propostas para o campo político. Os cidadãos sentem-se limitados às possibilidades, aos caminhos, já colocados sobre a mesa, e que não os atraem. Repetindo escolhas que os desiludem ao cabo de pouco tempo. É um laissez passer ineficaz e até perigoso. Estamos vendo a cada dia surgirem no mundo movimentos contestatórios que, sem propostas políticas claras e exequíveis, abrem caminhos para mudanças tempestuosas que, tempos depois, levam a novas contestações violentas.

Este início de Quaresma é um bom tempo para uma meditação mais aprofundada a respeito dos nossos impasses. E lembrando que cabe à comunicação em geral um papel decisivo – que abra portas a novas discussões; deixe claro que estamos diante de tempos novos, em que é preciso rediscutir mesmo o próprio padrão civilizatório – e encontrar soluções adequadas para esses desafios que já estão no horizonte.

Não será pelos velhos caminhos da política fundada na troca de favores entre grupos e pessoas que encontraremos nossas possibilidades reais, como país ou como cidadãos. Precisamos, todos, dar à política muito mais do que temos feito.

FONTE: O Estado de S. Paulo – 24/02/2012

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