‘A burocracia é inimiga da inovação no Brasil’
João Fernando de Oliveira, Presidente do IPT
A ciência no Brasil caminha a passos largos. Em 2010, nossos pesquisadores publicaram 50 mil trabalhos em revistas científicas, colocando o País na 13a posição neste ranking. Apesar disso, quando o assunto é inovação estamos em uma discreta 47a colocação. Qual é o problema? “Falta, no Brasil, um ambiente propício à inovação”, diz João Fernando de Oliveira, presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Para ele, isso é fruto, em parte, de uma mentalidade equivocada que colocou em campos opostos pesquisadores e iniciativa privada. Em entrevista à DINHEIRO, Oliveira fala sobre os esforços do IPT para fazer essa ponte.
DINHEIRO – Por que a ciência no Brasil não consegue gerar inovação?
JOÃO FERNANDO DE OLIVEIRA – Se olharmos pela perspectiva histórica, nossa ciência ainda é jovem. Temos a idade dos Estados Unidos como nação, mas começamos a consolidar a estrutura de pesquisa quase dois séculos depois dos americanos. Na década de 1750, a Universidade da Pensilvânia tinha um grande pesquisador chamado Benjamin Franklin. Ele descobriu a energia elétrica, ajudou a escrever a Constituição do país e ainda publicou inúmeros livros. No mesmo período, nosso herói nacional, Tiradentes, estava sendo enforcado porque ousou lutar pela liberdade. Mas, apesar desse atraso, pode-se dizer que nossa ciência vai bem.
DINHEIRO – Como assim?
OLIVEIRA – Nos últimos dez anos, a pesquisa avançou quatro vezes mais no Brasil do que a média de crescimento de todo o mundo nessa área. Em 2006, estávamos em 21º lugar no ranking de publicações de trabalhos científicos e hoje ocupamos a 13ª posição, com cerca de 50 mil publicações.
DINHEIRO — Como é possível ser bom em ciência e não em inovação?
OLIVEIRA – A ciência brasileira cresce muito rápido e o número de citações em trabalho internacionais também avança, o que significa dizer que a nossa ciência não é de má qualidade. Mas esse não é o fator primordial para que a ciência se transforme em aplicações práticas. Isso só é possível com o que se convencionou chamar de inovação.
DINHEIRO — Por que ainda não conseguimos seguir esse caminho?
OLIVEIRA – Há inúmeros motivos. Um deles é que o ambiente empresarial brasileiro está sufocado por encargos altos e carga tributária pesada, o que limita a capacidade de investimentos. Além disso, os mecanismos financeiros de apoio à pesquisa para inovação estão sempre conectados à participação de uma instituição pública.
DINHEIRO — Mas no que isso é ruim?
OLIVEIRA – O setor acadêmico produz conhecimento, mas as empresas não conseguem se apropriar disso porque existe um descompasso entre oferta e demanda. Além disso, falta uma ligação entre o mundo acadêmico e o empresarial. O setor acadêmico tem de entender por que a ciência não se transforma em aplicação e tentar atuar no sentido de resolver esse problema. Transformar conhecimento em aplicação é o que chamamos de processo de inovação. Ele começa com o conhecimento básico sobre um tema, seguido pelo desenvolvimento de soluções, o teste para checar a viabilidade econômica e o escalamento da solução para definir um pré-piloto industrial até o desenvolvimento do negócio, em cima da solução. Somente a partir daí é que o negócio se transforma em renda, emprego e desenvolvimento.
DINHEIRO — Onde estaria o nó nessa equação?
OLIVEIRA – A parte do negócio as empresas sabem fazer bem, o mesmo vale para as universidades em relação à produção de conhecimento. A fração intermediária, que é desenvolver o produto, testar a tecnologia e demonstrar sua viabilidade econômica, é que se constitui em um elo perdido.
DINHEIRO — Isso decorre do fato de que essa parte do processo tem um custo elevado, sem garantia de resultados favoráveis?
OLIVEIRA – Sem dúvida. É mais custo do que benefício. No mundo acadêmico, os professores têm como principal valor o reconhecimento pelo trabalho realizado. E isso é obtido pela divulgação da pesquisa em publicações do setor. E essa atividade não possibilita isso. Pelo contrário, por uma questão de confiabilidade, não se pode divulgar informações sobre o processo. E, no caso dos agentes privados, esta etapa se constituti apenas em risco. Os empresários ficam ressabiados de investir em algo que vai ter como resultado somente conhecimento e não se transformará, necessariamente, em um produto para suas linhas de montagem. Ou seja, estamos falando de um trabalho que não gera prestígio acadêmico nem lucro financeiro.
DINHEIRO — O que podemos fazer para resolver essa situação?
OLIVEIRA – Nos países da Europa e nos Estados Unidos essa tarefa é assumida pelos centros de pesquisa e desenvolvimento das empresas privadas. Nesses locais, o ambiente sempre foi favorável para isso tanto no campo privado quanto no governamental. O Bell Labs (braço de pesquisa da empresa de telefonia americana AT&T) é um dos maiores exemplos. Entre um acadêmico descobrir que é possível fazer um tubo de cristal líquido com iluminação por trás e isso se tornar uma tevê de LCD, gasta-se muito dinheiro sem produzir nada. Na Europa e nos EUA as empresas têm um entendimento claro sobre esse processo e investem bastante em pesquisa.
DINHEIRO — Por que os inventores brasileiros, desde Santos Dumont, não conseguem reconhecimento e, muito menos, ganhar dinheiro com suas criações?
OLIVEIRA – Falta um ambiente propício para isso, desde a questão cultural e legal até organizacional. Santos Dumont criou o relógio de pulso, porém a ideia foi apropriada por Cartier. Os irmãos Wright, dos Estados Unidos, faziam os experimentos aeronáuticos escondidos, pois não queriam que ninguém copiasse seus projetos. Santos Dumont, ao contrário, realizava seus testes em locais públicos com o intuito de mostrar que os brasileiros eram capazes de alcançar grandes feitos. Em relação à questão legal, existem inúmeras amarras governamentais que engessam e atrasam a liberação dos recursos em convênios entre institutos de pesquisa e empresas. Sem falar na burocracia, que é uma grande inimiga da inovação. Na Califórnia, você abre uma empresa online em 15 minutos. E, em um mês, começa a vender ações para os fundos de capital de risco. Por isso este Estado se tornou o centro da revolução digital.
DINHEIRO — E qual tem sido a contribuição do IPT para ajudar a mudar esse quadro?
OLIVEIRA – Nos últimos três anos, o IPT passou por um forte processo de modernização de suas estruturas. Esse trabalho foi feito graças à injeção de R$ 100 milhões no período 2008-2010. Outros R$ 50 milhões estão sendo aplicados pelo governo estadual neste ano. Além disso, nós captamos cerca de R$ 150 milhões junto a organismos de fomento, como BNDES e Finep.
DINHEIRO — É com estes recursos que a entidade está montando novas estruturas, como o laboratório de estruturas leves e o centro de tecnologia canavieira?
OLIVEIRA – Sim. O primeiro já entrou em operação, e o trabalho é feito em parceria com indústrias do segmento de mobilidade: aeronáutica, automotiva, além do setor de petróleo e gás. A unidade funcionará como uma fábrica de protótipos para as empresas. Faremos ensaios que validarão o processo produtivo do início ao fim.
DINHEIRO — Já existem clientes?
OLIVEIRA – Temos projetos contratados com a Embraer e diversos fornecedores da Petrobras. O valor cobrado é adequado para empresas de grande porte e também para as pequenas, que recebem a subvenção de entidades como o Sebrae, parceiro do projeto. O principal indicador de sucesso não será o faturamento do IPT, mas a capacidade de induzir novas tecnologias nas empresas.
DINHEIRO — O sr. defende uma lei específica de licitações para a área de tecnologia?
OLIVEIRA – A lei 8.666 é um entrave para todo funcionário público honesto que deseja fazer algo de forma rápida. Isso vale para todos os setores da administração. Acredito que há outra maneira de gerir a coisa pública no Brasil: por meio da distribuição de responsabilidades na cadeia hierárquica e com uma auditoria forte. Os eventuais desvios devem ser julgados de forma rápida e as punições cabíveis, aplicadas.
DINHEIRO – O IPT já testou isso?
OLIVEIRA – Sim. Nosso processo de compra de equipamentos passava por repetidas autorizações de gerentes e diretores. Um total de 25 passos até a efetiva aquisição do produto. Hoje, são apenas oito etapas. Quem pisar fora da linha é punido. Uma lousa eletrônica que demorava 18 meses para ser comprada agora é adquirida em até 20 dias. Tudo feito dentro da lei.
DINHEIRO — O sr. arriscaria dizer quando o Brasil entrará em um novo patamar científico baseado na inovação?
OLIVEIRA – A ciência brasileira já ocupa a 13ª posição no mundo, o que mostra que estamos no caminho certo nessa área. O problema é que no ranking de inovação aparecemos apenas em 47º. É difícil imaginarmos em quanto tempo equalizaremos essa posição, em relação ao tamanho de nosso PIB, no cenário global. Estimo que levaremos, no mínimo, 20 anos, para atingir esse patamar. Isso, no entanto, pode ser apressado, caso tiremos as amarras que fazem com que nosso ambiente não seja propício à inovação. É preciso conseguir fazer antes e melhor que os competidores. A Apple é um modelo a ser seguido. Ela é capaz de lançar produtos inovadores de forma rápida, com altíssima qualidade e vendidos a preços baixos.
SAIBA MAIS:
Estamos diante de um dilema….a lei deveria proteger os cidadaos honestos de práticas lesivas à sociedade…..a lei 8666 parece extrapolar esta “competência”. Esta lei prejudica tanto o servidor público honesto quanto setores da sociedade e, de outro lado, tem eficácia limitada frente a esquemas organizados de corrupcao. Já é tempo de rever o texto legal (priorizar o controle, preferencialmente externo, e tornar mais ágil a tramitacao dos processos licitatórios).
A burocratização é óbvia: serve para criar dificuldades para outros possam vender as facilidades.
Isso é o custo Brasil, e todo setor produtivo perde com isso.