Gen Ex Paulo Cesar de Castro

O que é o Exército?

Formulei esta pergunta ao receber a apresentação de oficiais nas organizações militares que visitei e inspecionei. Propus ─ e tenho insistido em propor ─ a mesma pergunta aos que me têm honrado com suas presenças em palestras casernas afora. Sem esperar por respostas, afirmei e asseguro enfaticamente: “O Exército é uma Força Armada!” Assim são nossas coirmãs: “a Marinha é uma Força Armada! A Aeronáutica é uma Força Armada!”

E o que significa ser Força Armada?

A resposta encontra-se, parcialmente, no texto constitucional. Ser Força Armada significa ser instituição nacional permanente e regular, organizada com base na hierarquia e na disciplina[1]. É, pois, cristalino que a Marinha, o Exército e a Aeronáutica, sendo nacionais, servem à Nação e integram o Estado brasileiro, permanente e vitalício. Em conseqüência, é indispensável sublinhar o óbvio: as Forças Armadas não são instituições governamentais, estas efêmeras, substituíveis, mutáveis e, até mesmo, aparelháveis, segundo o projeto político-ideológico dos governantes de turno, também tão efêmeros e com os dias contados nos cargos que, temporariamente, ocupam. As Forças Armadas perpetuam-se e dedicam-se de corpo e alma à Nação, diferentemente das organizações de governo e das particulares, assistenciais, político-partidárias, sindicais, desportivas e tantas outras que passam e são substituídas a exemplo de seus dirigentes, que, se bem preparados e escolhidos, também servem à Nação.

Ser Força Armada exige prontidão em tempo integral para atender à Nação, nos termos da Carta Magna: “… e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”[2]. Em decorrência, ser Força Armada obriga a permanente e total preparo para defender a Pátria e para atender às demais destinações mencionadas, qualquer que seja a hipótese de emprego que caracterize ameaça ao Estado nacional, em sua integridade, soberania, honra e interesses vitais. É imperioso citar que, além de atender à destinação constitucional, ser Força Armada implica, ainda,  plena preparação para cumprir a missão, conceito tão arraigado na cultura militar. A missão detalha e amplia a destinação constitucional por englobar, também, emergências, em geral conflitos decorrentes de tratados celebrados pelo Brasil e de compromissos por ele assumidos junto a organismos internacionais. Em suma, ser Força Armada significa preparar-se diuturnamente e estar sempre pronta para servir. Seus integrantes, os militares, serviram, servem e servirão!

Estar em condições de pronto emprego exige quadros e tropa selecionados, instruídos, motivados, adestrados e plenamente atualizados com o estado da arte e ciência da guerra. Exige ainda, é óbvio, doutrina, instrução, adestramento, logística, estrutura e equipamentos adequados aos desafios do Século XXI. A prontidão pressupõe que o Comandante Supremo atenda à demanda das Forças Armadas, dotando-as de todos os itens que lhe são imprescindíveis para atender e socorrer a Pátria, à qual tudo se dá e nada se pede, nem mesmo compreensão. “A Nação espera que cada um cumpra o seu dever!”, eis o farol que tem iluminado a marcha firme de nossos marinheiros, soldados e aviadores, abnegados e disciplinados, ciosos da hierarquia, coesos, comprometidos, cultores e identificados com a História, tradições, vultos, feitos, valores e lições de todos os tempos. São irmãos de armas que, neste exato momento, caro leitor, estão em silenciosa vigília no mar, na terra e no ar, malgrado décadas de esquecimento e menosprezo com que têm sido tratados por  sucessivos comandantes supremos que lhes têm negado os meios indispensáveis à plena prontidão em prol da Pátria. A pertinácia, a fé na missão, o senso de cumprimento do dever e a firme liderança militar, em todos os escalões de comando, têm-nos impulsionado a superar obstáculos e desafios ante os quais tantos outros teriam capitulado.

Proliferam exemplos do esquecimento e do menosprezo a que me refiro. Pergunto-lhe leitor: há quanto tempo a Força Aérea Brasileira tem esperado pela decisão de aquisição de aeronaves de caça compatíveis com sua nobre e inalienável responsabilidade? Passaram-se já dezesseis anos de postergamento e, quando escrevo estas reflexões, vive-se o quinto mês do décimo sétimo ano de não-decisão. E há quanto tempo a Marinha  tem clamado por aeronaves que possam operar a partir do Navio Aeródromo São Paulo? “O comandante é o responsável por tudo o que acontece e deixa de acontecer”, sábia máxima militar. O texto constitucional é esclarecedor em apontar o responsável pela penúria operacional imposta às Forças. Lá se lê que “As Forças Armadas… sob autoridade suprema do Presidente da República…”[3] e que “Compete privativamente ao Presidente da República:… XIII – exercer o Comando Supremo das Forças Armadas…”[4].

Em prolongadas situações como as que temos enfrentado, ser Força Armada obriga homens e mulheres de armas, por um lado, a “multiplicar pães e peixes, a partir das migalhas recolhidas pelos discípulos”. Sua liderança militar tem sido impecável e digna de encômios.  Por outro lado, obriga-os a meditar sobre o pensamento[5] que me vem à memória:

“Se o general permanece em silêncio enquanto o governante leva a nação à guerra com meios insuficientes, assumirá a responsabilidade pelos riscos”

“O general que fala bem alto sobre o preparo para a guerra, enquanto a nação está em paz, coloca em risco sua posição e seu status. Entretanto, o general que fala muito baixo coloca em risco a segurança de sua nação”

Ser Força Armada é comprometer-se e ter convicção de que, para defesa da Pátria, faz-se mister empregar integral e energicamente seu poder de combate letal, derrotar o inimigo que atenta contra interesse vital da nacionalidade e, se for o caso, subjugar a força adversa desafiadora da lei e da ordem. A derrota e a rendição incondicional serão impostas àquele que afrontar a própria existência da Nação, sua soberania, sua integridade, sua honra e seu patrimônio, material e imaterial, seus interesses vitais no mar, na terra e no ar, onde e quando se fizer necessário. Trata-se de preservar tudo o que, na paz e na guerra, com suor, sangue, idealismo, trabalho e lágrimas, foi conquistado por sucessivas gerações da brava gente brasileira, nos últimos quinhentos e onze anos. Trata-se, em síntese, de nada ceder a quem não respire, transpire, ame e idolatre, apenas, o verde-amarelo-azul-e- branco.

Força Armada é instituição integrada por voluntários vocacionados, homens e mulheres de armas, que prometeram, solenemente, dedicar-se inteiramente ao serviço da Pátria, cuja honra, integridade e instituições defenderão com o sacrifício da própria vida. Não encontro segmento humano que se lhes equipare em dedicação, sacrifício, honradez, senso do cumprimento do dever, probidade e determinação. Marinheiros, soldados e aviadores estão prontos para morrer e, mais grave ainda, para matar pela Pátria, este pedaço de chão tão querido, a que chamamos Terra de Santa Cruz. Em razão de sua retidão, postura e comportamento, gozam dos mais elevados índices de credibilidade junto à gente brasileira. Orgulham-se do patamar conquistado e respondem com solidariedade, mão amiga e fraternidade àqueles que confiam nas Forças Armadas, malgrado as mentiras que se lhes lançam e o revanchismo que sofrem daqueles que, fantasiados de brasileiros, denotam ter perdido as noções básicas de Pátria, Nação e Brasil.

Ser Força Armada é não faltar a seus concidadãos, socorrendo-os sempre que outras instituições e agências governamentais mostram-se incapazes, insuficientes, omissas e/ou incompetentes para empreender o que delas se espera. Como exemplos, podem-se lembrar: contagem de veículos em rodovias; vacinação de animais de pequeno porte; aplicação de produtos para erradicar insetos transmissores de doenças diversas; distribuição anual de água a populações atingidas pela seca; ações cívico-sociais e atendimento médico-odontológico a populações ribeirinhas e indígenas; presença das asas do Correio Aéreo Nacional em regiões nas quais o Estado se mantém levianamente ausente; ações contra o tráfico internacional de drogas, o contrabando e o descaminho, em águas interiores, regiões remotas e rotas aéreas clandestinas. Até neste caso omitem-se aqueles a quem caberia exercer a autoridade do Estado e do Governo: quantas aeronaves são detectadas pela Força Aérea transportando criminosos, drogas e sabe Deus o que mais? Em quantas dessas ocasiões o mandatário eleito autorizou que aeronaves de criminosos fossem abatidas?

Ser Força Armada é garantir a lei e a ordem (GLO), destinação constitucional histórica de nossas instituições castrenses. Para atendê-la, são levadas a acompanhar ações, fracassos, incompetência e inação de governos estaduais que se omitem e/ou perdem a capacidade de cumprir com suas próprias responsabilidades, deixando de exercer a autoridade que lhes incumbe. Tal tem ocorrido quando militares de forças auxiliares cruzam os braços, negam-se a cumprir com suas obrigações, maculam a hierarquia e a disciplina, enlameiam a história de suas próprias corporações e abandonam cidades e estados inteiros à mercê da criminalidade. Em casos como estes, cometem, isto sim, crimes capitulados no Código Penal Militar.

Ser Força Armada é manifestar solidariedade, camaradagem, humanidade e identidade a seus compatriotas, quando chamadas ao exercício de atribuições subsidiárias. Cooperar com o desenvolvimento nacional e a defesa civil são ditas atribuições subsidiárias gerais às quais cada Força Armada tem emprestado sua parcela de contribuição, pelo que têm sido louvadas, desde os governos da Revolução Democrática de 1964. Despontaram o Projeto Rondon, as obras da Engenharia Militar e, à época, o País elevou-se ao patamar de oitava economia mundial. É hora de destacar que, a par do orgulho de cooperar, na forma da lei, as atribuições em apreço devem ser realmente entendidas como subsidiárias, de forma a não desfigurar a essência da Força Armada nem desviar seus guerreiros da destinação maior de sua profissão: o combate, a batalha, a guerra. Empregar, em defesa da Pátria, a belonave e o míssil, a baioneta e o fuzil, a granada e o canhão, o blindado e o combate corpo-a-corpo, o fogo e o golpe-de-mão, o bombardeiro e o interceptador, a tática e a estratégia, o torpedo e a faca de trincheira, eis o cerne da Força Armada. Em hipótese alguma, devem seus combatentes apaixonar-se pelas atribuições subsidiárias, mas tratarem-nas com eficácia, competência e em sua justa medida, nada mais.

Ser Força Armada significa adotar voluntariamente códigos de conduta ímpares, abraçar os valores militares e seguir as lições dos velhos comandantes: “Sustentar o fogo que a vitória é nossa”; “Sigam-me os que forem brasileiros”; “É fácil comandar homens livres, basta mostrar-lhes o caminho do dever!”; “Eles que venham, por aqui não passarão!”; “Se queres a paz, prepara-te para a guerra!”; ”Lembrai-vos da guerra!”; “Ad sumus!”; “O Brasil  espera que cada um cumpra o seu dever!”

Marinheiros, soldados e aviadores, da ativa e da reserva, avante! Marchemos coesos, unidos e com destemor sendo Força Armada. [6]

“Brasil, acima de tudo!”

Gen Ex Paulo Cesar de Castro

Professor emérito da ECEME


[1] – BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Art. 142.

[2] – Idem.

[3] –  Ibidem.

[4] – BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Art. 84,.

[5] – YINGLING, Tenente-Coronel Paul, in Armed Forces Journal.

[6] – Já havia concluído este artigo quando li nos jornais (final de maio de 2011) que tropa do Exército será empregada como se guarda florestal fosse.

 

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Augusto
Augusto
13 anos atrás

O General deve ser tomado como exemplo pelos demais oficiais que aparentam ter receio de expor publicamente suas idéias sobre o sucateamento das Forças Armadas. Me parece que estes temem incorrer em “insubordinação”, com o que eu teria de discordar. É fundamento do Estado a soberania, entendida como atributo do poder e, sem Forças Armadas equipadas adequadamente, o primeiro inciso do primeiro artigo da Constituição se torna uma falácia por irresponsabilidade do chefe do Executivo, como exposto pelo General. Isso deveria ser continuamente exposto ao povo brasileiro. Ademais, ao militar são proibidas a sindicalização e a greve, mas em nenhuma hipótese o exercício regular do direito e o estrito cumprimento do dever legal, pelo uso das palavras, quando alertam o povo sobre o estado de penúria das Armas.