Lei de Anistia: condenação da OEA tem efeito nulo sobre as decisões soberanas do Supremo Tribunal Federal
A Decisão do Supremo Tribunal Federal Sobre a Anistia
Por Ives Gandra Martins**
A esperada decisão da Suprema Corte sobre a Lei da Anistia demonstrou a maturidade do Poder Judiciário brasileiro ao tratar temas polêmicos sem se deixar, influenciar por apelos políticos ou pressões internacionais.
Foi uma decisão inatacável, irretocável e precisa do ponto de vista jurídico, sem que a Suprema Corte avalizasse, em nenhum momento, as torturas praticadas, entre 1969 e 1971, por militares e pelos integrantes da guerrilha – movimento armado que, a meu ver, atrasou a redemocratização do País, obtida mais pela arma da palavra, da OAB e de parlamentares, que pelas armas de fogo.
O voto do Ministro Peluso impressiona por lembrar que quem propôs e deu forma à Lei de Anistia foi a própria OAB, a pedido dos guerrilheiros, que desejavam voltar à luta democrática pelas vias próprias do regime.
Proposto pela OAB, na redação de dois eminentes juristas e membros do Conselho Federal (Raymundo Faoro e Sepúlveda Pertence), o projeto de lei foi amplamente negociado com os detentores do poder e acatado, ao ponto de se colocar uma pedra sobre o passado e sobre toda espécie de crimes de ambos os lados.
O Ministro Eros Grau, apesar de ter sofrido tortura, afirmou que, como jurista, não podia dar outra interpretação à lei, senão a de que era rigorosamente constitucional.
Impressiona-me, todavia, a ignorância do direito brasileiro demonstrada por membros da ONU, da Corte de São José (OEA) e por alguns juristas estrangeiros, para quem o Brasil deveria, com base em tratados internacionais, rever a referida lei. Tais analistas demonstraram ignorar que, no direito brasileiro, o tratado internacional ingressa, conforme jurisprudência da Suprema Corte (STF), com eficácia de lei ordinária. Ora, todos os tratados internacionais sobre tortura assinados pelo Brasil e que entraram em vigor no País são posteriores a 1979 (depois da promulgação da Lei de Anistia), inclusive o Pacto de São José, que, embora assinado em 1969, apenas ganhou eficácia, no direito brasileiro, em 1989.
Reza o artigo 5o inciso XXXVI (cláusula pétrea, portanto, imodificável) da Constituição, que “a lei não prejudicará o direito adquirido”, sendo pacífica a jurisprudência do Pretório Excelso, de que a lei penal não pode retroagir in pejus, ou seja, em detrimento do acusado, mas só a favor dele.
Parece-me, pois, que as pressões internacionais de consagrados nomes desconhecedores do direito brasileiro resultarão em nada, pois acolhê-las implicaria a mudança da Constituição Brasileira, no que diz respeito a cláusulas pétreas. Isso só seria possível com uma revolução.
Pela mesma razão, qualquer que seja a decisão da Corte de São José (OEA) sobre a matéria, sua relevância será nenhuma, visto que de impossível aplicação no Brasil, após a decisão do Supremo Tribunal Federal que reconheceu a validade da Lei de Anistia. O artigo 5o, inciso XXXV da lei suprema nacional, assegura que todas as lesões de direitos devem ser levadas ao Poder Judiciário, ao qual cabe decidir, nos casos de direito internacional público ou privado, se existe a prevalência do direito estrangeiro. Só nessa hipótese é que a competência passará para as Cortes de outros países, como prevê a Lei de Introdução ao Código Civil, ou para as Cortes de Direito Público Internacional, que transcendem as forças judiciais de cada país (Corte de Haia).
No caso em concreto, da Lei da Anistia, por ser questão exclusivamente brasileira, ocorrida em território brasileiro, a competência da Suprema Corte (STF) é absoluta e a das cortes internacionais (OEA e outras), nenhuma.
** Ives Gandra Martins, formado em Direito pela Universidade de São Paulo (USP), é Jurista Internacional, Professor de Direito, Escritor, Catedrático em Direito por 31 Universidades no Brasil, América do Sul e Europa.
FONTE: Revista do Clube Militar, ano LXXXIII, n° 437, 2010
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Reconheço a capacidade técnica do ministro Ives Gandra martins e compartilho das seguintes opiniões: o STF acertou na decisão e demonstrou maturidade, pois discutir este tema leva muitos à posições extremistas; acredito que o principal motivo para manter a Lei da Anistia seja o fato de que a mesma foi originada de um acordo das partes envolvidas em conflito, beneficiando ambas.
Porém, discordo de algumas opiniões do ministro, como quando ele afirma que a guerrilha atrasou a democratização. A guerrilha “ganhou tamanho” em 69, 5 anos após o Golpe. O grande erro foi o Golpe. Este equívoco levou à criação de uma resistência armada, exatamente o que o Brasil não queria. Discordo da ideologia da resistência que se formou. Acredito que o oportunismo de quem detinha as armas e vislumbrou a oportunidade de tomar o poder à força incentivou outros oportunistas a recorrer às armas para tentar implantar o seu modelo político (comunismo). Se os primeiros não tivessem “trapaceado” no jogo democrático, provavelmente as forças políticas restringiriam-se à luta eleitoral.
As ditas “ameaças comunistas” nunca foram realmente ameaçadoras antes da ditadura. Grupos armados devem ser combatidos, mas não é necessário um regime ditatorial para tanto, ou então, seria justificável uma ditadura agora para combater PCC e Comando Vermelho, dentre outros (grupos bem melhor estruturados do que as pobres guerrilhas da época).
Mas o que me espanta é a afirmação do ministro de que “tratados internacionais têm status de lei ordinária”. Me espanta pq opiniões são subjetivas, mas um técnico não pode ignorar um texto constitucional claro. No mesmo artigo 5º, citado pelo ministro como cláusula pétrea, temos o seguinte parágrafo:”§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”.
Portanto, não é necessária uma nova constituição (e uma revolução!?) para que tenham vigência tratados internacionais sobre direitos humanos. Está clara a previsão na nossa CF.
(continuando) De qualquer forma, acredito (se alguém puder afirmar com certeza, seria interessante para esclarecer este ponto) que os tratados assinados pelo brasil no âmbito da OEA não foram aprovados pelo Congresso na forma do parágrafo acima citado, o que significa que não têm status de Emenda Constitucional.
Mais uma vez afirmo: agiu bem o STF, com a maturidade que por vezes falta aos nossos governantes decidiu tecnicamente uma questão polêmica.
O texto do Jurista Ives Gandra Martins, pode causar certa dificuldade em sua compreensão, devido ser um tanto técnico.
Devemos ter em vista que não é um texto feito por um leigo e, sim, por um especialista de renome internacional, portanto o que ele escreve, salvo melhor juízo, deve ser considerado muito sério e verdadeiro.
Ele disse que o tratado internacional, conforme jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), ingressa em nosso sistema jurídico com eficácia de lei ordinária. Isso é um fato e não há como discuti-lo, pois é jurisprudência do STF.
Jurisprudência é o conjunto de decisões de um tribunal sobre matéria de direito, sendo que a jurisprudência supre a deficiência ou imprecisão das leis. No caso em pauta trata-se de jurisprudência gerada pelo próprio STF.
Todos os tratados assinados pelo governo ingressam como lei ordinária e somente passam a ser emendas à Constituição se forem votados de acordo com o § 3 do artigo 5° da Constituição. Portanto, Ives Gandra Martins está correto. Ele não disse que os tratados sempre permanecerão como lei ordinária.
É importante observar que a opção de incorporação de tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos com o status de lei ordinária (regra geral), ou com o status de norma constitucional (conforme § 3º artigo 5° da Constituição) é ato discricionário do Congresso Nacional.
Tanto isso é verdade que, até hoje, o tratado da OEA em questão (Pacto de São José) permanece como lei ordinária, pois o cumprimento do § 3 do artigo 5° da Constituição não é obrigatório e não houve interesse, até o momento, de transformá-lo em uma emenda à nossa constituição.
Isso significa que, de acordo com decisões do STF (jurisprudência), o tratado com a OEA (Pacto de São José) é tido como lei ordinária válida a partir de 1989, que foi a data que tal tratado entrou em vigor e foi ratificado pelo Decreto no nº 678 de 6 de novembro de 1992.
Mesmo que o tratado em questão (Pacto de São José – OEA) já tivesse sido aprovado pelo Congresso Nacional e tido como uma emenda à constituição (§ 3 do artigo 5°), não teria o poder de violar o instituto do direito adquirido e em nada afetaria a Lei de Anistia.
Qualquer dispositivo legal, com força de lei, seja emenda à constituição ou não, só tem efeito a partir da data que entra em vigor e não tem nenhum efeito em datas anteriores à sua publicação, exceto se puder beneficiar a quem interessa, nunca retroage para prejudicar.
Qual é o dispositivo legal que impede que uma lei (independente se é uma emenda à constituição ou não) tenha efeito em data anterior à sua publicação? É o dispositivo legal do “direito adquirido” (Artigo 5o inciso XXXVI da Constituição).
Em outras palavras, o dispositivo constitucional que impede que um dispositivo legal tenha efeito em datas anteriores à sua publicação é o instituto do direito adquirido (Artigo 5o inciso XXXVI da Constituição).
É sobre essa impossibilidade de retroação (ter efeito anterior à sua publicação), amparada pelo “direito adquirido”, que Ives Gandra Martins afirmou que não pode ser modificado, a não ser que haja uma revolução. É isso que ele quis dizer, para esse caso específico.
Nem com o cancelamento da Lei de Anistia seria possível revogar os direitos por ela gerados, pois o instituto do “direito adquirido” impede tal situação. Qualquer direito gerado por lei, torna-se direito adquirido, e não há como cancelá-lo, mesmo com o cancelamento da lei que o gerou.
O instituto do direito adquirido é um pilar básico da democracia (cláusula pétrea da constituição e é imodificável) e não deve ser desobedecido e nem cancelado. Somente uma revolução, que acabaria com a democracia, poderia acabar com o “direito adquirido”.
É importante não confundir “expectativa de direito”, com “direito adquirido”, pois são assuntos distintos.
A nossa Constituição prevê a recepção de tratados internacionais sobre direitos humanos que foram aprovados (§ 3 do artigo 5° da Constituição). Mas esse dispositivo constitucional não prevê que um tratado assinado tenha validade em datas anteriores à sua recepção pela nossa constituição. Dessa forma, cada tratado, que tem força de lei, só tem efeito para datas a partir de quando entra em vigor e não pode ter efeito em datas anteriores à sua vigência, nem mesmo se for validado como uma emenda à constituição (§ 3 do artigo 5°).
Isto posto, como o tratado em questão (Pacto de São José), passou a vigorar a partir de 1989, com força de lei ordinária, e a Lei da Anistia passou a vigorar em 1979, então o tratado da OEA não pode retroagir e ter efeito em fatos ocorridos antes de 1989, não podendo cancelar os efeitos da Lei de Anistia de 1979. Portanto, todos os julgamentos da corte da OEA só podem ter efeito para datas de 1989 em diante. O mesmo raciocínio continuará sendo válido para quando o Pacto de São José passar a valer como emenda à constituição (§ 3 do artigo 5°).
Toda vez que um dispositivo legal entra em conflito com o dispositivo legal do direito adquirido, o direito adquirido prevalece, por ser um princípio fundamental de nossa constituição e tido como cláusula pétrea, não passível de modificação.
O tratado da OEA, válido de 1989 em diante, como emenda à constituição, ou não, não tem como ir ao passado, até 1979 (data da Lei de Anistia), para cancelar os direitos concedidos pela Lei de Anistia de 1979. O dispositivo do “direito adquirido” impede que isso aconteça (Artigo 5o inciso XXXVI da Constituição).
A Lei de Anistia concedeu o direito de anistia a todos os envolvidos em questão e, a partir da data de validade da Lei de Anistia, todo o direito, por ela concedido, passou a ser considerado “direito adquirido”, que é protegido pela constituição (Artigo 5o inciso XXXVI da Constituição).
O STF aceita decisões de julgamentos de tribunais internacionais, desde que tais julgamentos sejam recepcionados pelo nosso ordenamento jurídico, caso contrário não terá validade alguma em nosso país.
Nesse caso específico, a manutenção do direito adquirido dos torturadores, seria completamente imoral, mas perfeitamente legal, recepcionado e aceito pelo nosso ordenamento jurídico.
Esse fato causa revolta e indignação em quem o contesta, mas é importante observar que nem tudo que é legal é moral e nem tudo que é moral é legal.
Foi devido a essa situação que Ives Gandra Martins disse que: “Foi uma decisão inatacável, irretocável e precisa do ponto de vista jurídico” – foi uma decisão totalmente técnica do STF, por isso não foi necessário que se “avalizasse, em nenhum momento, as torturas praticadas, entre 1969 e 1971, por militares e pelos integrantes da guerrilha”.
São por esses motivos, entre outros, que, salvo melhor juízo, Ives Gandra Martins afirma que a condenação da OEA em questão tem efeito nulo sobre as decisões soberanas do STF.
Qualquer manobra que vise burlar o dispositivo constitucional do direito adquirido, seja através de emendas à nossa Constituição, ou através de qualquer tratado internacional, será declarado como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.
O dia em que o direito adquirido for relativizado, para ser aplicado conforme a conveniência de uma situação, estaremos vivendo sob uma ditadura. Não importa qual seja o argumento, nem mesmo essa suposta boa intenção de punir os torturadores do regime militar.
Mesmo sob essa boa intenção de punir os torturadores, é inadmissível, violar o princípio constitucional do direito adquirido, pois estaremos abrindo um precedente perigosíssimo, que poderá permitir a instalação de uma ditadura, com consequências nefastas. Já bastam as que tivemos no passado, não foram boas experiências.
Não estamos aqui defendendo ou fazendo apologia a torturadores, mas sim tentando defender princípios constitucionais, que não devem ser violados, nem mesmo sob boas intenções. O dia que isso acontecer estaremos novamente sob um regime de exceção.
“Se você é a favor da prática da violação de direitos, seja lá sob qual pretexto for, tome muito cuidado, pois essa mesma prática ilegal poderá, um dia, voltar-se contra você mesmo!”
Ricardo Ogata disse:
16 de dezembro de 2010 às 15:56
Parece que houve dificuldade no entendimento do que eu escrevi.
1) Não questionei o histórico do ministro.
2) Não disse que o STF errou na decisão.
3) Não disse que a decisão é atacável sob qualquer argumento jurídico.
4) Eu deixei claro que, provavelmente, o tratado em questão não foi aprovado pelo Congresso de acordo com o parágrafo 3º do artigo 5º.
5) Eu deixei claro que só é Emenda Constitucional o tratado que é aprovado na forma do parágrafo acima citado (portanto, os demais têm status de lei ordinária).
6) Ocorreu um equívoco do editor: os tratados não passam a valer a partir da assinatura do governo; passam a valer, no Brasil, a partir da aprovação pelo Congresso que o internaliza à ordem jurídica por meio de Decreto Legislativo (portanto a data da ssinatura não significa nada em termos de direito adquirido, a data a ser considerada é a da publicação do Decreto Legislativo no DOU);
7) Afirmei e reafirmo: SE o ministro disse que todo tratado internacional é lei ordinária e só é possível não sê-lo por meio de uma revolução, ele cometeu um equívoco, pq tratados internacionais que versam sobre direitos humanos têm status de Emenda Constitucional se aprovados na forma do parágrafo 3º do artigo 5º. Isto significa que basta o Brasil assinar hoje um tratado em que condene a tortura ocorrida por parte dos militares na América Latina , por exemplo, e este tratado ser aprovado na forma do art 5º, parágrafo 3º, para haver um conflito de cláusulas pétreas muito desconfortável.
Conclusão: não é necessária uma revolução para que um tratado sobre direitos humanos tenha eficácia constitucional (e não de lei ordinária) tendo como fundamento o artigo 5º (cláusula pétrea).
A jurisprudência do STF refere-se a casos em geral, sendo que a exceção é o art 5º parágrafo 3º. Nenhuma jurisprudência pode alterar um texto constitucional. Nenhuma jurisprudência pode fazer com que um tratado internacional sobre direitos humanos aprovado no congresso na forma do dispositivo constitucional elencado acima tenha status de lei ordinária.
Qualquer tratado internacional sobre direitos humanos (assinado em 1510) pode ser submetido a votação no Congresso e, se aprovado conforme o art5º parágrafo 3º, será Emenda Constitucional, sem revolução, constitucionalmente.
Prezado Marco Antônio,
O que escrevi não foi direcionado a você, nem mesmo citei seu nome, nem, tampouco, me preocupei com seu texto, na busca de possíveis incorreções, nem mesmo fiz referência a ele. Meu texto foi apenas redigido à guisa de esclarecimentos com informações mais detalhadas.
Para que fique bem claro, para os leitores, que nosso texto não é uma resposta às suas colocações, alteraremos a disposição do mesmo, passando a ficar no topo da área de comentários e não mais logo abaixo de seu comentário. Assim não gerará nenhuma dúvida de que se trata de algum tipo de réplica às suas questões.
Entretanto, acho que não estamos sendo divergentes um do outro.
Concordo com você que não é preciso nenhuma revolução para se aceitar um tratado com força de lei ordinária, nem mesmo para recepcioná-lo como uma emenda constitucional nos termos do § 3 do artigo 5° da Constituição.
Com relação ao seu item “6”, quando escrevi a palavra “assinatura”, entende-se no sentido amplo com todo amparo legal para que haja seus efeitos em nossa sociedade, principalmente no âmbito jurídico e é esse o sentido de toda a redação de nosso texto. Ao escrever “a partir da ‘data’ de sua assinatura”, essa ‘data’ é a data que o dispositivo legal entra em vigor e não a data da chancela presidencial. A palavra assinatura não significa apenas marcar com o próprio nome, pois também tem o significado de ratificar, sancionar, confirmar, etc. Ao escrever “assinatura pelo nosso governo”, a utilização da palavra “governo” é em todos os níveis, pois governo não é somente o Poder Executivo, governo é tudo que o compõe: Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público. As pessoas tendem a interpretar a citação da palavra “governo” com o Poder Executivo. “Assinatura pelo nosso governo”, neste caso, como estamos citando, está relacionada a atos governamentais envolvendo a sua “acepção ampla”, deve ser entendido como tudo que é necessário para que um tratado em questão entre em vigor. É lógico que a chancela pura e simples do Presidente, ou de seu representante, juntamente com outras assinaturas necessárias, não é suficiente para que um tratado entre em vigor, por ser assunto sério demais, com implicações jurídicas relevantes, cuja responsabilidade não deve ser delegada apenas a autoridades pertencentes ao Poder Executivo. Interpretar o texto em questão, dando um significado simples e restrito à palavra “assinatura”, é simplista demais e reducionista, desconsiderando o contexto em questão, que versa sobre um sentido amplo de ações governamentais, com implicações jurídicas muito sérias, inclusive de âmbito internacional.
É óbvio, também, que todo dispositivo legal, a nível do Governo Federal, somente entra em vigência a contar da data de sua publicação no Diário Oficial da União e não a contar da data de sua assinatura, nem de sua promulgação, nem de sua sanção. Não é necessário descrever, tão detalhadamente, esse fato, em nosso meio, pois os que freqüentam o nosso Blog são pessoas esclarecidas, que não necessitam desse tipo de explicação. Existe, ainda, o Diário da Justiça, mas não é objeto deste debate.
Apesar de a nossa explicação justificar o emprego do vernáculo em questão, não há nenhum problema de nossa parte em alterar a redação em questão, baseada em sugestão que vise enriquecer e/ou facilitar a sua compreensão. Assim sendo, o parágrafo em questão terá a seguinte redação: “[…]Dessa forma, cada tratado, que tem força de lei, só tem efeito para datas a partir de quando entra em vigor e não pode ter efeito em datas anteriores à sua vigência, nem mesmo se for validado como uma emenda à constituição (§ 3 do artigo 5°).[…]”
Há apenas uma observação sobre seu item “7”. O Ministro ao citar a palavra “revolução” se referia ao instituto do direito adquirido e não versava sobre uma “revolução” quanto a aceitação, ou não, de tratado internacional como força de lei ordinária, podendo passar a ser emenda à Constituição. Ele afirma que acolher as pressões internacionais (que são essas que querem que se punam os torturadores) seria uma violação do direito adquirido, pois, o parágrafo em que ele fala sobre “revolução” é logo após um outro parágrafo que ele versa sobre direito adquirido”, conforme abaixo transcritos, ambos os parágrafos, na mesma sequência original:
“Reza o artigo 5o inciso XXXVI (cláusula pétrea, portanto, imodificável) da Constituição, que “a lei não prejudicará o direito adquirido”, sendo pacífica a jurisprudência do Pretório Excelso, de que a lei penal não pode retroagir in pejus, ou seja, em detrimento do acusado, mas só a favor dele.
Parece-me, pois, que as pressões internacionais de consagrados nomes desconhecedores do direito brasileiro resultarão em nada, pois acolhê-las implicaria a mudança da Constituição Brasileira, no que diz respeito a cláusulas pétreas. Isso só seria possível com uma revolução.” – Ives Gandra Martins
A cláusula pétrea a que se refere o Ministro é o instituto do direito adquirido, e ele completa: “…no que diz respeito a cláusulas pétreas. Isso só seria possível com uma revolução.”
Esses dois parágrafos, acima transcritos, estão intimamente relacionados. A cláusula pétrea (citada duas vezes, uma vez em cada um dos parágrafos em questão) a que se refere o Ministro é o instituto do direito adquirido.
Com relação à sua opinião sobre jurisprudência, não vi nada em meu texto que discorda com o que você escreveu, muito pelo contrário estão acordes.
Se a aceitação de um tratado internacional cumprir, corretamente, todo o rito de nossas normas jurídicas, não haverá problema algum em passar a ser uma emenda constitucional, mas, se descumprir, caberá ao STF decidir sobre o descumprimento de tais normas.
Isto posto, não vi discordância relevante entre o que escrevi e o que você escreveu, apesar do detalhe acima sobre os dois parágrafos transcritos do Jurista Ives Gandra Martins e sobre o uso, da palavra “assinatura” supramencionada, que não têm correlação nenhuma com os fundamentos legais ora analisados, sendo fatos isolados, bem como não colidem com as idéias principais por você descritas, que são o cerne da questão, ora analisada, que, em minha opinião, no que tange as observações por você apresentadas, estão corretas e não vejo disparidade, nem insensatez nas colocações por você apresentadas.
Em resumo, não vi nada de errado nas colocações fundamentais por você apresentadas e nem, tão pouco, estão em desacordo com o nosso texto.
Finalizando, não estamos aqui defendendo, ou fazendo apologia a torturadores. A tortura é um crime e não deve ser aceita sob nenhum pretexto, devendo ser apenada com os rigores da lei.
Sds.
Com certeza não estamos divergindo. Ambos concordamos no acerto do STF e que o direito adquirido é um argumento jurídico que derruba qualquer tentativa de atacar a decisão mencionada.
Eu ainda considero que o fato da Lei da Anistia ter emanado de um acordo entre as partes conflitantes, e que foi concebida para beneficiar ambas as partes, torna IMORAL a tentativa de revisão.
Só tive a intenção de prestar um esclarecimento a respeito de uma possibilidade não considerada pelo ministro em sua entrevista. Sabendo como se dá o processo de transcrição de uma entrevista e os pequenos desvios que acontecem neste processo, pensei em dizer que SE as palavras do ministro foram exatamente aquelas, há um equívoco. Acredito que o repórter, ao deparar-se com o uso da emblemática expressão “revolução”, quis dar ênfase a esta possibilidade e errou ao dizer que só uma revolução poderia dar a um tratado internacional um status diverso de lei ordinária. Diante disso, tive a intenção de colaborar divulgando aos leitores e assinantes que há uma possibilidade de que um tratado tenha status de Emenda Constitucional, sem que haja necessidade de uma revolução.
Não tenho intenção de discutir com um editor desta trilogia por vários motivos. Um deles é o fato de ter consciência de que os senhores dedicam seu tempo para trazer a nós informações e é um ato de extremo egoísmo ocupá-los com comentários.
Eu prezo muito pela trilogia, colaboro com ela há algum tempo, e não tenho a intenção de fazer da minha atividade como assinante algo pesado pra mim, editores e leitores. Acompanhar a trilogia, pra mim, é uma diversão, é cultura e representa a minha preocupação em me manter informado sobre assuntos do interesse do país que eu amo.
Esclarecido o “falso mal entendido” 🙂 eu gostaria de fazer clara a minha colocação.
Atente-se para a seguinte citação utilizada no seu comentário:
“A cláusula pétrea a que se refere o Ministro é o instituto do direito adquirido, e ele completa: “…no que diz respeito a cláusulas pétreas. Isso só seria possível com uma revolução.””
O jurista sempre menciona no plural “cláusulas pétreas” . A mim não é possível entender, que ao mencionar no plural, o jurista refere-se a apenas uma cláusula pétrea (direito adquirido).
Tendo este entendimento, e considerando que havendo conflito de cláusulas pétreas uma deve prevalecer – exemplo: direito adquirido X função social da propriedade; prevalece a função social e procede-se à desaproriação de uma propriedade que nãocumpre a sua função social (cláusula pétrea – direito à propriedade), embora haja o direito adquirido (á propriedade) – levanto a possibilidade de haver discussões mais fortes no STF em caso de ser aprovado pelo Congresso, na forma do art 5º, parágrafo 3º, algum tratado internacional que verse sobre tortura no período da ditadura.
Nesta hipótese, não seria tão simples como foi este caso sabiamente decidido pelo STF. Teríamos uma emenda constitucional que evocaria várias cláusulas pétreas de um lado (dignidade humana, vedação à tortura, imprescritibilidade do crime de tortura, etc…) e do outro lado restaria, isolada, a cláusula do direito adquirido.
Então, a meu ver, seria muito importante que o STF levasse em consideração que a punição somente de um lado (militares) seria IMORAL, pelos motivos que já mencionei, pois o crime de terrorismo é, também, imprescritível. Mas como os tratados de direitos humanos abordam só um lado (tortura), há um grande risco de só um lado correr o risco.
Desta forma, o argumento que ressalta a forma da concepção da lei da anistia (acordo que beneficiava ambas as partes em igualdade de condições) é fortíssimo e juridicamente válido para afastar a tentativa de incriminação parcial dos vários criminosos que atuaram nesta triste época que o nosso país viveu.
Prezado Marco Antônio,
Concordo plenamente com as suas colocações, bem como entendo perfeitamente as suas questões em relação ao modo de se expressar do Jurista, que causam dúvidas.
Você tem razão em levantar a questão de que o Jurista Ives Gandra Martins faz menção às cláusulas pétreas no plural, levando ao entendimento de que ele se engana em sua conclusão em pauta.
O Jurista se refere às cláusulas pétreas de duas maneiras em seu texto: no singular e no plural. Como ele é um especialista no assunto, por vezes peca em não detalhar melhor as suas explanações, esquecendo que o público alvo, em sua maioria, não é especialista na área de Direito e não tem obrigação e nem meios de interpretar, como ele, as suas dissertações.
O trato no singular não gera grandes problemas, entretanto, o trato no plural, juntamente com o trato no singular e tudo finalizado com uma conclusão dramática, parece haver incoerência.
O trato no plural é devido ao fato de que, se alterar a Constituição, no que se refere ao direito adquirido (cláusula pétrea mencionada inicialmente no singular pelo Jurista), afetará todas as outras cláusulas pétreas, pois as mesmas têm relação íntima com o direito adquirido. A reforma no instituto do direito adquirido afetará diretamente todas as outras cláusulas pétreas (citadas no plural na segunda referência do Jurista), mesmo que não haja alteração nas redações das outras cláusulas pétreas. Alterar o instituto do direito adquirido implica, automaticamente, na alteração de outras cláusulas pétreas.
Para se alterar, com eficácia, o instituto do direito adquirido, deverão, também, ser alteradas outras cláusulas pétreas por estarem intimamente ligadas, pois as outras cláusulas invocam o entendimento da existência do direito adquirido, mesmo não sendo expressamente mencionado.
Como as cláusulas pétreas, em sua maioria, estão mencionadas no artigo 5° de nossa Constituição. Reformular, apenas, o item XXXVI do artigo 5°, onde há a menção formal ao direito adquirido, ou retirá-lo dali, não será suficiente, pois o mesmo poderá ser obtido de forma indireta pela interpretação do conteúdo do artigo 5°. Dessa forma, uma alteração no direito adquirido, ou seu cancelamento, necessitaria de uma reforma na redação do “caput” do artigo 5°, pois o mesmo está “impregnado” pelo conceito do direito adquirido, mesmo não havendo a sua menção direta ali. Ao se alterar esse “caput” do artigo 5° afetará todas as outras cláusulas que estão mencionas não somente no caput, mas no “corpo” de todo o artigo 5° que contém 78 itens e quatro parágrafos, intimamente relacionados, não somente através do “caput” do artigo 5°, mas em todo o seu entendimento legal.
Devido a esse relacionamento íntimo entre esses dispositivos legais supramencionados, é que o Jurista inicia o seu raciocínio mencionando apenas uma cláusula pétrea (singular) e após faz menção às mesmas no plural, pois para se alterar o direito adquirido, deverão ser alteradas outras cláusulas pétreas, caso contrário tal alteração não seria suficiente, nem eficaz.
Esses problemas de entendimento nas comunicações feitas por aqueles que têm formação da área de Direito, são motivos de muitas críticas por parte da população, pois os especialistas em direito tendem a usar a linguagem do meio jurídico junto ao público não especializado, causando, geralmente, mais confusão do que compreensão e, mesmo quando tentam ser cuidadosos no trato com o público leigo, podem incorrer em algum erro, devido à força involuntária do hábito.
Isto posto, o seu questionamento do uso do plural é bem pertinente e concordo com você, pois a maioria das pessoas que lerem o texto do Jurista interpretará seu conteúdo de maneira normal e correta, como mandam as regras de português, e não do modo como ele, Jurista (um especialista), que está acostumado a lidar com as leis. Não temos obrigação para tal. Ele deveria ter sido, neste particular, mais claro em sua exposição.
Por oportuno, gostaria de informar que suas indagações foram bem recepcionadas por nós editores, pois você as fez de maneira civilizada e cortês, bem como com textos bem elaborados, facilitando a compreensão de seus argumentos.
O que causa espécie são comentários feitos por gente despreparada, que costumam utilizar frases rudes e inconvenientes, demonstrando não estarem em condições de realizar um debate sadio e profícuo. Todavia, mesmos com tais pessoas incultas, temos o maior cuidado possível no trato para com elas, pois existe a possibilidade de evoluírem e não estamos aqui para prejudicá-las e sim para tentar contribuir para com a evolução das mesmas.
O “feedback” de nossos assinantes é muito importante e quando participam de forma ativa e educada, como você, adequadamente, fez, evidencia que nosso trabalho está sendo considerado e temos certeza de que sua intenção foi colaborar de maneira honesta e não efetivar uma participação de maneira imprópria.
Sua participação contribui para com o desenvolvimento de nosso trabalho, bem como ajudou a melhorar a redação de nosso texto, como também, para com o enriquecimento e melhoria das idéias debatidas.
Cordiais saudações.
Acredito que, como disse anteriormente, além das possibilidades levantadas no seu comentário, haja uma natural distorção, por parte do repórter leigo, ao tomar um depoimento de um técnico. Esta, para mim, é a mais provável hipótese e, portanto, a motivação inicial da minha intervenção.
Agradeço pelo “atendimento personalizado”.
Um abraço.