Mario Cesar Flores

É justo proteger comunidades indígenas primitivas e isoladas, assegurando-lhes condições de vida pautadas por suas culturas ancestrais – comunidades que, sem atropelo, serão gradual e naturalmente assimiladas, como sempre aconteceu quando culturas de níveis distintos se põem em contato. Entretanto, em se tratando de índios aculturados – cocar e pintura para a TV… -, que se valem do apoio social público, embora mal atendidos, como grande parte do povo brasileiro, inseridos na moldura da civilização, usufruindo suas vantagens, sofrendo suas atribulações e até cometendo seus delitos (a exemplo da venda clandestina de madeira), é, no mínimo, discutível a prática de nossa penitência pela História, cuja lógica, se estendida ao mundo, subverteria radicalmente a ordem global construída ao longo de séculos.

A solução para esses índios não é a demarcação de áreas imensas, de que já não precisam. É a correta integração cidadã do índio ser humano brasileiro, em áreas adequadas à socioeconomia de cada comunidade, asseguradas as condições (inclusive espaço, se for o caso) para a prática da cultura ancestral espontaneamente mantida – portanto, não orquestrada para a TV. Os critérios demarcatórios hoje usados fariam sentido se o número de índios, o nomadismo e a vida de radical dependência da natureza ainda fossem os anteriores à inserção na civilização. Nas circunstâncias atuais eles precisam mais de políticas social e econômica eficazes e menos de política fundiária antropoideológica. Os índios beneficiários da polêmica demarcação Raposa-Serra do Sol (Roraima) usam seu imenso território ao estilo primitivo de seus ancestrais? Ou vivem atrelados à socioeconomia regional, ao apoio social e até ao financiamento público? Nesta última hipótese, há sentido na extensão definida por parâmetros não mais existentes?

As reivindicações desproporcionais às necessidades não exigidas pela vida selvagem e nômade, de populações indígenas maiores do que as atuais, são autenticamente indígenas? Os defensores das reservas-vastidões arriscariam perguntar a preferência dos índios, entre a vida do passado, dispersos e isolados em grandes extensões, e a integração na civilização, é claro que econômica e socialmente apoiada? Sobre essa dicotomia, uma observação animadora: os soldados do Exército na Amazônia são em grande número de etnias indígenas, familiarizados com as peculiaridades da região, dedicados e eficientes. Resposta de comandante de batalhão do interior da Amazônia, perguntado sobre os problemas indígenas locais: “Isso é coisa de São Paulo e Brasília, aqui índio quer é ver TV no quartel e ser cuidado pelo meu serviço médico…”

A natureza básica dessas observações se aplica, em menor dimensão, à questão quilombola, também ela com sabor de penitência (pela escravidão), que reemerge no século 21 o conceito de raça, enaltecido para justificar o colonialismo europeu na África. Com os índios e quilombolas – e paralelamente, sem conotação territorial, com o sistema de cotas nas universidades, recurso do Estado que abdicou do ensino fundamental e médio de qualidade – estamos criando distinções incoerentes com a miscigenação brasileira. Estamos inserindo um complicador na unidade nacional, já atribulada pela diversidade regional: a admissão de duas cidadanias, a cidadania brasileira e a cidadania-raça, negra ou índia, aplicada a índios e negros nascidos no Brasil, que deixam de ser simplesmente cidadãos brasileiros negros ou de etnias indígenas. A precedência entre a cidadania brasileira e a cidadania-raça, dependente do interesse conjuntural: ser índio ou o vago afrodescendente quando conveniente, ou ser brasileiro negro ou índio quando interessam os direitos da cidadania brasileira. É
razoável a demarcação para índios vistos sob a perspectiva da cidadania-raça e, simultaneamente, Bolsa-Família e Pronaf para as mesmas pessoas, agora brasileiros índios?

À semelhança dos impérios do passado, não convém a um país grande e complexo a existência de critérios geradores de sentimentos raciais (ou religiosos…) indutores do solapamento da identidade nacional.

Estamos “racializando” o País, criando condições potencialmente estimuladoras desse solapamento, gerando uma divisão em que, dependendo da conveniência, poderá prevalecer a pátria Brasil ou o indigenismo e a negritude. O Estado brasileiro vai acabar tendo de conciliar um “império republicano” de três cidadanias: a eurodescendente, a afrodescendente e a indígena. Em contenciosos que ponham em confronto a ideia nacional e a subnacional, qual prevalecerá? É um paradoxo procurar a união supranacional de base política e econômica (Mercosul, Unasul…) e simultaneamente facilitar a cisão subnacional de base racial!

Tolerâncias dessa natureza têm (no mundo e em todos os tempos) estimulado tensões e até secessões ou, ao menos, pretensões à autonomia singular. A adesão sem ressalvas à Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas (ONU) implicará risco de ser a unidade nacional tumultuada pela concepção desagregadora do nacionalismo étnico – que tumultuou a Europa na primeira metade do século 20 e ainda a perturba, talvez com o apoio da ONU e/ou de alguma versão século 21 da concepção do presidente Wilson de um século atrás, favorável à autodeterminação fundamentada no conceito da “nação” étnica e cultural.

Não será surpreendente se, algum dia, uma ONG vier a sugerir plebiscito sobre o status político-administrativo desejado por comunidade indígena travestida de “nação indígena” – já aventada, ainda que até agora sem repercussão significativa, na área
Raposa-Serra do Sol -, obviamente restrito à comunidade: o “resto” do Brasil não opinaria. Plebiscito que, se pretendido para o País Basco, Tibete, Xinjiang e Curdistão, seria repelido decisivamente por Espanha, China, Turquia, Irã e Iraque.

Mario Cesar Flores
ALMIRANTE DE ESQUADRA (REFORMADO)

0 0 votos
Classificação do artigo
Inscrever-se
Notificar de
guest

18 Comentários
mais antigos
mais recentes Mais votado
Feedbacks embutidos
Ver todos os comentários
Pinochet74
Pinochet74
14 anos atrás

Giap, agora acho que o céu vai cair, porque apoio cada palavra do que escreveste.

Galileu
Galileu
14 anos atrás

Giap eu como você fico indignado com índio e Quilombolas, por isso ao invés de falar a verdade com palavões ahah vou usar o texto bem escrito de um colega que postou em seu blog.

Seria legal que o pessoal ler.

Já foi o tempo que índio era bobinho, hoje você vai a uma tribo e os caras já possuem TV via satélite, internet e uma picape de 100 mil. Caçar ou plantar? Só ceninha para documentário, pois eles vão até as mercearias das cidades vizinhas comprarem. Ou seja, os bocós aqui ficam achando que são uns coitadinhos e pagam um custo alto pelas suas mordomias, pois estes índios lucram com terras que são do Estado, não dão nenhum retorno para os cofres públicos e ainda sugam nas tetas do governo nosso dinheiro. Impedindo em boa parte o avanço em pesquisas quando é preciso usar as terras das ditas reservas, ainda há a questão de uma área enorme tida como reserva, área que jamais um grupo tão pequeno vai utilizar, travando o investimento e progresso no extrativismo que nos daria retorno financeiro e matéria prima para a expansão de nossa indústria.

Quilombolas, quantos brasileiros possuem sangue negro nas veias? Praticamente todos, pois aqui a miscigenação é tamanha que não temos uma definição exata para a maioria dos nossos cidadãos, assim como não é verídico o tal preconceito, pois o tal preconceito parte da própria etnia negra que se chama de morena ou mulata, não assumindo suas raízes e por isso culpando a sociedade de preconceito. O quilombola tem que ter os mesmos direitos e deveres de todo o cidadão, pois a escravidão acabou há muito tempo e a muito tempo todos temos as mesmas oportunidades, só que impera a postura de inferioridade para justificar a falta de vontade de estudar e se aperfeiçoar, com isso criam-se cotas para negros, índios, pobres, etc…
Algo que classifico como uma pouca vergonha, afinal sempre estudei em escolas públicas e sempre lutei por meus objetivos, diferente do que a grande maioria faz hoje, pois prefere ficar nas custas do Estado, seja com cotas discriminatórias, seja por programas sociais que não ajudam em nada no desenvolvimento do indivíduo.

Aldo Ghisolfi
14 anos atrás

Minha indignação mesmo! é com a complacência das ditas ‘autoridades’. Índios e quilombolas… ora índios e quilombolas! Eles estão aproveitando a situação e dando as suas mordidas… porque as ‘autoridades’ não agem? Vão dizer que não vêm nada? Como detestaria ser ‘irmão’ dum estado independente e abusado bem no Norte do país, passo a justificar e aceitar a secessão no Sul (na pior das hipóteses, autonomia sem soberania). Por que não? E por que não um estado independente para gays, lésbicas, simpatizantes, analfabetos, sem terras (solucionava a reforma agrária), negros, sem casas, sem carros… tudo é minoria oprimida…

Pinochet74
Pinochet74
14 anos atrás

Isso sem falar da verdadeira indústria de lavar dinheiro que são essas malditas ONGs, tanto nacionais (para dar emprego a sociólogo e antropologista vagabundo que não consegue se destacar na Universidade ou na iniciativa privada e se liga a uma ONG para mamar nas tetas das renuncias fiscais e incentivos governamentais- garanto que essa gente dá mais “prejuízo” pros cofres públicos que a fabricação de um Osório ou um AMX), mas principalmente estrangeiras- uma infinidade de ecochatos e missionários picaretas que vem com história de demarcação de terras com o intuito de beneficiar multinacinais americanas e européias que depois fecham contratos diretamente com os chefes indígenas- tais como as madeireiras da malásia e a de Beers com os garimpos de diamantes dos indígenas. Essa cambada de gringos são missionários de meia-tigela, são os parentes do Norte da maldita Teologia (isto é demonologia) da Libertação, que querem que o país regrida a Idade da Pedra e passe a ser um mero entreposto comercial da ONU. Já passou da hora do Congresso aprovar uma legislação que contemple a imediata deportação destes parasitas e acabe com essas palhaçadas de ONGs- receita e polícia federal neles!O Brasil é um só, e essa gente segue o mandamento da Roma antiga- “Divide et Impera”- Dividir para conquistar.

Tito
Tito
14 anos atrás

Cultura indígena?
Pra mim é na verdade falta de cultura, atraso e preguiça.

O índio deve, como todo brasileiro, estar sujeito as mesmas leis que o cidadão comum. Não cabe numa sociedade moderna o tal “estilo de vida” dos índios, estilo este só pra inglês ver. Índio quer apito, celular, caminhonete e ver novela.

Quanto a resistir a chegada dos Portugueses não havia o que fazer, não havia uma nação indígena e sim um punhado de povos que não gostavam uns dos outros, assim foi relativamente fácil seu domínio, ainda bem.

Tito
Tito
14 anos atrás

Pinochet74 disse:
2 de agosto de 2010 às 15:18

As ONG’s em geral deviam ser tratadas é na ponta do facão, nacionais e estrangeiras, a algumas verdadeiras, mas são muito poucas.

Vader
14 anos atrás

Nós ainda iremos pagar caro a complacência ridícula de nossos políticos com certo estado de coisas…

O CIR (Conselho Indigenista de Roraima) irá declarar a independência da Raposa Serra do Sol assim que sentir que tem forças para tanto. E a ONG ONU irá dar. E na sequência virão as tropas do Conselho de Segurança.

Podem esperar: em 10 anos estaremos lutando uma guerra desesperada no norte da amazônia brasileira. E a seguirem as coisas como estão, iremos perdê-la.

Sds.

Vader
14 anos atrás

Aliás, estamos merecendo perder uma guerra, para aprender o que é que é bom pra tosse!

Piramboia
Piramboia
14 anos atrás

É por isso que torço que os EUA, a OTAN e seus aliados se afundem cada vez mais no atoleiro do Iraque e Afeganistão, pois se e quando tudo estiver “sob controle”, eles voltarão os seus olhares cobiçosos para nossa Amazônia com mais força do que atualmente estão.

DaGuerra
DaGuerra
14 anos atrás

Estamos Sr Almirante?? Esta forma vaga não alcança a população. Tudo que corrtamente foi apontado tem autor, melhor, uma quadrilha autora da destruição do Brasil: esquerda, PT, ONGs, teologia da libertação, internacionalistas, todos respaldados pela ONU.

Invincible
Invincible
14 anos atrás

Esse é um tema delicado e recorrente.

Precisamos lembrar que existes, pouco é claro, índios na amazônia que são completamente isolados do contato com o mundo. Neste caso em específico sou favorável a manuntenção desta cultura.

Agora, índio que tem pick-up Toyota e voa de Cesna 182 pra mim não é Índio.

Outra coisa, qual é o critério de seleção para dizer quem é ou não Índio? Por acaso existe alguém nos estados do Norte que não possua ascendência indígena?

Qualquer um sabe que a Raposa Serra do Sol está situada sobre a Bacia da Guiana que tem uma reserva gigantesca de petroleo e outras coisinhas interessantes e valiosas.

Permitir que existam diferenças entre as pessoas é um passo muito perigoso para nossa país.

Existe um item em nossa constituição que diz que todos são IGUAIS independente de raça, religião, gênero ou classe social.
Oras se não existe diferença como podemos admitir a existência de cotas?

Quilombolas? O que não quilombolas se não um aglomerado de pessoas miseráveis que foram esquecidas pelo estado em uma situação de miséria e abandono.

Isso é o que se pode chamar do início de uma divisão social e étnica em um país.

Não esqueçam de uma frase muito repedita por generais e estrategistas.

DIVIDIR PARA CONQUISTAR.

Paulo
Paulo
14 anos atrás

Indígenas I

O almirante está certo. Somos todos iguais, mas a realidade mostra que alguns são mais iguais que os outros. Uns para mais, outros para menos.
Reserva indígena sempre existiu. Está na lei. O problema começou a se agravar quando sociais-democratas e depois trabalhistas (só no nome) assumiram o poder e quiseram fazer média com os países do primeiro mundo.
Daí sim as reservas passaram a representar perigo.
Minha sugestão é que se reforme a lei, impondo algumas restrições nas áreas de reserva, como por exemplo nos estados do Norte mais Maranhão e Mato Grosso uma reserva não possa ficar a menos de 500 km da fronteira ou da faixa litorânea.
Só isto já inibiria a cobiça externa, pois seriam áreas no interior do País.
Vale citar aqui o colunista Gelio Fregapani, que escreve em outro site militar, sobre um alerta que ele fez esta semana:
“quando o Chávez cair perderemos nossa primeira linha de defesa contra a internacionalização das terras indígenas.”
Vale a reflexão.

Soldier
Soldier
14 anos atrás

Excelente texto.

Fico contente que ao menos os contendores deste blog estão juntos nesta CRUZADA contra a DIVISÃO DO NOSSO PAÍS.

Vergonhosa as decisões governamentais de criar nações dentro de uma nação. Erros do passado podem e devem ser corrigidos. Más a DEMOCRACIA pressupõe que a opinão da maioria deve prevalecer e a maioria do povo Brasileiro é CONTRA esses atentados contra a soberania e a UNIÃO dos entes federativos.

Essa corja deve ser urgentemente investigada e, caso tenhamos que pegar em armas para defeder nossos territórios, os CONHECIDOS TRAIDORES DA NAÇÃO deverão ser julgados como merecem: TRAIDORES. E não julgados apenas pela história e sim pelo estado SOBERANO do BRASIL e seu POVO.

Infelizmente, nossos futuros canditados (as) a presidente compactuam com esse separatismo a qual estão aos poucos introduzindo no nosso país.

Separar o povo de sí mesmo e de suas raízes históricas e culturais é só mais um dos vários motivos que vai levar este país a uma guerra civil SEM PRECEDENTES NA HISTÓRIA DO BRASIL.

TRAIDORES!

Paulo
Paulo
14 anos atrás

Indígenas II

Estou comentando em dois tópicos para não cansar os colegas.
Uma solução definitiva seria a criação de 3 ou quatro novos territórios federais, um no Norte do Pará, na margem esquerda do rio Amazonas, entre Amapá e Roraima. Mais um ou dois no extremo Oeste do Amazonas, na margem esquerda do Solimões (Amazonas) e por último outro na margem direita do Solimões, também no extremo Oeste.
Os territórios a Oeste fariam fronteira com Peru, Colômbia e Venezuela. O do Norte do Pará com Guiana e Suriname.
Além disso, deveria ser construída a perimetral norte e mais uma perimetral oeste, ligando o Amapá com o Acre num arco que acompanhasse nossas fronteiras Norte e Oeste. Uma ponte sobre o Solimões no extremo Oeste também seria estratégica.
Com estas medidas de ocupação fronteiriça, poderíamos deixar o miolo da Amazônia para reservas e preservação ambiental.

Abraços a todos.

Winston
Winston
14 anos atrás

KKKKKKKK quando chavez cair já terá incendiado o continente, já terá dado motivo para a assembléia geral da ONU mover (com autorização do CS) tropas para Amazônia e, junto, potências “famintas” por alimentos, minérios e sedentas de combustíveis e água. Mas a monstruosa piada de míopes é apontar justamente chavez como um fator de estabilidade KKKKKKKKKKK…cada uma!

Paulo
Paulo
14 anos atrás

Caro Winston

Eu não sei realmente com que objetivo o Gelio escreveu isso, mas vamos analisar friamente.
1) O inimigo do nosso inimigo é nosso amigo.
2) Vamos fazer um esforço para manter o tresloucado em rédea curta.
3) Se ele tiver de cair, que seja através de um golpe onde possamos influir.
Isto se chama geopolítica e as grandes potências fazem isso todos os dias.

Abraços

ALDO GHISOLFI
ALDO GHISOLFI
14 anos atrás

VADER: não é só a Raposa Terra-do-Sol. É toda a área norte de RR que está pronta para ser emendada e declarada Estado Indígena Independente. A Raposa junta com o território Ianomâmi e mais uma pequenas áreas que ainda estão classificadas como ‘área pretendida’.

Freire
Freire
14 anos atrás

Almirante de 4 estrelas, Sr.General da Marinha,que artigo lindo, endosso tudo o que o Sr. Comentou.parabens.

Brasil acima de tudo.