Montese, 14 de abril
Sérgio Paulo Muniz Costa (*)
Havia uma tropa que não distribuía a comida que sobrava nem queimava o excedente para evitar contaminações: a do Brasil
No momento em que o Estado brasileiro ainda debate sobre o cumprimento de um acordo diplomático de extradição com a Itália, a respeito do senhor Cesare Battisti, é oportuno destacar que ontem, dia 14 de abril, completaram-se 65 anos daquela que pode ser considerada a maior vitória da 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária nos campos de batalha da Itália.
Montese foi o pontapé nas dobradiças que ajudou o 4º Corpo de Exército norte-americano a arrombar uma porta da linha Gêngis-Khan, a última linha defensiva germânica.
Foi a primeira grande vitória obtida exclusivamente pelos brasileiros, da maneira brasileira, com a participação de batalhões dos três grandes e tradicionais regimentos de infantaria originalmente sediados nos Estados de São Paulo (o 6º), Minas Gerais (11º) e Rio de Janeiro (1º).
A manobra continha a ideia da moderna infiltração, hoje familiar à nossa infantaria, e o êxito em muito se deveu à ação audaciosa do pelotão do tenente Iporã Nunes de Oliveira, do 11º RI, de Minas Gerais.
Surpreende constatar que a passagem das tropas brasileiras no norte da Itália está nítida na paisagem e nas pessoas da região da Emilia-Romanha. Monumentos de eloquente singeleza feitos pelas municipalidades locais despertam emoção em quem lê os agradecimentos pela participação brasileira na luta pela liberdade e pela democracia.
Préstimos e sorrisos se abrem a quem pede informações sobre os locais por onde passaram os brasileiros, e se apontam as alturas onde lutaram “i soldati brasiliani”.
O monumento brasileiro no sopé de Monte Castelo está no lugar certo.
Não é preciso conhecer a história ou a ciência militar nem ler o texto correto que ali se encontra, castigado pela neve e pelo vento gelado, para pressentir o campo de batalha, onde honra e sacrifício arrostaram as metralhadoras e morteiros alemães.
Dali, voltando o olhar para o sul, pode-se perceber a famosa estrada 64 serpenteando ao lado do Reno na direção de Pistoia, por onde fluíam para a luta os suprimentos e reforços e refluíam os feridos e mortos.
O monumento votivo militar brasileiro em Pistoia é um lugar de paz, ao lado do pequeno cemitério que a comunidade resolveu limitar para dar lugar aos mortos brasileiros que ali repousaram. O pároco local, percebendo brasileiros, apressa-se em lhes entregar lembranças e folhetos do monumento.
O que ficou em todos esses locais por onde passaram as tropas brasileiras? Por que essa memória dos brasileiros, que nem maioria eram naquela Babel de tropas aliadas?
Os números da FEB, segundo padrões brasileiros, impressionam até hoje -cerca de 25 mil homens e mulheres-, mas não eram predominantes. A dimensão do esforço e dos feitos da divisão de infantaria da FEB parece ainda não ter sido notada pelos historiadores brasileiros. Assim, não é de se esperar que o seja por estrangeiros.
Uma pista veio da curiosidade de um adido militar brasileiro, impressionado com a disposição de um italiano em ceder o terreno para acolher um monumento brasileiro.
O proprietário, percebendo a pergunta não feita, antecipou-lhe a resposta: “Nós não esquecemos”. Havia uma tropa que não distribuía a comida que sobrava nem queimava o excedente para evitar contaminações.
Ela dividia sua comida com os habitantes e as crianças entravam na fila antes dos soldados. Eram os brasileiros.
Após a rendição alemã, o Brasil declinou do oferecimento de um setor de ocupação aliado na Áustria. Fez bem. Das guerras, o país ficou apenas com lembranças, e, se andou pelo lado certo da história, muito deve à cordialidade, seu traço cultural distintivo.
Mas não foi só isso. Uma sensata tradição diplomática de respeito ao direito internacional deu-lhe credibilidade, um patrimônio a ser preservado com a atuação equilibrada do governo brasileiro nos grandes temas da política internacional.
O que, no caso da extradição com a Itália, recomenda o afastamento de qualquer decisão política que ameace a amizade e o reconhecimento dos italianos a tudo aquilo que o Brasil lá deixou em prol dos direitos dos povos.
As lembranças de guerra do Brasil estão vivas no bom combate que travou na luta pela paz. Preservemo-las.
(*)SÉRGIO PAULO MUNIZ COSTA é historiador. Foi delegado do Brasil na Junta Interamericana de Defesa, órgão de assessoria da OEA (Organização dos Estados Americanos) para assuntos de segurança hemisférica.
FONTE: Folha de São Paulo, via CCOMSEx
LEIA TAMBÉM:
“Havia uma tropa que não distribuía a comida que sobrava nem queimava o excedente para evitar contaminações.
Ela dividia sua comida com os habitantes e as crianças entravam na fila antes dos soldados. Eram os brasileiros.”
Num lugar onde faltava tudo e não sobrava nada, só armas!
Não é de se espantar com as ações brasileiras, creio que para este campo de batalha foram mandados os melhores homens desta nação.
Falem o que quiserem do Brasil, mas esta nação é uma das poucas que ainda tem em seu gene miscigenado a compaixão, o respeito e o amor a vida.
Com certeza o Brasil não se tornará somente uma grande potência, mas a melhor delas.
Pena que não estarei vivo para viver esses dias.
Sds.
Pois é. Os italianos não esqueceram do Brasil, mas o governo brasileiro está a se esquecer da Itália.
Battisti vai alla tua casa!
Orgulho!!!!
Orgulho!!!!
Bravi ragazzi, gli brasiliani, bravi Liberatori!
Belo texto do Sr. Sérgio Paulo Muniz Costa.
Também muito gostei do comentário que cita: […]”creio que para este campo de batalha foram mandados os melhores homens desta nação.”[…] Radical Nato
E eu particularmente creio também, que eram os melhores, mas no melhor sentido que um homem pode ser melhor: o da compaixão pelo próximo.
Parabéns ao blog pela postagem.
Parabéns pela excelente matéria. Também é muito importante olharmos oque temos ou fizemos de bom.
Concordo contigo Radical Nato, não seremos apenas uma potência, mas a melhor delas, pelos menos no que diz respeito a compaixão e respeito a vida. Mas acredite, você verá isso, senão for nessa encarnação então que seja na próxima.
Abraço
Orgulho!!!!
Belíssimo texto! Parabéns ao autor e ao pessoal do blog por sua reprodução.
sem brincadeira de minha parte,eu chorei de orgulho quando li este texto!!sinto orgulho da FEB e das nossas forças armadas atual!!!
-Brasil meu país que amo!!!
Esta é a minha batalha predileta da FEB!!!
De fato, é de deixar marmanjo c/ olhos marejados!!!
Pois é,
…é ao invés de honrarmos este passado de amizade e consideração entre brasileiros e italianos, negamos à estes a devolução de um terrorista assassino e impedimos os irmãos italianos de fazer justiça.
De qualquer modo, o texto brilhante mostra bem a índole brasileira, o povo solidário que mesmo nos momentos mais difíceis encontra espaço para consideração ao próximo.
E tanto quanto nossa índole, mostra a BRAVURA do soldado brasileiro na Europa, exemplo a ser seguido neste país onde a juventude tem a petulância de pixar o Cristo Redentor.
Eu gosto danto da história dessa batalha que, coincidentemente (ou não), acabei por morar no bairro Montese, aqui em Fortaleza-CE. É por isso que os brasileiros são diferenciados, pois sempre temos mais amor e compaixão do que os outros. Adorei o texto, e espero que possamos refletir sobre o Brasil de hoje e suas atitudes. Orgulho!!!
Sobre a Missão do Forte:
A História tem mostrado como a falta de preocupação com defesa e a crença subjetiva de que “alguém” irá defendê-lo ou à sua pátria conduz, implacavelmente, à derrota e à morte ou escravidão nas mãos do inimigo.
Vejamos dois exemplos:
A Tchecoslováquia foi entregue a Hitler pelas principais potências.
A França e a Inglaterra não honraram seu tratado de aliança com a Polônia e deixaram-na à sua própria sorte contra a invasão nazista.
Existem muitos outros, mas, como sempre, será preciso um grande abalo para os governos e a população acordarem para um mundo que não é nada amigável… Geralmente isso ocorre quando já é tarde demais…