vinheta-clipping-fortePrimeiro, veio a notícia de que 600 “morenos” estavam subindo o rio Maroni para repetir no garimpo de Benzdorp o massacre contra brasileiros em Albina, na véspera do Natal.

Depois, chegou a informação de que dez ou 15 canoas estavam a caminho, com surinameses armados. Até agora, nada.

Mas foi o suficiente para levar medo à comunidade de 2.500 brasileiros que fazem de Benzdorp uma cidade verde-amarela a 500 km da capital do Suriname, Paramaribo.

Na dúvida, garimpeiros e ribeirinhos brasileiros passaram o fim de 2009 se armando para um ataque. “Se eles vierem, é na boca da 12“, diz Ricardo Ferreira, dono de uma espingarda calibre 12 de repetição, com capacidade para seis cartuchos. “Em Albina, pouca gente tinha arma. Aqui é diferente”, afirma.

As armas são apropriadas para o ambiente no meio da floresta amazônica, cujo acesso é apenas por canoa ou avião. São para caçar macaco, anta, capivara e cotia. Mas podem ter outra função em tempos de conflito. “A arma serve para tudo”, diz, em termos ameaçadores, Reginaldo, 30, conhecido como “Mau Elemento”. “Aqui, quem tem arma não fala, e quem não tem fala que tem”, diz seu irmão Raimundo Froes Filho, 38.

Em Benzdorp, brasileiros e “morenos” vivem juntos há décadas, com episódios de violência esporádicos -um assalto, uma briga de bar. A sensação é a de que o tempo não superou a desconfiança mútua.

Os garimpeiros começaram a chegar no final dos anos 80. Encontraram descendentes de escravos africanos já estabelecidos em pequenas roças e garimpos, os maroons -para os brasileiros, “morenos”.

As duas comunidades se misturam em vilarejos e trabalham juntas em alguns garimpos. Mas em Albina, lembram os moradores, sempre houve paz.

“A relação com os “morenos” hoje é tranquila, mas num momento isso pode mudar”, diz o pastor Osmar Abimael, líder local da igreja evangélica brasileira Assembleia de Deus.

Metralhadoras e fuzis

Entre o Natal e o Ano Novo, alguns brasileiros se cotizaram para contratar seis policiais do Suriname como seguranças. Por sete dias, homens vestindo coletes da polícia desfilaram com metralhadoras e fuzis.

Um deles, que se identificou apenas como Mike, disse que a polícia não dá conta de proteger a região. “Somos nove policias apenas. Já pedimos reforço, mas nunca chegou”, diz.

O problema é o que acontecerá quando forem embora. “Depois de 2 de janeiro [ontem], quem vai nos proteger?”, diz Maria Oseni, dona de mercado.

Foi ela quem recebeu uma chamada por rádio na véspera de Natal, alertando para o que estava acontecendo em Albina, a um dia de canoa motorizada, no mesmo rio Maroni. Algumas pessoas fugiram para o mato. Outras se trancaram em casa.

Como nada aconteceu, o tamanho real da ameaça passou a ser assunto nas mesas dos botecos de Benzdorp. “Existem quatro ou cinco barreiras policiais no rio. Não existe possibilidade de montarem um ataque contra nós sem sabermos com antecedência“, diz o comerciante Deusdeth Gomes.

Ao longo do rio, dezenas de pequenas comunidades de “morenos” vivem do garimpo, agricultura ou criação de gado. São do mesmo grupo étnico dos de Albina e falam a mesma língua, o tak-tak. Pelo menos nos locais que a Folha visitou, não se percebe nenhuma agressividade.

“Somos diferentes dos que vivem em Albina. Somos amigos dos brasileiros”, diz Jerry Vandriesa, 31, que fala português fluente após ter trabalhado 11 anos com brasileiros.

Ali perto, o garimpeiro Roberto Komse, 30, aproveitava o feriado de 1º de janeiro descansando com quatro amigos “morenos”, ouvindo reggae e fumando maconha.

Não parecia prestes a deflagrar um ataque. “Aqui os “morenos” trabalham e só pensam em ouro. A gente não tem tempo de brigar”, afirma.

Para brasileiros traumatizados, porém, só a garantia verbal não basta. “Estou com muito, muito medo”, diz Maria Oseni.

FONTE/FOTO: Folha de São Paulo/A Vignola

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