Soldados americanos aprendem a ceder o comando aos iraquianos
Os soldados da Bateria B estavam em uma caminhada de rotina por um mercado central quando ouviram o barulho: um estalido baixo que foi seguido por uma pluma de fumaça preta a 500 metros de distância. Os soldados aguçaram os sentidos, com as armas de assalto de prontidão. Alguns meses atrás eles já estariam em movimento. Mas o tenente Christopher Freeman ordenou que parassem.
“Eles querem que a gente fique longe”, ele disse, referindo-se a seus homólogos da polícia iraquiana. Por um acordo que entrou em vigor em 1º de julho, as forças americanas não podem ir ao local da ação a menos que os iraquianos peçam. Por isso eles continuaram sua patrulha, enquanto a fumaça se erguia nas proximidades.
“A gente quer reagir”, disse Freeman, do 3º Batalhão, 82ª de Artilharia de Campo. “Quer ter certeza de que ninguém saia ferido. Mas é assim que agimos agora. Não é nossa luta.”
Para os soldados americanos na maior parte do Iraque – mesmo aqui em uma das cidades mais tumultuadas do país – essa é a nova realidade desde 1º de julho, depois que as forças dos EUA saíram das áreas urbanas e trocaram de papel: deixaram de conduzir missões de combate e agora ajudam a polícia e os militares locais. Os soldados recitam um novo mantra: estão aqui só para ajudar e treinar; a luta agora pertence aos iraquianos – a condição essencial, depois de quase sete anos, para que as tropas americanas voltem para casa.
Treinar as tropas locais foi um primeiro objetivo no Iraque e hoje é o pivô do plano do presidente Barack Obama para começar a retirar os soldados do Afeganistão em 18 meses. Aqui no Iraque o treinamento se mostrou difícil e muitas vezes ilusório. O governo Bush esperava entregar a segurança para os iraquianos quase imediatamente depois da invasão, em 2003, mas descobriu que as tropas iraquianas estavam mal equipadas e muitas vezes eram alvo ou instrumentos de violência sectária.
Hoje, enquanto os EUA se preparam para retirar a maior parte das tropas até o próximo verão, missões de rotina como a da Bateria B esclarecem o progresso às vezes frágil das forças de que depende o futuro da segurança do Iraque. Mas a certa altura os americanos e iraquianos tiveram de estabelecer um limite.
O novo papel de apoio da bateria marcou uma mudança filosófica em relação a 2007, quando o general David Petraeus, então principal comandante americano no Iraque, assumiu como maior prioridade a proteção da população. As novas prioridades são mais difusas: habilitar as forças locais, reforçar sua posição na comunidade, promover o desenvolvimento econômico e melhorar as relações interétnicas.
Os soldados da unidade B e outras disseram que hoje eles têm um papel para o qual não foram treinados, com mais tempo parados, movimentação limitada fora da base e missões que muitas vezes consistem em ficar parados enquanto seus oficiais trocam anotações com seus colegas iraquianos.
Alguns gostariam de ir para o Afeganistão, onde o pequeno número de tropas locais treinadas ainda precisam dos americanos para um papel ativo no combate. Outros lutam contra o tédio.
Em uma missão recente, soldados do 4º Esquadrão, 9º Regimento de Cavalaria, dirigiram cautelosamente por um cruzamento. “Esse é o auge da nossa excitação: tentar fazer o tráfego parar”, disse o sargento Homero Bazaldua, de San Antonio. A unidade não via combate desde que chegou a Kirkuk em julho.
Para uma força de combate cujos membros se alistaram durante a guerra ou realistaram depois de serviço ativo, o novo panorama exigiu adaptação.
“Eu parei de tentar explicar o que fazemos, porque é quase impossível explicar”, disse o tenente Eric Dixon, também do 4º Esquadrão. “Todo mundo tem na cabeça uma ideia do que está acontecendo, e então quando você lhes conta o que realmente acontece eles dizem: ‘Isso não tem sentido’. São os iraquianos completamente na liderança e nós apenas no apoio.”
Perguntado se é melhor assim, Dixon disse: “É difícil explicar. Como esta missão – nós gostamos, mas é aborrecida. Mas é uma missão muito mais recompensadora do que arrombar portas todos os dias. Podemos ver o progresso do que estamos fazendo”, ele acrescentou.
“Às vezes vamos em missões e eles dizem: ‘Não precisamos de vocês. Vamos cuidar disso e lhes faremos um relatório’. Não há melhor medida de sucesso que isso”.
Para a Bateria B, a missão do dia começou com uma escolta da polícia iraquiana, uma exigência para tropas americanas que entram em Kirkuk. Depois de uma breve sessão de treinamento, os quatro Humvees da unidade rumaram para um terreno enlameado onde as tropas americanas esperavam financiar um campo de futebol.
Esses projetos se tornaram cruciais para a retirada dos EUA, disse o tenente-coronel Christopher Norrie. Uma missão bem sucedida hoje, ele disse, poderia significar “uma pessoa receber um microcrédito que lhe permita abrir uma barbearia ou um salão de cabeleireiro”.
“Essa barbearia é uma ligação vital para o desenvolvimento da área, permitindo uma vitalidade econômica para pessoas que antes não tinham isso”, ele disse.
Kirkuk, uma região rica em petróleo ao norte de Bagdá, esteve no centro do impasse sobre as leis eleitorais do Iraque, pois curdos, árabes e turcomenos reivindicam a primazia na região. Mas a violência diminuiu aqui, e, exceto por um surto neste verão, continuou caindo desde 1º de julho, segundo os registros americanos.
Nessa transição, a experiência da Bateria Bravo mostra as tensões que surgem quando a teoria encontra um carro-bomba em um mercado cheio de gente.
Em vez de correr para a explosão – e proteger a população -, os soldados continuaram caminhando e incitaram os policiais iraquianos que os acompanhavam a conversar com os lojistas sobre a região. Os Humvees se moviam lentamente ao lado. Para os oficiais iraquianos, a presença americana tornava o trabalho mais perigoso.
“A verdade?”, disse Muhammad Khalif, um dos oficiais. “Nós estaríamos mais seguros se viesse só a polícia iraquiana. Às vezes, quando trabalhamos com forças da coalizão, algumas pessoas acham que a polícia iraquiana está nas mãos da coalizão.”
Quando a Bateria B obteve permissão para ir ao local da bomba, o tráfego já estava engarrafado, por isso passou uma hora antes que os soldados chegassem ao ponto da explosão, que matou seis pessoas e destruiu três prédios. Embora os americanos tenham treinado oficiais iraquianos para afastar as multidões de uma cena de crime, dezenas de pessoas passavam por ali.
O sargento Sean McLaren, de Browns Mills, Nova Jersey, quis liberar o local. Insurgentes muitas vezes planejam segundas explosões para matar as pessoas que respondem à primeira.
Mas quando ele e outros começaram a afastar as pessoas o sargento-major Carlos Soto-Bonilla lhes gritou para parar.
“Vamos falar com quem estiver no comando e deixar que eles cuidem disso”, disse. “Temos de colocar uma face iraquiana nisto, porque se não nunca sairemos deste país.”
Mais pessoas passavam por ali, destruindo potenciais evidências. A água de um cano estourado corria para a cratera de 1,5 metro deixada pela bomba.
“Você tem fita para isolar o local?”, perguntou McLaren a um oficial iraquiano. A resposta: “Temos na delegacia, mas viemos para cá correndo”.
Nos jipes mais tarde alguns soldados estavam insatisfeitos com a reação dos iraquianos. Eles demoraram demais para chegar, e um número muito grande de pessoas correu perigo.
“Os policiais iraquianos não entendem”, disse MacLaren. “Nós ficamos lá tempo demais. Eles poderiam ter detonado aquele VBIED para que as forças da coalizão reagissem, então um franco-atirador poderia nos alvejar”, ele disse, usando a sigla em inglês para “dispositivo explosivo improvisado transportado por veículo”. “Nós tentamos ajudá-los a treinar a si mesmos, mas não podemos salvar o mundo.”
Mas para Norrie os resultados, embora imperfeitos, foram um modelo de sucesso nessa etapa do conflito, quando as tropas americanas se preparam para partir.
“Foi uma solução iraquiana para um problema iraquiano, e permitir que eles façam isso é muito importante”, ele disse. “As pessoas lá na rua viram suas forças de segurança claramente no comando. Todos somos falhos aos olhos do Senhor, mas o principal é que foi uma reação iraquiana, isso é mais importante que tudo.”
FONTE: The New York Times / UOL – John Leland
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
Tá loco cumprir uma missão “drôle de guerre” dessas… Q merla… O combatente deve ficar se sentindo um “nada” completo…
E o pior é que não há alternativa senão fazer isso mesmo. O Iraque é uma nação ancestral, rica e populosa, e precisa reaprender a caminhar com as próprias pernas, após o fim do regime de Saddam Hussein. E ainda bem que aparentemente está dando certo. Torço para o Iraque. Sinceramente simpatizo com este país desde a época em que nossos “passatões” rodavam por lá (e ainda rodam, rsrs).
Os EUA tem é q dar dinheiro (microcrédito) pro povo, e ficar apenas protegendo os campos petrolíferos e a infra-estrutura, que são a garantia de futuro para o Iraque, e sair de lá o mais rapidamente possível, pois tem outra missão extremamente árdua, civilizar o Afeganistão, essa sim uma missão necessária, e que vale a pena na medida em que sem ajuda o Afeganistão vai se manter o que já é: uma terra arrasada, onde manda a lei do mais forte…
Sds.