O significado dos recentes gastos militares do Brasil em perspectiva
Antonio Jorge Ramalho
“O Brasil não é para principiantes”, dizia Tom Jobim aos estrangeiros que lhe pediam para explicar certas coisas de nosso país. E sorria. É um país difícil de entender.
Desde a semana passada, parece que Defesa Nacional virou assunto importante. O Senado Federal autorizou o empréstimo necessário a adquirir 4 submarinos convencionais e 50 helicópteros, além de concluir o projeto do submarino movido a propulsão nuclear. Ato contínuo, fala-se da compra dos caças destinados a reaparelhar a Força Aérea. Outra parte do dinheiro estava no orçamento da União, entregue ao Congresso na mesma semana.
Embora se tenha considerado a menção aos caças indício de preferência pela proposta francesa, o Governo diz não ter tomado a decisão sobre o Programa FX-2. Suécia e EUA ainda estão no páreo. Tudo depende de possíveis novas concessões e de como elas se enquadrariam na Estratégia Nacional de Defesa.
Sim, porque o país agora possui um documento público em que expressa, sem rodeios, seus objetivos para essa área nos próximos 30 anos. Não é um livro branco de Defesa, mas é “pra valer”. Aliás, o documento fala de várias parcerias, sinalizando o pragmatismo dos novos tempos. Fala também dessas compras.
Pena que a imprensa não lhe tenha dedicado atenção. Se o fizesse, não teria se surpreendido com os anúncios da semana. Desavisados, jornalistas referiram-se aos Ministérios da Marinha e da Aeronáutica, extintos com a criação do Ministério da Defesa, há mais de 10 anos. E muito tardiamente, cabe notar: mundo afora, isso se fez há mais de uma geração. Os grandes começaram a unificar suas Forças no calor da Segunda Guerra Mundial, quando restou evidente que a desarticulação de esforços em água, terra e ar se pagaria com vidas humanas. Felizmente, não tivemos esse problema. Mas isso explica, em parte, a burocratização da atividade militar no Brasil e seu histórico envolvimento em assuntos que não lhe cabem. Como toda agência burocrática, na falta de um claro sentido de direção, cada Força cuidou de si.
Faltava visão de conjunto. A tal ponto que o Brasil, em pleno Regime Militar, reduziu os gastos com armamentos. Um caso único, ainda mal explicado. O país não é para principiantes. O Regime queria legitimar-se, dizia-se. Mas ali começou o longo processo de sucateamento das Forças Armadas. Na transição para a democracia, nenhuma liderança tratou do assunto. Os militares calaram-se, como se só houvessem cometido erros. Os civis fugiram à responsabilidade de interpretar os desejos da sociedade no que concerne à sua segurança. Não definiram o que o Brasil queria de suas Forças Armadas e não se arriscaram a pautar as missões militares. Talvez não soubessem o que fazer com os militares. Havia outras prioridades. Trataram-se assuntos de Estado como se fossem opções de governos. Faltou visão de longo prazo para a área de defesa.
Certas coisas progridem lentamente no Brasil. Mas progridem. Agora, a visão existe. Enquadra gastos e prioriza programas, o que implicará ampliar as responsabilidades e o orçamento do Ministério da Defesa. É ver como esses assuntos surgirão na próxima campanha eleitoral. Que projeto de Força queremos? De quantos generais precisaremos daqui a 30 anos? E de quantos soldados? Para que missões específicas? O que queremos quando participamos de missões de paz?
Ainda falta muito. A própria tecnologia que se quer absorver com essas compras depende de massa crítica nos centros de pesquisa, nas universidades, nas empresas. Não dá para ficar só nas universidades públicas e não basta combinar com a FIESP. Se a sociedade não se envolver profundamente, perderemos a oportunidade de absorver parte da tecnologia negociada com a França. A Estratégia vincula Defesa a desenvolvimento e centra o foco em produtos e serviços de uso dual. Mas as linhas de pesquisa na área de Defesa são escassas, os especialistas raros. É preciso financiar a produção de conhecimento na área, como se faz com petróleo e gás, como se faz com a Amazônia. É preciso abrir espaço aos empreendedores brasileiros, quiçá por meio do mercado mobiliário. Se cabe ao Governo induzir, caberá à sociedade responder a essa indução e tornar esses esforços sustentáveis.
E só agora o Congresso Nacional parece ter entendido que isso lhe diz respeito. Talvez porque os valores pareçam altos. Não são. Para se ter uma idéia, hoje o Brasil é o 12º país em gastos com defesa, respondendo por 1,6% dos gastos mundiais. Uma das razões da parceria com a França é que ela gasta o triplo disso (4,5%), atrás de China (5,8%) e dos EUA (41,5%). Só que isso inclui o pessoal. Também os inativos: no nosso caso, respondem por mais da metade da folha de pagamentos. Outro caso único no mundo. E continuamos a recrutar nas mesmas proporções, a despeito dos aperfeiçoamentos tecnológicos. Como se exércitos numerosos implicassem êxito militar. Na ausência de guerra – Deus queira! –, esse pessoal vai se aposentar. As próximas gerações pagarão esta conta.
Como proporção do PIB, o Brasil gasta 1,5%, comparado com a média mundial de 2,4%. Os gastos brasileiros per capita são quase a metade da média mundial: US$ 120,00 contra US$ 217,00. Só perdem para China e Índia. (Os números referem-se a 2008, trabalhados pelo SIPRI.)
Ademais, os gastos se farão nos próximos 30 anos. E, a exemplo do que ocorre em outros países, produzirão riqueza. Há externalidades positivas. Não são apenas gastos; são investimentos. Só que é preciso vigiar sua execução, no marco estabelecido pela Estratégia Nacional de Defesa. Daqui a pouco, a própria Estratégia deverá ser revista, sem prejuízo dos investimentos de longo prazo já contratados. Então poderemos gastar mais e melhor, se a sociedade e o Congresso Nacional se envolverem no processo, como parecem ter feito na semana passada. E é importante que o façam. Porque o assunto não ficou importante na semana passada. Sempre foi. E não é assunto para principiantes.
FONTE: UnB Agência
Corretíssima a visão do Sr. Antonio Jorge Ramalho. Analisou o assunto dentro de uma visão inteligente e pelos aspectos corretos. Esse parece conhecer o assunto, não é um desvairado que sai discutindo valores sem nenhuma referência, criticando e apontando erros e má fé dos militares em tudo.
Muito coerente esse senhor, até na análise dos valores “que parecem altos, mas não são”. O Brasil passou mais de trinta anos sem investimentos em defesa, tendo por consequência o sucateamento de suas forças armadas. Agora, temos que recuperar, com urgência, o tempo perdido e aplicar pesado na área. Os valores parecem altos, mas não são, como bem expressou o missivista. Precisaremos de muito, muio mais para colocar o Brasil no patamar em que ja deveria estar já a muito tempo.
Saudações!
Excelente artigo. Lúcido, coerente, com visão.
[]s
Beleza de artigo.
Lucidez afinal!
Um dos melhores artigos publicados ultimamente.
O Sr. Antônio Jorge está de parabéns pelo artigo.
Sds.
Há realmente questões estruturais que devem ser tratadas. Há pouco tempo o Diário Oficial publicou os quantitativos autorizados de pessoal para o Exército. Só de taifeiros havia, se não me engano, perto de oitocentas pessoas. É quase um batalhão de infantaria!
Ótimo artigo!!
A quantidade de efetivo deve considerar o efetivo uso que se faz dela. Lembro que no Brasil o exército é Defesa Civil, Polícia de emergência, construtora e mantenedora de estradas, sistema de saúde pública de regiões de difícil acesso e até mesmo instituição de reeducação de jovens delinquentes. Funções raramente exercidas em outras nações.
A impressão que se tem ao ler o artigo, muito acertado quanto a todos os demais aspectos, é que os militares passam o tempo sem trabalhar, sem produzir riqueza para o país, e portanto seriam um peso para a sociedade, que ainda arcaria futuramente com suas aposentadorias. Isso não é verdade.
Devemos valorizar o material humano que temos nas forças. Por mim, parte das unidade militar deveria ser transformada em uma unidade de produção de armamento ou munição, fora as unidades que permaneceriam secretas. É fundamental a produção de armamento dentro da estrutura das forças, onde a tecnologia disponível permaneceria desconhecida, mantendo o fator surpresa em um eventual conflito.
Outra vantagem da produção própria e estatal seria a impossibilidade de falência, venda ou contigenciamento, como ocorreu com a engesa, a embraer e o projeto aramar.
Pena o debate político do ano que vem lançar sombras de novo sobre o tema..ou pior… usarem a defesa para atacar esse ou aquele partido.
Excelente artigo, parabéns
É um tipo de análise que daria um belo editorial nos grandes jornais (sei que seria pedir demais, né?) ou então, tendo espaço como artigo, porque tem uns articulistas nos grandes jornais que dão dó de tanta mediocridade.
Muito lúcido e esclarecedor o artigo.
Sds aos do Blog.
Parabéns Sr. Antonio Jorge Ramalho! Escreveu com coerência e sem se assoberbar como entendido, mas como um civil responsável e que pensa num Brasil muito maior do que o que é.
Perfeito ! Parabéns ! Quem dera fosse esse tipo de matéria que saisse nos jornais, e não a massa fecal que somos obrigados a engolir !
Excelente artigo!
Ele só esqueceu de mencionar que os outros países també, gastam MUITO DINHEIRO com o custeio do pessoal. Inclusive aposentados.
OS EUA por exemplo gastam fortunas com indenizações das guerras.
Ou seja, não é só o Brasil que gasta muito dinheiro com militares na ativa e na reserva.